CAPÍTULO 31

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                 ANTHONY FERRAZ


                 SEMANAS DEPOIS


Há dias tenho me sentido perturbado, desde que Melinda se declarou para mim. Foi como um gatilho. Espere aí, eu não sou perfeito. Assim como todos, tenho meus problemas. Não é porque eu ajudo Melinda que estou isento dos meus próprios traumas, medos e inseguranças.

Tudo estava indo bem até suas palavrinhas mágicas. Eu não sou uma pessoa revoltada, não desejo vingança nem nada do tipo. Fui criado muito bem por minha mãe, que sempre me ensinou a perdoar, esquecer e seguir em frente. Às vezes é difícil, complicado, mas é a vida.
Meus pais são amigos mesmo após a separação. E não houve traição, eles apenas desistiu de seguirem juntos. Foi meu pai quem pediu o divórcio, e minha mãe, não querendo prendê-los a um relacionamento fracassado, o deixou ir. Meu pai se casou novamente depois de 2 anos de divórcio, mas minha mãe nunca mais se envolveu com ninguém, nem mesmo para passar o tempo. Ela não toca no assunto, mas acredito que ainda o ame.

O amor é assim, cheio de renúncias, de se doar, mas também de deixar ir, de abrir mão. Viu como é complicado? Sinto falta da minha mãe. Ela está em um retiro que deveria durar apenas 3 meses, mas ainda está lá. E eu a apoio. Se isso a faz bem, se ela está feliz, que continue.
O que estou querendo dizer com tudo isso? Bem, não tive exatamente um bom exemplo de amor. Para mim, o amor machuca, mas o cuidado, o carinho, a atenção não. O amor em si, machuca.

— Anthony?! — Ouço Ethan me chamando lá no fundo, direcionando minha atenção para a tela da chamada em vídeo conferência do escritório.

— No que está pensando? — Ele pergunta.

— Que o amor machuca... — Ethan me olha meio confuso com minha confissão. Ele se recosta em sua cadeira e me observa, jogando a caneta em cima da mesa.

— Depois de tanto tempo... — Ele começa.

— Eu sei. — Passo as mãos pelos meus cabelos, desgrenhando-os.

— Você sabe que eu conheço a Brianna desde sempre. Nossas mães eram amigas e nos empurraram para ficar juntos. Na época, achei engraçado e curti. Como eu trabalhava demais, aceitei ficar com ela. Era fácil, cômodo e prático. Nunca amei a Brianna, era apenas uma relação física e estava indo bem.
— Eu sei disso, estive ao seu lado durante todo o relacionamento. Você morou aqui por 6 anos, amigo. Sempre soube que você e Brianna não eram para ser. Até te alertei para largar aquela maluca. Rosalina nunca gostou do jeito dela. — Passo as mãos pelos meus cabelos novamente e desço até a minha barba.

— Ficamos juntos por quase um ano. Foi prático, mas quando começou a pesar, com a arrogância dela maltratando todos ao seu redor, deu para mim. Ela veio dizendo que me amava, e acabei ficando confuso. Porque ela não podia me amar. Nós tínhamos um acordo, era para ser apenas sexo.

— Você sabe que ela nunca amou você, né? Foi o seu dinheiro que ela amava. — Fala Ethan indignado.

— Claro que sei. E só tive a confirmação com a sua traição. — Mas até essa confirmação fiquei nas mãos dela, porque eu não queria machucá-la.

— Ela é tão mesquinha que te traiu com o filho da Sônia. Só por imaginar que ele tinha mais dinheiro que você, por ter um carro esportivo, que depois ela descobriu que nem era dele. — Junior é o filho da mulher do meu pai, Sônia. Eu sempre morei nos EUA, voltava para o Brasil por alguns meses, mas a minha residência era lá. Meu pai teve a brilhante ideia de passar as férias lá. Minha mãe também morava lá comigo em uma casa que compramos. E meu pai alugou uma casa em um bairro bem próximo de onde vivíamos. E não deu muito certo, pois minha mãe sempre trombava com eles e não se sentia bem, até deixou de sair muitas vezes por esse motivo. Eles são amigos por viverem em harmonia, mas isso não significa que eles convivem juntos. Minha mãe o evita o quanto pode.
Enfim. A empresa do Ethan deu um baile beneficente, e como eu fazia parte da empresa dele e estava à frente dos negócios, fui chamado para discursar. Subi ao palco depois que Ethan e seu irmão abriram o evento. Pretendia falar apenas algumas poucas palavras. Havia um telão LED 3D que exibia as famílias dos convidados em tempo real. Quando chegou a minha vez, mostrou primeiro a minha mãe sentada à mesa com algumas conhecidas, depois meu pai com Sônia e os outros dois filhos dela. Por último, parou em Brianna, em um canto estratégico, mas não tão escondido assim. Ela estava montada em Junior e os dois se beijando loucamente. Para terminar de me humilhar, uma luz forte foi projetada sobre o casal. Eles se viraram e o vestido de Brianna estava todo amarrotado, parecendo que foi erguido, e o batom vermelho estava todo borrado, tanto na boca dela quanto na de Junior. Com aquela cena, o evento se transformou em um caos. Sem saber o que fazer, mas não querendo ser chacota de ninguém, desci do palco e entrei em uma das salas desocupadas, onde fiquei. Me senti usado, mal, humilhado diante de mais de 500 pessoas, além dos tabloides que depois postaram o vídeo ou fotos do ocorrido. A repercussão foi enorme e todo esse caos teve um efeito devastador em mim. Me perdi. E nem foi por amor. Não, porque eu nunca amei Brianna. Mas isso me desestabilizou. Fiquei conhecido por todos através de reportagens sensacionalistas me difamando, enquanto Brianna ganhava fama e aproveitava cada minuto, primeiro dizendo que foi um erro, depois tentando pedir meu perdão. Minha vida se transformou em um inferno que levou meses para ter fim. E se não fosse Ethan me dando suporte, ou minha mãe me apoiando, acho que enlouqueceria e cometeria um crime.
— Fico intrigado com quem achou que era uma boa ideia filmar os dois se agarrando. — Pergunto irônico.
— Brianna colecionou inúmeros inimigos aqui, como você bem sabe. Então pode ser qualquer um da produção do evento.
— Se aquele vídeo só tivesse desmoralizado apenas ela, eu não me importaria. Mas aquilo foi uma loucura e quase acabou com a minha carreira. — Falo indignado.
— Não foi para tanto, Anthony. Sabe que nunca perderia seu emprego. Na minha empresa, você é mais confiável que o meu irmão. Sempre foi o meu braço direito. E uma coisa boa surgiu de tudo isso. Você se livrou daquela pessoa desprezível.
— Mais ou menos, já que ela ainda me persegue e tenta marcar território.
— Ela apareceu por aí de novo?
— Não que eu saiba. Tive uma conversa decisiva com Toby, e ele se comprometeu a levá-la de volta para os Estados Unidos. Não fiz questão de verificar, mas acredito que ele cumpriu com o que disse. — Pedi ajuda a William para incentivá-lo.
— Bem... só quero entender por que você está pensando sobre o passado e o amor? — Ethan me analisa atentamente pela tela.
— Melinda...
— Ah, a moça que você salvou do marido abusivo. Falando nisso, como estão as investigações? — Álvaro Ramos está à caça de Ricardo. Descobrimos alguns segredos sujos dele que podemos usar para colocá-lo na prisão. Com a ajuda de William e seu amigo Ângelo, estamos fechando o cerco contra Ricardo.
— Álvaro está trabalhando incansavelmente para encontrá-lo. Seguimos o rastro de Susana até Bahia, mas depois ela voltou para Minas. Estamos também vigiando a tal Rosa, a mãe do bastardo, canalha do Ricardo. Não vou descansar até ele ser preso e pagar pelo que fez a Melinda. Com a prisão dele, Melinda terá paz e não precisará mais ter medo.
— Você contou para Melinda que Rosa é a mãe dele?
— Não.
— Lembro de ter te dito que não é bom esconder as coisas das pessoas.
— Estou ciente disso, Ethan. — Exponho contrariado.
— Só estou avisando. E quanto a Melinda? Você começou a falar sobre ela e eu o interrompi.
— Ela disse que me ama. — Me jogo no encosto da cadeira. Já passa das 20 horas e já deveria estar em casa. Ultimamente, tenho adiado minha chegada, e Melinda está desconfortável com minha atitude. Sei que estou sendo um imbecil e não tenho desculpa para minhas ações, mas simplesmente me deixei abalar.
— E o que está te afetando em tudo isso?
— Eu não sei explicar, Ethan. É um conjunto, um todo. Fragmentos de tudo que, quando se juntam, se transformam em uma grande confusão.
— Simplifique. — Ele apenas dita como se fosse fácil colocar minhas tribulações mentais em ordem.
— A primeira dúvida é: e se ela estiver confundindo gratidão com amor? E se, no momento em que ela se recuperar e perceber que tudo não passou de um equívoco, ela quiser seguir sozinha? Todas essas perguntas e muitas outras estão me consumindo. Eu não quero que ela sinta apenas gratidão, Ethan. Não acho certo ela ficar comigo apenas porque acredita que sou seu salvador. — Desabafo.
— O que você sente por ela?
— Por Melinda? — Pergunto para ganhar tempo.
— Claro.
— Melinda é meu sol, ela brilha no meu mundo. Ela é minha melhor fonte de alegria. Quando estou com ela, posso ser eu mesmo. Amo o sorriso dela, amo seus cabelos rebeldes. Amo sua voz, amo tudo nela por completo. — Ethan continua me encarando do outro lado da tela, parecendo estático. Imagino se há algum problema na chamada. Até que vejo um sutil movimento.
— Não sei se você percebeu, mas você acabou de se declarar. Você acabou de dizer que a ama. Não estou entendendo. — Aí que está o problema.
— O amor machuca. E eu a amo. Se ela não me amar, vou me ferir. Não sei se conseguirei me recuperar, entende? Às vezes, quero acreditar que seja apenas uma atração, algo carnal, para que não me machuque. Porque, se nomearmos, corremos sério risco de nos perder se seguirmos por caminhos opostos.
— O problema, meu amigo, é que você já se envolveu completamente nisso. Se afastar ou se preocupar não vai adiantar de nada. Sua única opção é seguir em frente, encarar o que vier. Lute todos os dias para conquistá-la, porque se, por algum motivo, ela não te amar nesse momento, nos que se seguirão, ela irá. O amor é cuidado, é dedicação e perseverança, Anthony. Não é simplesmente largar de lado e pronto, é algo que deve ser cultivado. — Ele diz parecendo saudoso.
— Você sente falta dela, não é? — Pergunto baixinho.
— Todos os dias da minha vida. E creio que será assim para sempre. — Ele diz pensativo. Ficamos os dois imersos em nossos próprios pensamentos e lembranças. Não posso mensurar a dor que Ethan carrega no peito. Perder alguém que amamos deve ser terrível, ter uma filha que lembra desse amor todos os dias imagino ser opressor.
Depois de falar com Ethan, me sinto melhor, mais centrado. E é por esse motivo que nos tornamos amigos, sempre nos apoiamos e mostramos o caminho um para o outro. Ele é como um irmão que nunca tive.
Saio do escritório já passava das 22:00. Estou exausto. Subo na minha moto e sigo para casa. Quando entro no apartamento, o silêncio reina. As luzes estão apagadas e, assim que entro no meu quarto, não encontro aquela mulher maravilhosa me esperando, deixando um gosto amargo. Acredito que ela percebeu que tenho evitando-a. Não me julguem, estou em conflito e não é uma boa pedida estar assim e lidar com os sentimentos que ela desperta em mim.
Vou para o banho e, em seguida, para a cozinha, procurando algo para comer. Sabendo que não conseguirei dormir sozinho, vou para o quarto dela quando passa das 00:00, imaginando que ela estaria dormindo. Abro a porta com cuidado e deito na cama, me posicionando atrás dela. Não consigo dormir afastado dela, então a puxo para o meu peito. Ela oferece resistência por alguns segundos, mas depois desiste e coloca a cabeça em meu peito. Ouço seu pequeno murmúrio e sinto meu peito molhar.
— O que aconteceu, Linda? — Pergunto, sentindo dor ao vê-la chorar.
— Você... — É a única palavra que ela diz. Deito-a de costas na cama e a beijo com todo o amor que sinto, permitindo que ela sinta como a amo. Nosso beijo se transforma em algo mais forte e intenso, e acabamos nos entregando um ao outro sem usar palavras para descrever o que estamos sentindo. Espero que ela entenda que o sentimento dela por mim é recíproco.

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