capítulo 17

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                 MELINDA OLIVEIRA

Ele fica olhando para mim com uma mistura de confusão e raiva. Eu fico com medo de algum conhecido me ver parada ali.

— Me responde, Anthony. Podemos conversar? É que não posso ficar tão exposta assim. — Ele não diz nada, mas abre a porta do passageiro. Eu faço um sinal para minha irmã, que vai embora. Ela vai comprar as coisas que preciso enquanto falo com Anthony.

Sem dizer nenhuma palavra, Anthony entra no estacionamento e estaciona o carro. Só então ele olha para mim. Vejo mágoa em seu olhar e isso me deixa chateada comigo mesma.

— O que você quer falar comigo, Melinda? Suponho que não temos mais nada para conversar. — Ele encosta a cabeça no banco do carro e fecha os olhos. Será que é errado eu sentir vontade de tocá-lo? Acho que não, afinal, já o toquei antes. Já beijei aquela boca que agora observo umedecê-la com a língua. Senti tanta falta dele que só agora percebo que estou apaixonada por Anthony. Essa descoberta me deixa desesperada. Eu viro para o lado e olho para qualquer lugar, menos para Anthony.

Acho que ele confundiu minha reação com o que ele disse, porque ouço um som saindo de sua garganta.

— Me desculpa, Melinda. É que você me deixa confuso pra caramba.

— Eu que peço perdão, Anthony. Eu sou fraca, tão fraca que no menor sinal de que as coisas possam piorar, me escondo em minha bolha, numa falsa proteção. Eu aprendi convivendo com Ricardo que se eu cooperar com tudo que ele exige, as coisas ficam normais. Sabe, se eu seguir à risca tudo, não o questionando, me fingindo de cega e muda, pelo menos não apanho, não perco as pequenas coisas que tenho. Sabe o que é se acostumar com migalhas? — Pergunto olhando para ele e tenho sua atenção. Vejo ele engolindo em seco e resolvo continuar. — Eu sempre, a vida toda, ganhei migalhas de afeto, de carinho. Não é de hoje. Isso acontece desde criança. Eu nunca entendi, mas meus pais sempre me trataram diferente da forma como tratavam a Mia. Eu até hoje não entendo. Mas ela fez faculdade, ganhou um carro e tirou carteira de motorista. E eu, quando completei 18 anos, ganhei um casamento. Irônico, não é?

— Melinda, não... — Eu levanto uma mão para ele, pedindo para parar de falar.

— Preciso desabafar. Eu vi em Ricardo um pai, eu acho, sei lá. Mas eu achava que tinha encontrado alguém que me dava estabilidade emocional, que iria suprir todo o amor que não recebi dos meus pais. Mas não foi o que aconteceu. Porque só recebi mais desprezo. Sabe o que eu já pensei? — Ele nega com a cabeça.
— Não o quê?
— Que eu não mereço ser amada. — Depois de dias sem derramar nenhuma lágrima, algumas rolam pelo meu rosto.
— Não repita isso nunca mais, Melinda. — Ele pega meu rosto e com carinho me faz encará-lo. Ele limpa todas as minhas lágrimas com cuidado.
— Você merece e muito ser amada. Você é linda, tanto por dentro como por fora. O problema está nas pessoas que te tratam assim e não em você. — Eu me jogo nos braços dele e ele me abraça. Como senti falta dos abraços dele, como senti falta de Anthony.
— Você me perdoa, Anthony?
— Não tem o que perdoar, Melinda.
— Eu nunca mais quero me afastar de você. Foi horrível. — Eu falo encaixando meu rosto em seu pescoço, sentindo o cheiro do seu perfume, sua barba fazendo cócegas em meu rosto.
— Também foi horrível para mim. — Ele diz me abraçando apertado. — Venha, senta no meu colo. Preciso de mais de você para sentir que estamos bem outra vez. — Sem pensar, eu faço o que ele pediu. Essa proximidade foi tão necessária. Eu me senti novamente em paz, protegida. Depois de matarmos nossa saudade de ficarmos sentindo o abraço um do outro, ele me faz olhar para ele.
— Por que se afastou de mim, Linda? — A voz dele está rouca e desconfio que seja por nossa aproximação tão íntima. Eu quero desviar meu olhar, mas ele não permite.
— Eu tive medo, Anthony.
— Medo de quê?
— De ser apenas uma obrigação para você. De que você esteja cuidando de mim só por pena.
— Mas de onde você tirou isso, Linda?
— Quando nos falamos pela última vez... eu tive essa impressão.
— Eu acho que conversamos sobre não tomar decisões precipitadas, Linda. Poxa, custava me falar o que estava pensando? Isso evitaria tanto sofrimento.
— Me desculpa.
— Promete que não fará mais isso?
— Prometo. — Eu digo e olho para seus olhos, seu rosto tão lindo. Não resisto e toco em sua barba, tão macia, bem aparada, toco em seu maxilar, e chego perto de sua boca. A nossa tensão sexual está insuportável, que até nossas respirações alteradas são audíveis. Ele começa a passar a mão pelo meu rosto também e ficamos ali trocando singelas carícias, e é como estar em casa. Ele beija minha bochecha bem no cantinho da minha boca e eu arfo de surpresa. Quando olho para seu rosto, ele está sério. E eu amo aquele olhar determinado dele, seus olhos chegam a brilhar de forma diferente...
— Como eu quero te beijar, Linda. Quero tanto tomar sua boca em um beijo avassalador. — Ele fala passando os dedos por meus lábios, me deixando quente, e minha respiração ofegante, meu coração parece um tambor.
— Também quero muito beijar você, Anthony. — Digo abrindo meus olhos para encará-lo, mas a determinação dele se esvaiu.
— O que foi, Anthony? — Pergunto em um sussurro.
— É tão errado, Linda. — Ele fala encostando sua testa na minha.
— É tão errado desejar uma mulher que não posso ter. — Ele fala beijando minha testa.
— Não podemos nos entregar a essa atração que sentimos um pelo outro. Não assim. — Ele fala segurando meu rosto e aproximando o dele, esfregando seu nariz no meu.
— Sabe por que não podemos, Melinda? — Eu nego com a cabeça, engolindo em seco.
— Porque eu quero você inteira, não quero metade nem migalhas. Não quero ter que me esconder ou ter medo, ou vê-la voltando para casa do seu algoz. Eu quero que você seja livre para ser minha. — Ele explica, e parece doer nele tanto quanto dói em mim.
— Mas não pense nem por um momento que não a desejo. Porque o que mais faço na vida desde que te conheci é te desejar. — Ele sussurra. — Eu desejo tê-la por inteiro. Cada pedacinho seu. — Ele passa as mãos pelos meus cabelos.
— Desejo curar cada ferida que você sofreu com meu carinho e cuidado. Desejo que você seja feliz, que seja livre, que não tema nada. — Lágrimas saem dos meus olhos.
— Ah, Anthony! — Eu o abraço e colo meu rosto abaixo do seu pescoço e fico ali curtindo nosso momento.
Ficamos assim nos curtindo por algum tempo, não sei se foram horas ou minutos.
— Anthony...
— Hum?
— Como vamos fazer para continuar nos vendo?
— Não sei, Linda. Mas vamos dar um jeito.
— Eu não quero mais ficar longe de você. — Eu digo me aconchegando ainda mais em seus braços.
— Também não quero. Mas ficar perto de você será minha morte, Melinda. — Ele fala soltando um suspiro.
— Por quê? — Sussurro de volta. Ele não me responde imediatamente, mas ele se acomoda melhor abaixo de mim e sinto seu membro cutucando meu bumbum. E ele, de propósito, me aperta para sentir seu membro duro. Solto um gemido que acho que respondeu ao seu membro, pois sinto ele se mexer. Nossas respirações se misturam e a vontade de beijar Anthony é tanta que lambo meus lábios.
— Não faça isso, Melinda. — Sua voz rouca e afetada está me deixando louca.
— Não fazer o quê, Anthony?
— Não gema nem lamba seus lábios assim. Você está sentindo como estou duro por você? — Ele fala parecendo estar sentindo dor.
— Desculpe-me.
— Acho melhor você sentar em seu banco. — Eu ajo por impulso e beijo o canto de sua boca e então vou para o meu banco. Observo-o acomodando sua ereção, e como gostaria de vê-lo nu. O que estou pensando? Viro o rosto para que ele não me veja com as bochechas vermelhas.
— O que foi, Melinda?
— Nada... Você mora aqui?
— Sim... Quer entrar?
— Melhor não. Se não estamos nos aguentando aqui dentro do carro... — Digo sem terminar a frase. Entendo que ele não queria continuar o que começamos antes, mas é tão difícil.
— Ficou mais difícil resistir a você depois que tive um vislumbre de como é ter você em meus braços, Melinda. Está sendo um inferno ter você tão perto e não poder beijá-la como fiz aquela noite. — Ele passa as mãos pelos cabelos.
— Mas a verdade é que, se eu te fizer minha, não vou deixar você voltar para a casa de Ricardo. E como sei que você preza muito pela vida de seus pais, não posso agir por impulso nem ser como seu marido.
— Entendo.
— Então vamos nos comportar, certo?
— Certo... — Ficamos calados por um momento. Ainda vejo que seu membro está duro e que ele está desconfortável. — Por que ignorou minhas ligações?

— Não ignorei. Tive que trocar de número. — Ele fala sem olhar para mim.
— O que aconteceu com o outro número? — Quando ele vai explicar, meu celular toca. É Mia. — Minha irmã está me esperando, Anthony. Tenho que ir. — Eu falo, e então ele olha para mim.
— Me dê seu telefone para eu colocar meu número. — Entrego meu celular e ele salva seu número em meus contatos. E me devolve.
— Então... é isso, né... estamos bem.
— Sim, estamos... — Ele fala com seu olhar penetrante, olhando cada pedacinho do meu rosto, mas se demorando em minha boca.
— Tudo bem... É... hum... — Fico sem palavras e ele entende o que quero dizer.
— Vamos, vou acompanhá-la até o carro de sua irmã. — Nós dois descemos do carro dele e ele me acompanha até onde Mia estava esperando. Quando chegamos perto do carro de Mia, ajo por impulso e o abraço. Ele retribui e fala no pé do meu ouvido, causando arrepios.
— Se cuida, Mel. E me liga. — Estremeço em seus braços e acho que ele percebe, pois sorri.
— Hurum... — Tudo que consigo dizer é isso. Então saio de perto dele e entro no carro da minha irmã, Mia.
Minha irmã se despede dele com um aceno e saímos de lá. Durante o caminho para casa, ela me pergunta:
— Vocês estão juntos?
— É complicado, Mia.
— Como assim?
— Ele me quer. Nós nos queremos, mas sou casada. — Falo sobre o elefante branco na sala.
— Entendo. — E assim encerramos o assunto. Quando chegamos em casa, continuo fingindo estar doente. Minha irmã vai para a cozinha ajudar a Rosa. Eu me deito em minha cama após o banho e finjo sentir muita dor. Parece que a mentira funcionou, pois ele não me ligou para me repreender.
À noite, entro no quarto da Mia e ligo para o Anthony.
— Oi, Anthony. — Ele demora um pouco para responder.
— Olá, Linda. Chegou bem em casa?
— Sim.
— Ele não desconfiou de nada?
— Acho que não. Ele não me ligou para falar nada.
— Que bom, Linda... Eu gostei de ter passado um tempo com você. — Ele diz, parecendo um pouco desconfortável.
— Eu também gostei muito de ter passado um tempo com você, seu bobo. — Ele sorri e continuamos conversando de forma descontraída sobre o trabalho dele e o mercado.
Quando desligamos, converso um pouco com minha irmã e vou para meu quarto. Todas as noites, antes de dormir, apago qualquer rastro das mensagens trocadas com o Anthony. Tenho medo de que, a qualquer momento, o Ricardo chegue e olhe meu celular. Não quero nem imaginar do que ele seria capaz.

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