MELINDA OLIVEIRA
Chego na minha prisão. Tudo está em total silêncio. Entro no hall de entrada e minha mãe é a primeira a perceber minha presença, ela corre ao meu encontro, mas estou tão anestesiada que não tenho reação.
— Filha...
— Agora não, mamãe... — Digo passando por entre ela e meu pai, sem sequer levantar o rosto para olhá-los.
Quando levanto o rosto procurando por tia Carla, solto um soluço.
— Tia... — Ela corre até mim.
— Oh, minha querida... Eu sei... Eu sei... Vai passar... — Me jogo nos braços dela e permito que ela me acalente, que ela me dê o que necessito... Consolo.
— Venha, vamos para o seu quarto, sua irmã está lá. — E juntas subimos pelas escadas... E paro quando me aproximo do quarto do meu algoz.
— Ele não está aqui em cima, querida. Ele saiu. — E era para eu chorar ainda mais, mas não é o que ocorre, sinto alívio por não ter que olhar na cara daquele traidor.
— Venha... — Ela me arrasta até o meu quarto, que ficava de frente para o de Ricardo.
Quando minha irmã me vê, ela se levanta da cama em um rompante e vem me abraçar.
— Ah, Melinda, como fiquei preocupada! Que bom que você está bem. Que bom que Anthony cuidou bem de você. — Eu olho para ela assustada.
— Como você sabia...? — Pergunto num sussurro.
— A tia Carla viu ele seguindo você. Ela foi verificar se estava tudo bem e viu que ele estava conseguindo te acalmar, então resolveu não se intrometer.
— E o Ricardo? Vocês viram o que ele fez? Vocês viram ele naquele estado? — Pergunto, voltando a chorar.
— Eu não, mas algumas pessoas viram, eu acho...
— Eu nunca fui tão humilhada. Eu quero ir embora, vou juntar minhas coisas e ir com vocês. — As duas trocam olhares e eu gelo no meu lugar.
— O que aconteceu? Por que vocês não estão me ajudando?
— É... É que... — Mia não termina a frase.
— Ricardo ameaçou nossos pais. Ele disse que se você for embora, eles vão pagar... E bem, as mesmas ameaças de sempre. Ele também pode perseguir você até no inferno, e você nunca vai se livrar dele. E se você partir, será bem pior para todos.
Eu me jogo na cama e começo a chorar novamente, dessa vez alto e sem alento... Eu me sinto quebrada, morta...
— Não, não, não... Por favor, não...
— Oh, querida, vamos ficar aqui com você. Até seus pais vão ficar. — Tia Carla fala, me abraçando, e eu fico ali, me acabando em prantos.
Minha tia e irmã me arrastam para o banheiro e me ajudam a tomar um banho. Deslizam uma camisola pelo meu corpo e visto uma calcinha. Em seguida, me deito na cama, e minha tia Carla e minha irmã deitam ao meu lado. Ficamos ali abraçadas, chorando, até adormecer.DIA SEGUINTE
Acordo no outro dia, o sol já estava batendo forte na minha janela, e desconfio que seja tarde. Mesmo assim, não me mexo na cama.
Qual a possibilidade de tudo que vivi ontem não passar de um pesadelo? Que aquela cena do meu marido sendo chupado por sua ex não passasse de uma peça pregada pelo meu inconsciente, que adora rir da minha cara.
Se eu toquei no corpo de Ricardo umas meia dúzia de vezes, foi muito. Às vezes, acho que não passo de um plano de vingança. Que ele quer se vingar dos meus pais e me usa. Por que alguém se casaria com outra pessoa para fazê-la sofrer assim? Para quebrá-la em tantos pedaços que seria impossível colar? Qual é a graça disso? Talvez ele seja um sadomasoquista.
Ele foi meu primeiro em tudo, meu primeiro beijo, minha primeira vez, meu primeiro amor, e agora também é o primeiro a quebrar meu coração, a sapatear em cima dele, a me trair, a me destruir. Seria cômico se não fosse a minha vida.
Olho para minha cama e vejo que estou sozinha. Me levanto e vou ao banheiro, tomo um banho e escovo meus dentes. Paro de frente ao espelho e vejo a bagunça que estou: olhos inchados, minha boca está estranha, meu nariz continua vermelho e olheiras. Estou horrível. Desafiando a todos, prendo meu cabelo em um rabo de cavalo, visto um vestido qualquer e saio do meu quarto. Desço as escadas e vou até a cozinha, onde encontro minha tia e minha irmã.
— Bom dia — falo, olhando para elas e me sentando na ilha.
— Bom dia, meu bem. Está melhor? — minha tia pergunta, e só nego com a cabeça. Mia desliza um copo de café para mim e eu tomo em silêncio.
— Nossos pais estão presos no escritório com o Ricardo. — fala Mia. E eu fico em silêncio. Nada que eu diga vai mudar o que estou sentindo, então prefiro ficar presa dentro de mim mesma. Minha voz foi muito gasta ontem pelos meus gritos.
Depois do café, aproveito que todos estão aqui e vou para fora tomar sol. Sigo para a minha parte preferida, os jardins, e fico lá sentada no meu banco de madeira, olhando as borboletas e pássaros que voam para lá e para cá. Distraída, não vejo que meus pais se aproximaram.
— Filha... — começa minha mãe e meu pai. E apenas olho para eles. Os dois sentam em uma cadeira que está ali bem próximo ao banco, fazendo parte de uma mesa também de madeira.
— Nós conversamos com o Ricardo e ele deu sua palavra de que não voltará a acontecer. Ele disse que estava bêbado e perdeu a cabeça, mas está muito arrependido. Ele disse que te ama muito, filha, e está até pensando em te dar a família que você tanto quer. Já imaginou vocês tendo um filho? Isso vai resolver todos os problemas. — minha mãe fala, enquanto meu pai me olha com olhar culpado. Porque tudo que estou passando é culpa dele. Se ele não tivesse...
— Ele disse que está muito orgulhoso de você, por você ser uma ótima esposa. E isso enche meu peito de orgulho. Eu te criei para ser uma esposa perfeita. Ele disse que a noite passada... — ela para de falar quando olho para ela com horror. Com medo dela falar o que for e agravar a situação, porque se a noite passada foi boa para ele, foi porque ele teve o pênis dele na boca da sua ex.
— Chega, Cássia. Vamos arrumar nossas coisas para irmos embora. — diz meu pai.
— Vocês já vão? — Pergunto desesperada. Não estou preparada para ficar sozinha.
— Sim... É... Seu marido quer voltar à rotina de vocês.
— Mamãe, por favor... Vocês não podem me deixar aqui... Por favor, me levem com vocês. — eu imploro, segurando a mão da minha mãe. Ela me olha com olhar apreensivo.
— A gente pode tentar falar com o Ricardo e ver se ele permite que você passe uns dias conosco. — ela fala, olhando para meu pai, que nega com a cabeça, mas com o olhar suplicante da esposa, ele pensa.
— Vou tentar falar com ele, mas não garanto nada. — meu pai sempre foi distante comigo, distribuiu poucos sorrisos ao longo dos anos, sempre endurecido. Mamãe é um pouco mais calorosa comigo. Mas eles são diferentes com a Mia, e nunca entendi o porquê. Papai incentivou a Mia a ser paisagista, e para mim ele nem fez planos, a não ser o de me casar com seu amigo. Às vezes me pergunto se há algo de errado comigo.
— Vai dar tudo certo, filha.
— Não tenho essa certeza.
— Você tem que se recompor, filha. Ele é seu marido, você tem que ser submissa.
— Ele me traiu, mãe! — falo chateada, porque não é possível que eles não vejam que o Ricardo está errado.
— Foi apenas um deslize, Melinda, isso acontece. Ainda mais quando vocês não dormem juntos.
— Mas...
— Mas nada, a culpa é sua por não conseguir manter seu marido em seus lençóis. Você acha que um homem vai ficar sem ter uma mulher que o sirva na cama por muito tempo?
— Eu tentei, mamãe. Eu tentei seduzi-lo, mas ele só me afastava. Ele não me quer, o que posso fazer?
— Seja uma esposa compreensiva, filha. Aceite seu marido do jeito que ele é. Agora vamos falar com sua tia e irmã. — Desanimada, eu me levantei para ir para dentro de casa. Estava inconsolável por dentro, me afogando em meu próprio desespero.
Quando chegamos na antessala, vi o Ricardo. Ele veio andando em minha direção e eu me afastei para trás.
— Por favor... Não se aproxime. — Vi o rosto dele se transformar em puro ódio por mim.
— Ela não sai dessa casa. Ninguém a tira daqui. Estão entendidos? E todos vocês, fora da minha propriedade. — E ele sai em direção ao escritório. Meus pais e tia me olham com pena e eu caio no chão, chorando, porque entendi que minha vida acabou, que nunca vou sair desse inferno. Mas não posso deixá-lo me tocar, não suportaria.
Minha tia se aproxima de mim, ajudando-me a ficar de pé, e eu vejo o Ricardo entrando no escritório e batendo a porta com força.
— Por favor, me levem com vocês. E se ele me bater? E se ele fizer algo comigo? Eu não quero ficar aqui... Tia... Mãe... Eu imploro.
Eu as vejo chorando na minha frente, impotentes para me ajudar. Eu teria que ser forte por conta própria, como sempre, sem ter ninguém para contar. Limpo minhas lágrimas, me recomponho e subo as escadas.
— Batam a porta quando saírem.
E sigo para meu quarto, com a alma destruída, pedindo a Deus que me proteja e tenha piedade de mim.
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Um Anjo Na Escuridão
RomanceMelinda Oliveira, de 20 anos, é uma jovem doce presa em um casamento fadado ao fracasso com um homem 20 anos mais velho, que tem prazer em humilhá-la e fazê-la chorar. Melinda faz de tudo para ser uma boa esposa, sonhando em encontrar a aprovação do...