CAPÍTULO 35

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                MELINDA OLIVEIRA

                3 SEMANAS DEPOIS

Eu não tive coragem de comentar com o Anthony sobre os telefonemas que continuam sendo recebidos na loja, onde o outro lado da linha fica em completo silêncio. Esse incidente tem me atormentado. Fiz uma consulta com a Dra. Rose e comentei com ela sobre o assunto. Ela tentou me tranquilizar, dizendo que poderia ser algum moleque passando trote na loja, o que é normal de acontecer. Mas algo dentro de mim me diz que não é um simples trote. Como poderia ser, se acontece dia sim, dia não. Há outros três ajudantes na loja, e nenhum deles jamais recebeu um trote assim. Pode ser que alguém ligue e faça algumas gracinhas, mas eles disseram que nunca ficaram apenas ouvindo do outro lado, ou ouvindo uma respiração. Tenho medo de comunicar a Anthony ou aos meninos, e eles acharem melhor por questão de segurança que eu continue em casa. E eu não quero. Sinto-me bem e útil trabalhando, não consigo me ver passando o dia todo em casa. Por esse motivo, permaneço com esse segredo.

Hoje é sexta-feira, e estou animada para o fim de semana. Anthony disse que terá outra surpresa para mim. Já perceberam que ele adora me surpreender e me presentear, não é? Como prometi, não tirei meu colar em nenhum momento. Vai ser como meu amuleto da sorte. E não pensem que esqueci do Anthony. Comprei um presente para ele também e espero entregá-lo neste fim de semana. Sergio e Tom me ajudaram nessa tarefa.

Já passa da uma da tarde quando o telefone da loja toca.

— Alô, boa tarde, Floricultura Hortênsia. Em que posso ajudá-lo? — Fico apreensiva até uma voz soar do outro lado da linha.

— Melinda?

— Mãe? — Meu coração começa a bater forte, cheio de pavor.

— Claro, não reconhece a voz da sua própria mãe? Onde eu falhei na sua criação, Melinda? Até hoje me pergunto. Como pôde abandonar seus pais?

— Eu não os abandonei, mãe.

— Como não? Onde você está agora, hum?

— Vocês me obrigaram a me rebelar. — Digo, querendo chorar.
— O seu único papel, Melinda, era ser uma boa esposa. Ricardo sempre te deu tudo do bom e do melhor. Ele foi um bom marido. E ele te ama tanto que está disposto a te perdoar. — Ela fala, me deixando extremamente abalada.

— Ele quer você de volta, disse que se arrependeu. Que ele perdeu o controle por ciúmes e acabou te agredindo sem querer. — Ela continua em seu monólogo. Estou tão desorientada que me sinto perdida.

— Você entende que para o Anthony você não passa de diversão, não é mesmo, Melinda? Não se iluda, filha. Só nós e o Ricardo queremos o seu bem. Te amamos de verdade, e está na hora de você voltar para nós. — Ela continua com suas manipulações, tentando entrar na minha mente.

— Mãe... Como a senhora descobriu que eu trabalhava aqui? — Cochicho.

— O Ricardo, minha filha. Ele está sempre perto de você. Você apenas não o vê. Ele disse que você pertence a ele, que você deve obediência a ele. E mandou te passar um recado. — Ela faz uma pausa.

— Ele disse que se você continuar com essa rebeldia, ele terá que tomar medidas extremas. Que, se você for inteligente, vai voltar para ele sem grandes problemas ou... — Eu solto o telefone e caio no chão. Acredito que ouço gritos. Alguém me ajuda a levantar e me sentar em uma poltrona. Quando foco em um rosto, vejo Vera, Sérgio e Tom com olhares preocupados para mim. Eu continuo presa em mim mesma, no pavor que está tomando conta de mim, no medo, no sentimento de perigo crescente, do meu destino iminente de cair novamente nas mãos do Ricardo, sabendo que ele poderá dar fim à minha vida quando o fizer. Não sei ao certo quanto tempo se passou, mas ouço quando a porta onde os funcionários ficam se abre abruptamente e um Anthony todo desgrenhado se apresenta. Eu corro para ele, tremendo, e me jogo em seus braços. Ele me segura, me ampara e me protege em seus braços, meu lugar, minha paz chegou, e o turbilhão em minha mente se acalma como em um passe de mágica, ficando apenas o consolo que é estar em seus braços. Ele não me pressiona, não me pergunta nada. Apenas me dá o que eu preciso: ele. Ele cede seu tempo, seu carinho, sua compreensão. Ele me pega nos braços e se senta comigo em um sofá que tem aqui, beijando meus cabelos e fazendo carinho neles. Aos poucos, vou me situando, minha respiração que, até então, estava acelerada, o pavor em meus olhos, acredito que eram visíveis.
— Estou aqui. Vai ficar tudo bem, Linda. — São as primeiras palavras que ele diz depois de chegar e conseguir me acalmar.

— Quando você se sentir melhor, vamos para nossa casa. Vou preparar um banho de banheira para você. E aí você poderá me contar o que aconteceu para você ter quase desmaiado. Tudo bem? — Eu confirmo com a cabeça. O tom de sua voz é suave e confiante, transmitindo carinho e segurança. Fazendo-me querer acreditar que estou protegida. Mas até quando?

— Me leva para casa, Anthony. Por favor. — Ele beija minha testa e se levanta comigo em seus braços. Eu enterro meu rosto em seu pescoço, segurando seu ombro. Ele me leva para fora da floricultura. Ele não para pra falar com ninguém e também não diz nada, apenas preocupado em nos levar para casa. Tom abre a porta do carro, ele está sério, assim como Sérgio. Anthony me acomoda no banco, coloca meu cinto, fecha a porta e vejo que ele conversa com os dois seguranças, que rapidamente fazem ligações, suas expressões são de desagrado. Eu encosto minha cabeça no vidro da janela e fecho meus olhos. E o rosto de Ricardo me assombra, os gritos dele, ele me batendo com o rosto tomado de ódio. Em momento algum vi uma centelha de humanidade nele, parecia um animal perverso. Eu sempre tento mascarar o pavor que sinto e até consigo quando não há nenhum gatilho.

Mas meses depois, ainda consigo sentir cada tapa, cada soco e puxões de cabelo. Não prestei atenção no caminho e nem mesmo quando entramos no elevador ou no apartamento. Fiz tudo no automático. Anthony percebendo que eu não estava bem, me deixou deitada no sofá da sala, em posição fetal, e foi para o quarto. Ele voltou minutos depois me pegando nos braços. Ele me despiu com carinho, beijando meu rosto, minhas mãos. Em momento algum foi sexual, foi um cuidado, um carinho. Ele tirou suas roupas e me colocou na banheira, juntando-se a mim. Ele passou a massagear meu corpo com suas mãos. Percebo que ele colocou uma música ao fundo, era do Coldplay, e o som da música me trazia um pouco de tranquilidade, juntamente com a água da banheira e a massagem. Depois, eu simplesmente fiquei encostada com as costas no peito de Anthony. E ele sussurrou um trecho da música no meu ouvido:
When she was just a girl
She expected the world
But it flew away from her reach
So she ran away in her sleep
And dreamed of para-para-paradise
Para-para-paradise
Para-para-paradise
Every time she closed her eyes
Oooh
traduzindo ficou mais ou menos assim:
Quando ela era apenas uma garota
Ela queria conquistar o mundo
Mas isso voou além de seu alcance
Então ela fugiu em seu sono
E sonhou com o para-para-paraíso
Para-para-paraíso
Para-para-paraíso
Toda vez que ela fechava os olhos
Ooohh
Eu fico ali, pensando na letra da música e imaginando quantas vezes sonhei com uma vida melhor, com um pouco de liberdade, em ter voz, em ser ouvida, em ter minha opinião levada em consideração. Sonhei em poder expressá-la, algo que nunca pude fazer. E que eu só podia sonhar com dias melhores.

— Não deixe que o passado ganhe força sobre você, Linda. Lute com toda a sua força, garra e energia. Você é uma mulher maravilha. Não permita que outra pessoa dite as regras. Você é dona de si agora. — Ele fala enquanto une nossas mãos.

— Lembre-se de que você não está mais aprisionada. Está livre. Não traga a prisão para dentro de você. Seja o que for que tenha te assombrado, resista. — Ele diz tudo com uma voz tão calma e suave, com tanta certeza de que tudo vai ficar bem, que eu me apego às suas palavras. Além disso, temos o som baixinho da música ecoando no ambiente, a água quentinha e seu corpo junto ao meu. Com toda essa paz, acredito que adormeço.

Eu acordo com ele me levantando da banheira e me enrolando em um roupão. Eu não tinha molhado meus cabelos, então ele apenas me acolheu em seus braços, me levou para a cama e me deitou no colchão. Ele envolveu seu corpo junto ao meu, me acolhendo, e eu adormeci, mentalmente exausta de tudo e temendo que o passado retorne.

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