CAPÍTULO 33

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                 MELINDA OLIVEIRA

Eu fiquei muito mal com o distanciamento do Anthony. Ele não se distanciou fisicamente, não. Ele é muito bom para prejudicar qualquer pessoa. Ele continuou cuidando de mim. Me beijando e me amando durante todas as noites. Ele conseguiu fazer com que eu começasse a ir na autoescola para tirar a minha tão sonhada CNH. Ele me apoiou a fazer cursinho online. E como sou apaixonada por plantas, fiz todos online que estavam disponíveis. Tem um curso de Botânica, mas é um dia todo de aula presencial, e ainda não estou confortável para enfrentar muitas pessoas. Pode não parecer, mas o medo sempre fica à espreita e me aprisiona. Enfim, terei que procurar alguns cursos para florista. Preciso aprender a fazer arranjos e a cuidar e manter as plantinhas saudáveis na loja. Mas estou animada.
— Por que você iria embora do nosso apartamento? — Ele fala "nosso" e eu respiro fundo.
— Porque... me senti rejeitada, como se você não gostasse mais da minha presença. Você estava ali para mim, mas não inteiro. E suas atitudes me machucaram. — Confesso o que guardei por dias.
— Desculpe-me, Melinda. É que sou uma pessoa desconfiada por natureza. Não sei se você se lembra daquela mulher que me beijou no restaurante.
— Como eu poderia esquecer? Aquele foi o pior dia da minha vida. — E também o que me libertou, porque mesmo que eu tenha sofrido aquela terrível violência de Ricardo, nunca mais ele poderá colocar as mãos em mim novamente.
— Mil perdões, Melinda. Eu me culpo até hoje pelo que aconteceu com você.
— Mas se não tivesse acontecido, não estaríamos aqui juntos. Eu não teria minha liberdade. Mas o que tem a mulher...
— Ela foi minha namorada. Ela me traiu no dia de um evento muito importante na empresa em que eu trabalhava. Tinha um telão enorme que transmitiu toda a cena, até então trágica, para mais de 500 pessoas. E esse circo todo repercutiu por vários dias em todos os jornais e tabloides. E acabou me desestabilizando. — Ele narra todo o processo doloroso e humilhante pelo qual ele teve que passar. É engraçado como, às vezes, pensamos que só nós sofremos traições, rejeições e humilhações. Não entendemos que o mal existe e está em toda parte.
— Eu sou meio perdido em matéria de confiar nas pessoas depois disso. Sabe, é tudo muito confuso. Nunca amei Brianna, foi apenas um lance. Tenho medo de me permitir e... É um defeito meu. Viu, se você pensava que não existia um defeito em mim, acabou de encontrar. — Ele fala rindo sem humor. Eu levanto meu rosto e beijo seus lábios.
— Para mim, você é perfeito, independentemente de qualquer coisa. E não se feche novamente, Anthony, por favor. — Peço.
— OK. Não vai mais acontecer, tudo bem?
— Sim, bem melhor. — Falo com a maior vontade de dizer o quanto o amo, mas guardo esse sentimento para mim. Ele sabe, eu disse uma vez e ele fingiu que não ouviu ou eu falei baixo demais. Não quero me arriscar novamente.
Ficamos agarradinhos por mais algum tempo e depois eu fui para a autoescola. Tom e Sérgio me levaram, não sei por que, mas Anthony achou prudente a presença de Sérgio. Por um lado foi bom, visto que eu quero fazer uma parada em um lugar. No momento em que saímos da autoescola, pergunto:
— Tom, você conseguiu o endereço da Liz, como eu havia pedido?
— Sim, Melinda, e o lugar é bem estranho, barra pesada. — Fala Tom trocando olhares com Sérgio. Há dias Liz não responde minhas mensagens nem atende minhas ligações e a última vez que ela falou comigo estava muito estranha. Eu decidi que vou até sua casa.
— Mas vocês podem me proteger, certo? — Pergunto temerosa.
— Sim. — Diz Sérgio.
— Então me levem lá. — Eu peço. Eles se olham e acho que foi um sim. Seguimos pela cidade a fora e depois de alguns minutos entramos em um bairro muito pobre, havia várias pessoas que pareciam morar em algumas casas de madeira. E só complicava quando via crianças sem as roupinhas e pareciam tão mal cuidadas. Na hora que Tom para o carro em uma rua muito suja com uma casinha com pouco telhado, tenho vontade de chorar. Não pode ser verdade que Liz, uma moça tão alto astral, mora aqui. Eu fico com medo de descer do carro.
— Só pode ser um engano, Tom. Ela não mora aqui.
— Não há engano nenhum, Melinda. Ela mora aqui com seu pai alcoólatra e com o filho. — Informa Sérgio, me pegando desprevenida.
— Filho?
— Sim. Davi tem pouco mais de 2 anos. — Todas essas informações não parecem em nada com o que Liz me disse. Mas tudo vai se encaixando e não entendo o porquê dela ter mentido. Quando a avisto, eu saio do carro. Ela estava chegando de algum lugar, estava com uma sacola na mão e o rosto estava sério, e não tinha aquela felicidade e sorrisos que ela distribuía.
— Elizabeth? — a chamo e quando ela percebe que sou eu, ela deixa suas sacolas caírem no chão e chora. Eu não consigo me controlar e corro até ela, a abraçando, e ela me abraça também. Pela primeira vez, a vejo desabar e eu a seguro, tentando ser o que ela precisa no momento. Dói ver alguém que distribuía tantos sorrisos tão triste e se derramando em lágrimas.
— O que aconteceu, Liz?
— Tenho tantos problemas, Melinda. — ela fala chorando.
— Quer me contar? — pergunto.
— Eu não sei se tenho tempo. Tenho que ir trabalhar, tenho faltado muito ultimamente. Minha prima que ficava com...
— Seu filho... — eu afirmo, e ela chora.
— Desculpe-me...
— Não precisa se desculpar, Liz. Todos nós temos segredos.
— Minha prima que me ajudava com a criação do meu filho, Davi, foi embora. Ela conseguiu um lugar melhor para viver. E agora não tenho com quem deixar meu filho para trabalhar. Para piorar a situação, meu pai está há 2 dias sem aparecer em casa. — ela conta tudo isso sentada em uma calçada no beco em que estamos.
— Por que ele desapareceu? Você o procurou?
— Meu pai é alcoólatra. Ele encontrou uma reserva de dinheiro que eu tinha atrás de umas caixas de sapato e fugiu. Acredito que só voltará quando não tiver mais nenhum tostão. E o pior é que era o dinheiro para pagar a luz, água e as compras do mês. — ela suspira resignada. Tenho compaixão por ela. Não consigo imaginar estar assim, sem ter onde ir, como sobreviver com um filho pequeno e um pai alcoólatra, e agora sozinha sem ajuda.
— Não se desespere, vamos dar um jeito, está bem?
— Não tem jeito, Melinda. Estou tão cansada, minha vida acabou. — ela fala limpando as lágrimas que insistem em descer por seu rosto. Mas toda a tristeza e dor desaparecem com um gritinho vindo de trás de nós duas.
— Mamãe... — e ela se recompõe, coloca um sorriso no rosto e se agacha para ficar na altura de um bebê gordinho que vem correndo em sua direção. Ele a abraça com as mãozinhas gorduchas envoltas do pescoço da mãe dele e sorri quando ela enche o rosto dele de beijinhos. Ela se levanta com ele nos braços, com a voz recuperada do choro ela nos apresenta.
— Olha, Davi, essa é a tia Melinda. — ela fala mostrando para mim. Ele me olha com curiosidade, mostra os dentinhos num sorrisinho e esconde o rosto, a maior fofura que já vi.
— Olá, Davi. Você é um rapazinho muito lindo. — passo as mãos por seu cabelinho e corpinho gorducho.
Ele mostra os dentinhos para mim novamente e eu brinco com ele por um tempo. Liz me chama para entrar e os meninos entram comigo. A casa tem alguns móveis, dois quartos, duas camas e uma cozinha, tudo muito simples, mas bem limpinho e cuidado.
— Mamãe, quero nhanha. — ele faz movimento com as mãozinhas gorduchas. Ela pega um pacote de biscoito e dá para ele comer, e ele senta com os biscoitinhos, contente.
— Já era para estar no trabalho, faz 2 semanas que não vou ao mercado, isso é, se eles não tiverem me demitido...
— Eles não vão, Liz, fica tranquila.
— Não tem como ficar tranquila com uma situação dessas, Melinda.
— É com calma que resolvemos as coisas. Cadê a moça risonha e positiva que sempre tinha uma piada para contar? Hum?
— Acho que ela se foi. — ela fala triste e cabisbaixa, me deixando triste por ela.
— Não se foi nada. Eu não vou deixar você ficar perdida, amiga. Você vai se levantar, vai se reerguer e continuar de onde parou. — Meu celular toca e é uma chamada do Anthony.
— Tenho que atender, mas continuamos nossa conversa depois. — Saio de perto dela com Tom e Sérgio em meu encalço.
— Oi, Anthony.
— Achei que já estivesse em casa, Linda.
— Estou na casa da Liz... hum... queria te pedir um favorzinho.
— Pode falar. Você sabe que faço tudo por você. — ele diz sorrindo, e eu conto meu plano para ele. Ele aceita fazer o que eu pedi, mas disse que viria até onde estou. Eu não me neguei. Ele também disse que traria o almoço para nós.
Voltei para dentro com um sorriso bobo no rosto. É por isso que amo o Anthony.
Fiquei conversando com Liz, que até então estava desanimada, mas depois começou a se animar e contar seus casos. Ficamos assim até Anthony chegar. Quando ouço o som do motor de um carro, sei que era ele. Mas ele não veio sozinho. Ele estava com um homem que aparentava ter uns 30 anos também. Ele é sorridente e atrapalhado, fazendo graça e irritando o Anthony. Estou analisando tudo isso porque eles estão pegando algumas sacolas do porta-malas e trazendo para dentro da casa da Liz.
— Oi, Linda. — fala Anthony todo fofinho, me dando um selinho. Fico com um sorriso enorme no rosto.
— Oi, Anthony. — eles entram e eu corro para que Liz não surte.
— Amiga, não surta. Eu meio que pedi para o Anthony trazer alguns biscoitinhos para o Davi. — ela só chora e não fala nada.
— Eu espero que você não brigue comigo, amiga... — quando eu estava falando, aparece o amigo do Anthony.
— Olá, meninas. O Anthony não me apresentou a vocês, mas sou o Eduardo. Os mais íntimos me chamam de Edu. Se vocês gracinhas quiserem, podem me chamar até de Dudu. — acabo rindo da sua bobeira e Liz também não aguenta e sorri.
— Se você quiser continuar no seu emprego, sugiro que não flerte com a minha mulher.
— Olha, eu vivi para ver o momento em que o Anthony demonstrasse ciúmes. Você fez milagre, Melinda. — ele fala e ganha um cascudo do Anthony, e os dois saem resmungando, enquanto nós duas ficamos rindo da graça dos dois.
— Muito obrigada, amiga. Eu queria brigar com você e dizer que não precisava. Mas como meu pai pegou minha reserva, eu não tinha como alimentar meu gorducho e estava preocupada. Não tenho como agradecer pelo que vocês fizeram por mim.
— A única coisa que quero é ter minha amiga de volta, aquela super sorridente, feliz e que ama ser positiva. — falo, abraçando-a. Depois que os meninos levaram as compras para dentro, foi a vez da comida. Anthony e Eduardo trouxeram marmitas para todos, isso mesmo, todos nós. E Davi comeu o quanto pôde, fazendo umas carinhas muito engraçadas e divertidas, divertindo a todos que estavam ali. Depois que todos almoçaram e Davi se esbaldou na salada de frutas, fomos embora. Liz conversou com Eduardo, que era o gerente responsável pelo mercado. Eu não sabia que ele era o responsável por todo o mercado. Pois é, Eduardo é o chefe de Liz e almoçou com ela. Ele entendeu a situação dela, deu todo o apoio e disse que não iria descontar nada do salário dela. Além disso, deu os dias que ela faltou como férias. Ela ficou tão feliz que o abraçou, ele ficou surpreso, mas retribuiu. Por que estou shippando eles? Não faço ideia, mas algo me diz que dessa parceria pode surgir algo a mais, e eu ficaria muito feliz se fosse o caso. Minha amiga merece ser feliz.
Fomos embora quando ela estava mais feliz e confiante. Eu também acredito que agora ela vai conseguir se reerguer. Às vezes, só precisamos de um impulso inicial para continuar no caminho certo. Eu fui no carro com o meu Anthony.
— Amor, você não tem ideia de como estou feliz. Estou explodindo de felicidade. A Liz merece muito ser feliz. Só quem conheceu aquela menina sorridente, feliz e com umas ideias nada a ver sabe como me senti mal ao vê-la daquela forma tão triste e apática. Isso me deixou triste. — Todo mundo merece alguém para incentivar o outro a seguir em frente e não desistir. A ajuda é tão importante, e eu descobri isso quando conheci o Anthony.
— Também não a reconheci vendo-a tão triste. — Anthony comenta.
— Senti falta dela no mercado durante toda a semana. Como ela não me comunicou nada, quase fiz a carta de demissão dela. Se eu não tivesse insistido com o Anthony para acompanhá-lo, talvez tivesse demitido a menina sem nem saber das dificuldades pelas quais ela está passando. — Eduardo diz, parecendo realmente tocado pelo que viu.
— Liz é uma amiga muito querida e uma boa pessoa.
— Eu sei, ela é uma das melhores funcionárias que tenho no mercado. — Eduardo continua a falar, e eu me perco em meus pensamentos, pensando que pelo menos um dos problemas está resolvido.

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