Melinda Oliveira
Eu procuro pelo meu celular e ligo para a minha mãe. Depois de 3 toques, ela atende.
— Ele foi para o celeiro, mamãe. Estou com medo — escuto ela se levantando e posso ouvir seus passos.
— Há quanto tempo?
— Agora, mamãe. Ele vai me prender lá. Estou com medo, mamãe — falo chorando. Ela suspira.
— Calma, filha. O que você fez para ele querer tomar essa decisão?
— Ele dormiu com a Susana novamente, mãe. Ultimamente, ele nem está escondendo suas traições. E eu pedi o divórcio.
— Ai, Melinda. Você sabe que homens como o Ricardo não aceitam divórcios.
— Ele bateu no meu rosto, mamãe. Ele disse que vai me matar se eu tentar me separar dele.
— Calma, filha. Vocês falaram do assunto proibido? — ela perguntou.
— Sim... ele que tocou no assunto — eu falo por alto.
— Está aí o problema. Você sabe como ele ficou da última vez — a última vez foi há mais de 8 meses.
Ele me deixou sozinha por 2 meses aqui nesta fazenda, não deixou meus pais, nem minha tia ou irmã me visitarem, só mandando a Rosa com alguns alimentos e coisas de higiene pessoal. E só apareceu depois de um tempo como se nada tivesse acontecido. Eu questionei e ele me prendeu no celeiro por 14 horas. Quando ele me liberou, disse que eu teria meu próprio quarto, e eu perguntei se iríamos, bem, ficarmos juntos, que eu queria os carinhos dele, e ele disse que quando fosse necessário, me chamaria em seu quarto. Mas isso nunca aconteceu. Ele nunca me tocou novamente, nem me deu um beijo sequer, não até o dia da festa, onde percebi o quanto seus carinhos me faziam falta. Até hoje me pergunto onde foi que nós perdemos. Eu tentei tanto me aproximar, mas isso só o afastava ainda mais, e com minhas tentativas falhas e as agressões dele, acabei desistindo. Às vezes me pergunto se o homem que um dia eu amei ainda existe. Ou se tudo não passou de um teatro encenado por ele.
— O que eu faço, mãe?
— Faça tudo que ele mandar. Não o irrite. Ele deve ter bebido e nessa situação, ele pode fazer algo para te ferir. Eu e seu pai estamos indo até você. Vamos demorar umas 8 a 9 horas. Tome bastante água antes dele te prender lá e me espere. E entregue o seu celular para a Rosa esconder.
— Certo, mamãe. Venham rápido, por favor — eu desligo e antes de entregar meu celular para a Rosa, ligo para minha tia.
— Tia Carla... — a chamo chorando.
— Não me diga, Melinda... — ela fala já soluçando.
— Ele foi para o celeiro. Estou com muito medo, tia. Da última vez, ele ameaçou me deixar lá por 3 dias.
— Estou indo aí com seus pais, filha. Não se preocupe, tudo vai ficar bem. Aguente firme, está bem?
— Tá, tia... — eu desligo e entrego o celular para Dona Rosa.
— Mantenha meus pais e minha tia informados, Dona Rosa... E ore por mim. — vou para a cozinha, tomo água e espero o retorno de Ricardo.
— Por que você não chama a polícia, menina?
— Porque ele pode fazer mal aos meus pais, Rosa. Ele tem meus pais em suas mãos e usa isso a seu favor. E também, se eu chamasse a polícia, quem sabe o que ele faria conosco até os policiais chegarem? Ricardo não tem muito a perder.
Ele fica lá por um bom tempo e quase acredito que ele não fará nada comigo, que talvez, apenas talvez, tenha esfriado a cabeça e desistido dessa loucura. Eu até fingiria que estava tudo bem, que ele não me agrediu agora mesmo. Mas acho que é querer demais, não é?
Assim que estou seguindo para o meu quarto, para ir ao banheiro e talvez ele me deixe em paz, ouço a porta da frente se abrir com violência e percebo que chegou a minha hora, que não posso fazer nada para impedi-lo. E, para ganhar tempo e não me prejudicar ainda mais, vou cooperar com ele.
Ouço os passos pesados dele subindo as escadas, seus olhos caem sobre mim como brasas de fogo quente. Meu corpo treme de medo do que vai acontecer. Ele fica me encarando e então fala:
— Acredito que da última vez eu prometi que se você me desrespeitasse, eu teria que te prender no celeiro. — ele fala com uma falsa calma.
— Por favor, Ricardo... meu amor, me desculpa. — eu falo apelando por sua compaixão, que duvido que ele tenha.
— Vai ser bom para você, Linda, para que possa refletir sobre suas atitudes, para ser uma esposa melhor, para não negar nada ao seu marido, nem mesmo pensar em divórcio. — ele fala e se aproxima de mim, eu me encolho esperando por um tapa ou soco, mas ele apenas pega minha mão e me puxa para fora de casa.
— Vou deixar você ali por algumas horas, para que reflita sobre o que somos e para que entenda que nunca vamos nos separar, para que compreenda que é minha para fazer o que eu quiser. — fico calada, pois qualquer coisa que eu diga só vai me prejudicar ainda mais.
Chegamos à porta do celeiro e vejo que ele organizou o tal cantinho onde ele me colocou uma vez. Tem uma cadeira e uma corrente. Ele me faz sentar na cadeira. Olho para ele e suplico:
— Por favor, Ricardo... não precisa da corrente, eu não vou fugir. Vou ficar aqui sentadinha até você vir me buscar. — Ele olha para mim ponderando e solta a corrente, e suspiro aliviada.
— Certo, vou te dar esse voto de confiança. Se eu descobrir que saiu daqui, vai ser pior.
— Prometo que só sairei daqui quando você me tirar. - Falo logo com medo de que ele mude de ideia.
— Onde está o seu celular?
— Deixei com a Dona Rosa.
— Vou verificar se está mentindo. — Nego com a cabeça.
— Não saia daqui, não grite, não fale. E quando eu achar que foi o suficiente, venho te buscar.
— Está bom. — E assim ele sai e tranca as portas do celeiro com chave, colocando a corrente e o cadeado. Queria saber por onde ele acha que eu iria sair. Nem se eu tivesse uma varinha de condão.
Levanto-me do banquinho e começo a andar pelo celeiro. Ele está caindo aos pedaços e imagino que deva ter vários bichos peçonhentos. Fico aflita e peço a Deus para que meus pais cheguem antes do anoitecer. Aqui não tem lâmpadas e não há nenhum lençol ou cobertor, apenas um banquinho e alguns fenos. Tem de tudo aqui: martelos, carrinho de mão, pregos, acho que algumas ferramentas de corte de cerâmica, furadeira e encontrei um enorme facão. Ficar bisbilhotando esse celeiro está me distraindo, é melhor do que ficar parada e sofrer por estar aqui.
Vejo algumas teias de aranha e espero que não sejam venenosas. Agora sinto falta de um cachorrinho. Se um dia sair dessa vida, quero ter vários animais de estimação: cachorros, gatinhos, até mesmo um peixinho em um aquário. Quero ter uma casa movimentada para nunca mais me sentir sozinha. A solidão é muito ruim às vezes.
Por que nossas mentes começam a gritar, a sussurrar o que mais tememos, nos fazendo ver coisas onde não há. Igual agora, por exemplo, estou ouvindo passos de animais, grilos cantando e sapos coaxando. Tudo se torna muito assustador no silêncio de um lugar escuro que você tem medo. Ele sabe dos meus medos, fobia de insetos, qualquer que sejam eles, desde besouros, certas formigas até aranhas e outros mais. Se vejo algum por perto, ou eu paraliso ou começo a suar frio e uma sensação de mal-estar me abate. É horrível, estou implorando aos céus para que não apareça nenhum inseto por aqui. Pior ainda são aqueles que parecem baratas, ou até mesmo as próprias baratas, os cheiros dos insetos. Estou divagando demais sobre insetos, mas é a única coisa que domina minha mente no momento. Essa fobia se chama entomofobia.
A noite caiu, sei que vou ter que fazer xixi em qualquer cantinho, não tem outra forma.
Até onde vai a maldade das pessoas, não é mesmo? E por que permiti isso? Não tenho ideia. Mas e se eu me opusesse? Faria alguma diferença ou pioraria ainda mais minha situação. São tantos cenários diferentes para várias atitudes que eu poderia ter tomado. Mas o medo não deixa, o medo de morrer, o medo de prejudicar meus pais. Esses medos nos tornam mais reféns do que a própria prisão.
Sento-me no banquinho e olho para a parede, encostando-me ali. Prefiro ficar de olhos fechados, porque tenho medo de abri-los e ver algum inseto ou sei lá algum bicho peçonhento. O que os olhos não veem, o coração não sente.
As horas passam e nada dos meus pais. Acredito que até cochilei, e acho melhor assim do que me apavorar por algum som ou zumbido.
Pego no sono novamente e, durante a noite, sinto algum inseto pular em mim. Saio correndo, gritando desesperada com pavor.
— Por favor, Ricardo, me ajuda... — Não consigo ver nada, está muito escuro, um breu. O pânico me enche, vou morrer aqui.
— Por favor, alguém. Vou morrer aqui... — Começo a chorar, o desespero me domina de uma forma que fico sem controle. Não confio onde estou pisando. Não sei que animal, bicho ou inseto encostou em mim, mas senti algo frio e pegajoso. Não quero ficar aqui.
Bato na porta, grito e grito em desespero.
— Por favor, alguém, tem algum bicho aqui, algo pulou em mim, por favor. Juro qualquer coisa, prometo o que você quiser, Ricardo. — Eu vou gritando e batendo no portão até perder minhas forças. Não consigo parar, não sabendo que posso ser mordida por algum animal peçonhento. Começo a me sentir tonta, minhas mãos estão tremendo. Eu... eu estou com medo de morrer.
— Eu vou morrer aqui dentro, por favor... — Começo a chorar, meu estômago embrulha e vomito no chão. Meu pânico não passa, estou tremendo ainda mais. Eu tenho que parar de pensar, tenho que parar de pensar...
— Meu Deus, me ajude... — Respiro fundo.
— não tenho nada a temer,
não tenho nada a temer
Não tenho nada a temer... — falo a mesma frase incontáveis vezes. Consigo ouvir o bater de asas de algum inseto, talvez uma borboleta, e isso me deixa em alerta. Já não sei o que é real ou não. Começo a me afastar de onde vem o barulho das asas do inseto e fico quieta, com medo de chamar sua atenção ao me movimentar.
Fecho os olhos e deixo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Não sei quantas horas se passaram, mas estou viva e está amanhecendo. Não comemoro, não faço nada. Apenas me sento no banquinho, sem reação, com a cabeça encostada na parede.
Não sei quanto tempo passa. Horas? Minutos? Só sei que, em determinado momento do dia, ouço as correntes sendo tiradas das portas e as portas sendo abertas. Não me levanto, não vou até a pessoa, não faço nada. Sinto-me morta, como se não estivesse em meu próprio corpo. Acho que são meus pais que estão me chamando, falando comigo, mas me desliguei, tive que me desligar para não ter que pensar nos insetos.
Eles gritam entre si, minha tia me abraça chorando, e eles me tiram de lá, do meu maior pesadelo.
Levam-me para casa, e então minha tia e minha mãe me ajudam a tomar banho e lavam meus cabelos. Não digo nada, não respondo nada. Quando termino, visto um vestido e uma calcinha e deito na minha cama, chorando. Choro sem parar.
Acho que eles se desesperaram e chamaram um médico.
Ele me faz algumas perguntas e descobre sobre meu pavor, sobre minha voz rouca. Receita alguns medicamentos e me manda descansar.
Tomo um pouco de sopa e depois durmo por horas, dias. Não tenho ideia de quanto tempo se passou, mas todos ficaram ali comigo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Anjo Na Escuridão
RomanceMelinda Oliveira, de 20 anos, é uma jovem doce presa em um casamento fadado ao fracasso com um homem 20 anos mais velho, que tem prazer em humilhá-la e fazê-la chorar. Melinda faz de tudo para ser uma boa esposa, sonhando em encontrar a aprovação do...