MELINDA OLIVEIRA
MESES DEPOIS
Estou na floricultura. Já esta quase na hora de fecharmos. A senhora Vera está cada vez mais ausente, reclamando de indisposição pela idade dela. É de se entender que seja difícil para ela seguir o mesmo pique que o nosso, de ficar o dia todo organizando a floricultura, fazendo os enfeites ou atendendo a demanda de pedidos de arranjos para casamentos, aniversários e eventos.
A floricultura teve um impulso quando Anthony fez questão de ter nossas flores num evento da empresa dele. E adivinha? Eu fui nesse evento, e dessa vez fui apresentada como sua namorada. Não poderia estar mais contente em ser reconhecida e valorizada, porque sim, esse homem me valoriza todos os dias, me fazendo me sentir amada e querida, a mim e a essa vidinha que está dentro do meu ventre. Falo com meu bebê todos os dias, a toda hora sorrindo, porque agora não tenho mais o que temer. A ameaça se foi.
Não sei qual foi o fim de Rosa, mas acredito que perder o filho não deva ter sido fácil. Eu nunca desconfiei que eles eram mãe e filho, até aquele dia em que ela se mostrou tão má quanto o filho. Ele sempre a tratou tão mal, sem nenhum respeito, que dava a entender que não eram uma família. Mas é de se esperar, visto que ele confiava nela para deixá-la comigo. Enfim.
Quanto a Susana, ela está respondendo a vários processos por causa das fraudes que Ricardo e ela faziam por aí. Perdeu o emprego e até as ações e propriedades que possuía, tudo afim de não ir para a prisão. Espero que ela pague por todo mal que me fez indiretamente.
Eu não sou uma pessoa má, mas às vezes a vida é muito injusta e precisamos que algumas coisas sejam feitas para punir pessoas que só distribuem o mal por aí. Estou terminando meu trabalho e ansiosa para ver Anthony, hoje não almoçamos juntos.
Com a morte de Ricardo, não preciso mais de Tom e nem Sérgio. Às vezes sinto falta deles.Ainda tenho pesadelos horríveis com Ricardo. Às vezes imagino ele me matando ou eu morrendo com ele queimando naquela casa. Mesmo depois de morto, ele ainda consegue me assombrar, apesar do acompanhamento com a dra. Rose. É difícil superar, por pouco não entrei em depressão. Tive que receber muita ajuda e o trabalho também me distraiu. Temo que nunca consiga esquecer todo o trauma que vivi, mas tenho fé que um dia conseguirei. Um dia, tudo que passei será apenas uma vaga lembrança de como precisei ser forte, e lutar para chegar onde estou, e que serviu de aprendizado para me tornar mais madura e segura de mim mesma. Tenho certeza de que serei uma boa mãe porque jamais farei o que minha família fez comigo.
— Melinda, já deu a hora de fecharmos a floricultura, posso guardar as flores?
— Sim, Ana, obrigada. — Aqui trabalho eu no caixa, Ana, Jean e Vanda nas vendas e fazendo arranjos. Estou achando muito estranho eles entregarem a mim o cuidado total da floricultura sem pedir para que eu preste contas do que estamos fazendo aqui. Tenho que me lembrar de perguntar a Anthony sobre isso.
Depois de tudo organizado, os funcionários vão embora e eu fico para fechar a floricultura. No momento em que acabei de trancar a porta, me viro e vejo um carro parado no outro lado da rua. Dona Cassia sai de lá e vem até onde estou.
Fico parada na calçada vendo ela se aproximar. Quando está perto o bastante, ela para na minha frente. Intuitivamente levo minhas mãos à minha barriga.
— Olá, Melinda... — Ela olha para onde estou tocando e sorri. Em todos esses meses, não quis saber sobre nenhuma das pessoas da minha família. Até mesmo troquei de número do celular e também o da floricultura. Pensar neles me fazia mal; lembrar de tudo que passei me trazia uma dor absurda que me fazia fraquejar. A Dra. Rose disse que não era feio não ter força para ficar frente a frente com o passado, ou o que nos faz mal, que devemos estar preparados e só então enfrentá-lo. Confesso que ensaiei mentalmente várias vezes conversas que teria com meus pais, tia e irmã. Mas em todas eu perdia um pedaço de mim. E recuava. Agora, frente a frente com Cássia, meu coração fica em frangalhos, pois ela foi a única mãe que tive, a que amei, e a que sempre me deu migalhas de amor e tempo, e eu sempre me perguntava o porquê.
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Um Anjo Na Escuridão
RomanceMelinda Oliveira, de 20 anos, é uma jovem doce presa em um casamento fadado ao fracasso com um homem 20 anos mais velho, que tem prazer em humilhá-la e fazê-la chorar. Melinda faz de tudo para ser uma boa esposa, sonhando em encontrar a aprovação do...