capítulo 5

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               MELINDA OLIVEIRA

Eu fico sozinha ali fora, perto das flores, por um longo tempo. Até que vejo os primeiros convidados irem embora. Então, me lembro que tenho que fazer praça a todos e volto para dentro.

Caminho pela sala onde ainda há alguns convidados, mas não vejo meu marido. Então, vou olhando o andar de baixo, procurando por ele, mas não o encontro em lugar algum. Até que ouço um som vindo da despensa. Temos um espaço próximo ao banheiro social onde guardamos produtos de limpeza, toalhas e vassouras, essas coisas. Temos outra despensa na cozinha, mas é para alimentos. O barulho fica ainda mais alto enquanto me aproximo do local. Quando chego em frente à porta da despensa, que fica próxima ao banheiro, paraliso.

Estanco meus pés no chão, olhando diretamente para a fresta aberta da porta. A cena horrenda que se desenrola ali vai ficar marcada para sempre em meus pensamentos, coração e alma.

Susana está com os seios para fora, de joelhos, enquanto Ricardo está com as calças arriadas e com o pênis exposto. Susana... Susana está com ele na boca, e meu marido está segurando os longos cabelos dela, forçando sua entrada na boca dela.
— isso vagabunda, me toma inteiro... isso sua puta, engole o pau do seu macho. — Meus olhos se enchem de lágrimas, que escorrem abundantemente. Susana faz barulhos com a boca enquanto se toca, e ele continua a penetrar sua boca sem parar. Em um determinado momento, ele me vê ali e fixa seus olhos nos meus, testemunhando meu estado de choque. Ele assiste enquanto eu me desmorono, percebendo o momento em que minha alma e meu coração se perdem. Ele observa cada lágrima que escorre dos meus olhos e continua a investir na boca de Susana com ainda mais força, nunca desviando o olhar de mim. Parece ser um desafio explícito, uma prova de que eu não passo de nada para ele. Ele não se importa com meus sentimentos, eu não significo nada para ele.

Meu coração se parte, minha alma se fragmenta. Todas as minhas certezas e sonhos se perdem. Sinto-me vazia, exposta, como a pior pessoa do mundo. Recupero meus sentidos e tento sair correndo, mas esbarro em alguém que estava atrás de mim. Nem peço desculpas, apenas fujo dali, daquele lugar, daquela casa. Quero desaparecer, quero fugir para longe. Ouço minha mãe, minha tia e até Mia tentando me impedir, mas eu simplesmente corro. Corro para longe, tentando aliviar aquela dor em meu peito, aquela angústia. Eu desejava não ter presenciado aquela cena, desejava tanto...

Corro até sentir falta de ar em meus pulmões, até pensar que vou desmaiar se não parar. Minhas pernas doem e eu caio de joelhos no chão, apoiando minha cabeça em minhas mãos e chorando, grito:
— Por quê? Por que... por que... por que...

Eu grito até minha garganta arranhar, até doer tanto que chego a perder a voz. Eu quero desaparecer.
Eu quero morrer...
Eu quero morrer...
Eu não faria falta...
Minha vida é só sofrer e lamentar.

Afundo meus dedos na areia, sufocando em minha dor. Mesmo buscando por ar, ele me falta. Sinto uma pressão enorme no peito. Estou me perdendo dentro de mim mesma. Começo a apertar a areia em minhas mãos, causando dor. Quero que a dor física seja maior do que a dor que me consome por dentro.

Por que ele fez isso comigo? Por quê? Por que me machucar tanto assim? Por que ele me deu esperança de que ficaríamos bem apenas para tirar o chão dos meus pés?

Bato com força no meu peito, tentando aliviar essa dor cortante que sinto. É um sentimento avassalador, acredito que estou morrendo.

Preso dentro de mim mesma, não percebo alguém se agachando e segurando meus cabelos. Assusto-me e me afasto abruptamente. Estou uma bagunça, molhada, suja e soluçando.

— Sou eu, Melinda. — Ele diz com a voz suave. Isso me traz algum conforto. Não tenho coragem de olhar para ele, então apenas fico ali no chão, olhando para a terra. Ele respeita meu silêncio, meus soluços, minha angústia, meu desalento, minha dor.

— Vai passar, Linda... — Ele fala em tom suave.

— Nenhuma dor é tão grande a ponto de durar para sempre. É uma das coisas que nos torna fortes. Mesmo que doa agora, vai passar. — Ele fala enquanto permanece próximo a mim.
Estou perdida em meus pensamentos, presa dentro de mim mesma. Criei uma bolha para não sentir nada, para não testemunhar meu mundo desmoronar, minhas convicções e certezas despedaçarem-se. O mundo encantado onde um dia acreditei que meu marido me veria e me amaria não existe mais. Ele matou qualquer sentimento que eu tinha por ele. Matou minha inocência e as últimas esperanças de que poderíamos dar certo. Agora, tudo o que sinto é um vazio imenso. Estou quebrada.

Depois de passar bastante tempo e me sentir um pouco melhor, olho para o rosto bonito do homem e a única pergunta que me vem à mente escapa dos meus lábios.

— Por que você está aqui? — Pergunto, levantando a cabeça para olhá-lo melhor.

— Eu também já sofri algo parecido e sei como você se sente. — Ele responde enigmaticamente.

— Vai passar? — Sussurro.

— Sim, e vai te fazer mais forte. Você vai florescer como uma rosa. A mais bela rosa. — Ele afirma com tanta convicção que acabo acreditando.

— Está doendo tanto. Sinto-me em pedaços.

— Vamos juntar todos os pedaços e colá-los novamente. — Ele diz, sentando-se ao chão ao meu lado.

— Não sei se consigo. — Falo entre lágrimas.

— Consegue sim. E, se me permitir, posso estar ao seu lado durante todo o processo. — Ele fala com calma.

— Você faria isso por mim? — Pergunto, incrédula.

— Sem dúvidas. Uma vez alguém me ajudou a me reerguer quando eu estava no fundo do poço, achando que era o fim. É exatamente como você está se sentindo agora. — Ele olha para a floresta de árvores à nossa frente.

— Por que eu deveria acreditar em você? Não te conheço. Quem me garante que não está aqui para me machucar também?

— É normal desconfiar de tudo e de todos quando se foi muito machucado. É uma medida de autodefesa para nos proteger. Mas posso garantir que minhas intenções são as melhores, e podemos nos conhecer melhor com o tempo. Aliás, meu nome é Anthony Ferraz, tenho 32 anos e aparentemente serei o CEO da rede de supermercados do meu pai no Brasil. — Ele diz com um tom divertido, fazendo-me sorrir. Como ele conseguiu esse feito em um momento tão delicado da minha vida, eu não sei.

— Olá, Anthony. Me chamo Melinda Oliveira, tenho 20 anos e acho que em breve serei uma mulher divorciada. — Falo a última frase com amargura.

— Prazer em conhecê-la, Melinda. E se me permite dizer, o seu nome combina com sua beleza. — Ele diz, arrancando um sorriso meu.

— Engraçadinho. — Reviro os olhos.

— Mas estou dizendo a verdade, "linda" está em seu nome. — Ele diz, fazendo-me corar.

E ficamos ali, desfrutando de um silêncio reconfortante.

— Minha mãe me disse que foi minha tia Carla quem escolheu meu nome. Ela disse que eu seria doce como mel, e meu nome tem origem grega. Adorava ouvir essa história na minha infância. Ela sempre me dizia que eu seria uma mulher doce e gentil, que eu seria muito feliz e encantaria as pessoas... — Digo, agora olhando para as estrelas.

— E sua tia estava certa, Melinda. Ela acertou em tudo o que disse. Mesmo diante de problemas e obstáculos, não deixe que ninguém tire sua doçura e gentileza. Não permita que te quebrem, Linda. — Ele fala de um jeito que não sei se é um elogio ou apenas o meu nome.

— Obrigada, Anthony. Você me ajudou muito esta noite. Se não fosse pela sua distração, eu estaria me afundando em mágoas, ódio, rancor e destruindo a mim mesma.

— Não vale a pena, Linda. Eles não merecem suas lágrimas. Sabe o que pessoas como eles merecem de nós?

— Não, o quê?

— A indiferença. Mostrar que eles não nos afetam, que não nos abalam. Mesmo que estejamos morrendo por dentro, mesmo que desejemos que um raio caia em suas cabeças ou que sejam levados por uma enchente. — Ele fala, e eu acabo sorrindo.

— Não seria nada mal se um raio caísse em suas cabeças, e a enchente os levasse para longe, bem longe. — Digo, cansada.

— Está se sentindo melhor? — Ele pergunta depois de algum tempo.

— Se eu disser que parece que um trem desgovernado passou por cima de mim, me deixando em frangalhos... — Digo, olhando para o nada. Ele pega minha mão e dá um aperto reconfortante.

— Acho que estou um pouco anestesiada. Eu... eu... eu pensei que ele estivesse bem comigo, que... bem, que iríamos salvar nosso casamento de alguma forma. Fui tão burra, Anthony. Como posso esperar um milagre de alguém que nunca se importou comigo?

— Você ainda será muito feliz, Linda. Não permita que ele te diminua. O errado é ele, não você.

— Como vou voltar para casa agora, Anthony? Como vou fingir que nada aconteceu? — Digo, voltando a chorar.

— Não há como fingir, Linda. Simplesmente não dá. Você terá que enfrentar tudo de cabeça erguida, nunca se curvar. Lembre-se de que você é uma mulher forte, e não se diminua jamais. — Ele fala, e eu me jogo em seu peito e choro ali. Ele fica sem reação, com medo de me tocar, mas acaba colocando as mãos em meus cabelos, afagando-os. E eu me permito chorar, lavar minha alma, derramar toda a dor que sinto ali.
— Eu não quero voltar, Anthony, mas sabendo que é inevitável, um desespero me acomete. Uma ânsia de ir para longe, de fugir até não ver mais ninguém que me lembre dessa vida miserável. — Continuo falando, desabafando tudo o que estou sentindo. E ele me ouve, deixa-me molhar sua camisa. Até que sinto o cheiro do seu perfume invadindo minhas narinas e ouço o som de sua voz calma pronunciando a letra de uma música que eu escutei poucas vezes.
— I put my armor on, I'll show you that I am
I'm unstoppable, I'm a Porsche with no brakes
I'm invincible, yeah, I win every single game
I'm so powerful, I don't need batteries to play
I'm so confident; yeah, I'm Unstoppable today...
— A esposa do meu amigo adorava ouvir essa música, o que me fez aprender a letra apenas ouvindo-a cantar baixinho. Acredito que a letra dessa música falará com você. A tradução é mais ou menos assim... — Ele começa a falar a tradução da letra da música, e vou absorvendo as palavras.
— ... eu coloco minha armadura,
vou te mostrar que sou
sou imparável,
sou um Porsche sem freios,
Sou invencível,
Sim, ganho todos os jogos,
Sou tão poderoso
Não preciso de baterias para jogar.
Estou tão confiante, sim, hoje eu sou
Imparável. — Estou bem mais calma quando ele diz as últimas palavras...
— derrotado, apenas sozinho, vou chorar agora
Você nunca verá o que está
Escondido lá no fundo...
— Ele passa a mão pelos meus cabelos e sinto-me tão protegida.
— Essa música se chama "Unstoppable". Claro que eu fiz algumas alterações na letra para não ficar constrangedor para mim. — Ele dá um sorriso reconfortante que me faz querer sorrir também. — Mas a letra fala sobre como as mulheres são fortes, como elas vestem suas capas de mulheres poderosas e conquistam o mundo. Vocês são incríveis, Melinda. Você é incrível. Pode doer e machucar, mas vai passar. Você não pode desistir, deve continuar lutando e vencendo apesar de todas as merdas.— Ele diz as últimas palavras e continuo assimilando tudo o que ele disse e tudo o que aconteceu aqui. Todo o consolo e conforto que eu precisava, vindo de um desconhecido, mas que compreende tão bem a minha dor.
— Muito obrigada, Anthony. Você me fez muito bem. Se eu estivesse sozinha aqui... depois de tudo que presenciei, nem sei o que faria. Estou bem melhor. Não sei o que vai acontecer daqui para frente, mas com certeza vou lembrar para sempre das suas palavras.
— Sempre que precisar, Linda... Estarei por enquanto no Supermercado Ferraz. Se precisar de um ombro amigo ou de alguém para conversar e desabafar, qualquer que seja a situação... me procure, terei o maior prazer em ajudar você. — Ele diz e eu me sinto agradecida. Levanto minha cabeça do seu peito e sorrio para ele, um sorriso verdadeiro.
— Muito obrigada, Anthony... — Ele se levanta do chão, sacode suas roupas para se livrar da terra que ficou grudada nelas e estende a mão para me ajudar a levantar. Eu a seguro e me levanto, arrumando-me também e limpando como posso a terra que tenho no vestido e nas mãos.
— Acredito que chegou a hora de voltar e enfrentar a minha família e o traidor Ricardo... — Digo sem jeito, sem rumo.
— Certo... Vou te acompanhar de longe até que você chegue em casa em segurança, e então vou embora. Já fiquei aqui mais tempo do que devia, e não queremos problemas, não é mesmo?
— Sim, não queremos mais problemas... — Eu começo a andar na frente dele e vejo que ele está parado, com as mãos nos bolsos, me observando. Eu ando meio incerta em direção à casa, à prisão, ao meu cárcere, onde meu algoz me espera. A angústia começa a me dominar e assolar.
— Lembre-se do que disse, Melinda. Você é mais do que tudo isso... Tudo vai passar, é apenas uma fase... — Anthony diz de onde ele está. E eu repito para mim mesma...
— Vai passar, é apenas uma fase, vai passar... — Quem sabe assim eu me convença de algo em que nem eu mesma acredito...

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