Capítulo 12- O pior de tudo é a agressão psicológica que mata silenciosamente.

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NICOLE SCHILER

Quando o corpo de Anna para de tremer eu seguro seu rosto em minhas mãos para analisar. Ele estava bastante machucado, um olho estava praticamente fechado pelo inchaço e seu maxilar estava enorme, possivelmente duas vezes o tamanho original.

— Você precisa ir para o hospital. Seu maxilar pode estar quebrado

Ela balança sua cabeça, em pânico.

— Não. Não. Não quero. Meu maxilar está bem, eu estou falando sem nenhum problema. Eu só preciso tomar alguns remédios e descansar. —Ela diz com sua voz turva e queixosa.
— Anna, você não está bem— Eu digo calmamente. — Você precisa de cuidados médico.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos e depois exalou pesadamente.

— Sem hospital. Eles irão querer saber como isso aconteceu. Seria dito à polícia, e eles poderiam fichar Aaron por acusação de agressão.

Meus olhos apertam diante da sua justificativa.

— Mas seu marido merece pagar pelo que fez. Ele não pode ficar livre.— Eu digo indignada.

Ela balança a cabeça.

— Não pense que Aaron seja um monstro. Ele apenas não estava em um bom dia. E ele não se controla bem em dias assim, é um defeito dele.
— Defeito? Você chama isso de defeito?

Animosidades faíscam dentro de mim e descrença queima a ponta da minha língua.
Anna encolheu os ombros e seus olhos piscaram lentamente e ela fungou.
— Ele não queria me machucar desse jeito.
— Como não queria te machucar? —Minha voz começa a subir o tom — Ele fez o inferno em você.
— Foi só um momento de estresse.
— Você pensa assim porque ele ainda não te matou. E acredite, para matar basta um momento.

Ela lambeu os lábios rachados, suas enormes pupilas dilatadas.

— Aaron não seria capaz de matar. Ele é inofensivo.
— Mesmo, então o que significa esse rosto machucado e claros sinais de tentativa de afogamento?
— Ele não...
— Pare de tentar arrumar desculpas para ele —Eu a interrompi em uma explosão —  Você não quer ir ao hospital porque não quer prejudicar ele, e também não quer denunciá-lo por não querer atingir ele. Quando você vai parar de pensar no bem estar dele e começar a pensar em você?

Não há nenhuma resposta da parte dela, apenas olhos culpados que expõem o
quão perdida ela está. As lágrimas deslizavam pelo seu rosto enquanto ela soluçava baixinho, provavelmente ela nem mesmo compreende a gravidade da sua situação.

— Droga, eu sei que a dificuldade disso está além do que eu possa imaginar, mas você tem que acordar, Anna. Senão por você, acorde por seu filho e irmã, acabe de uma vez com essa situação. Basta uma decisão sua e eu ligo agora para meus advogados. Eles podem te ajudar a conseguir  uma ordem de restrição e também lidar com o pedido de divórcio o mais rápido possível, assim como minimizar seu envolvimento para que você não precisasse ver o rosto de Aaron ou falar com ele.
— Divórcio?—Ela pergunta em uma voz trêmula, paralisada de terror.— Eu não sei se eu estou pronta para isso.

Eu assobio, perdendo meu controle e
deixando a frustração e irritação vomitarem para fora de mim. Eu gostaria de conseguir ser gentil nas escolhas das minhas próximas palavras, mas gentil não vem fácil para mim, então opto pela honestidade.

— Você não acha que está pronta? Você já se olhou no espelho, Anna?—Minha voz expressa meu temperamento — Quanto mais de pancadas você precisa para estar pronta? Talvez quando você não estiver espaço suficiente para ser agredida e as crianças se tornem alvos.

Os músculos faciais de Anna se contraem quando ela fecha os olhos e uma inundação de lágrimas escorre pelo seu rosto. É uma demonstração de angústia que ela não pode controlar, e de repente eu me sinto culpada por colocar esse peso em cima dela. Nesse momento eu percebo que Anna não é abusada apenas fisicamente, seu psicológico também estava ferrado. Era típico de todo agressor  a necessidade de manter suas vítimas confusas, fora de equilíbrio, perpetuamente inseguras de si mesma e dispostas a concordar com tudo que lhe for proposto. E sendo um maldito agressor o marido de Anna claramente age assim, dessa forma ele pode manipular ela  com mais facilidade.

— Inferno, eu sinto muito. Não queria te deixar mais tensa. É só... não é fácil ficar calma quando eu vejo o que aquele covarde fez com você.— Respirei longa e
irregularmente. — Isso tudo está errado, Anna. Sua segurança e das crianças que dependem de você precisa estar em primeiro lugar. Aaron é um grande covarde de merda que deve pagar por cada um dos seus atos. Ir para cadeia é mínimo do que ele merece.

Ainda com lágrimas caindo pelo seu rosto em um fluxo constante de angústia, ela sufoca um soluço e me encara com olhos escuros. Sua mandíbula se apertou ao me ouvir falar sobre seu agressor e de repente parecia que eu era seu carrasco.

— Muito obrigada por sua preocupação, Nicole, mas eu sei o que estou fazendo.
Eu não preciso de uma dessas ordem de restrição, e nem tenho a intenção de pedir divórcio.
— Quer perder sua vida por um homem então?
— Eu já disse que ele não seria capaz disso.
— Como você pode saber? Com certeza pensou um dia que ele nunca te espancaria também.
— Eu sei que ele nunca me mataria porque eu o amo, e sei que ele também me ama. O que acontece é que tem momentos que ele fica perdido dentro de si. Aaron teve um passado difícil e está ferido.
— Você também está ferida. Não só fisicamente mas na sua mente também. E se ele te amasse, não te machucaria. Porque nada, absolutamente nada, justifica ele descontar as fodidas frustrações em você.

Um som sufocado escapa de seus lábios. Em voz baixa, como se o esgotamento estivesse próximo ao rompimento, ela diz:— Eu compreendo sua tentativa de me ajudar, Nicole. Mas eu sei o que estou fazendo, meu amor vai curá-lo..
— Não, Anna. Você não sabe.— Eu lato. A raiva enrolando meus nervos. —  O amor não cura tudo. E eu espero que você se torne ciente disso a tempo, porque existem duas crianças que dependem de você.

Encolhendo os ombros, ela apenas olha para mim com os olhos cansados.

— É pensando nelas que eu te chamei aqui.
Quero saber se você pode ficar com minha irmã e meu filho por algumas noites.

Surpresa me atingiu e uma leve risada em descrença me escapou.

— Você está brincando comigo, certo?

Ela sacudiu a cabeça, enquanto me olhava com um olhar seco e meio pálido que transmitia a ideia de que o cansaço havia roubado todas suas energias.
— Eu sei que é um pedido atípico já que você nunca teve muito contato com as crianças, mas eu não tenho nenhum familiar e você é a única pessoa na qual eu posso confiar. E serão somente algumas noites, só até que eu consiga acalmar meu marido. Normalmente eu consigo fazê-lo voltar ao normal em duas ou três noites.
— Que droga de pedido louco é esse? Você espera que eu fique com suas duas crianças enquanto você brinca de roleta russa com o humor do seu marido agressor?

Anna suspira parecendo muito cansada de toda situação. Seus traços são de uma pessoa exausta em todos os sentidos da
palavra.

— Só por três noites, Nicole. É tudo que eu te peço. Se você quer mesmo me ajudar, eu te imploro que cuide das crianças.

Dessa vez quem suspira sou eu. A situação também facilmente me esgotou, e eu vejo nos olhos de Anna que ela ainda acredita muito na sua relação com o marido. As crianças são os únicos que sofrem sem direito a uma decisão nesse lar conturbado.
Então se há a possibilidade de eu afastá-los disso tudo eu sinto o dever de fazer, mesmo que momentaneamente.

— Ok, eu irei levá-los. Mas antes, vou chamar uma profissional para dar uma olhada em você.
— Não precisa, eu estou bem.
— Isso não está em discussão — Eu digo já pegando meu celular e iniciando a chamada.

O Abismo dos Desejos ProibidosOnde histórias criam vida. Descubra agora