Faço uma pausa para me alongar, deixo o microfone mudo e levanto a câmera, olho para o Ohm dormindo, ele tem estado ansioso nos três últimos dias, qualquer coisa deixa ele alerta, queria saber o que está acontecendo, mas quero que ele esteja a vontade para falar sobre isso, quando eu pergunto ele sempre diz que não é nada, então parei de perguntar.
Eu me mexo e ele aperta a minha coxa, seguro a sua mão, solto devagar da minha perna e beijo, ele acorda e sorri.
- Que horas são?
- Está cedo ainda, volta a dormir, eu só vou no banheiro.
Eu abaixo a sua mão com cuidado, coloco ao seu lado e vou no banheiro, quando volto ele ainda está acordado.
Me sento no chão ao lado dele e o beijo.
- Você tem que dormir, hoje você trabalha.
Ele acena com a cabeça, se aproxima e me beija de novo, fecha os olhos e segura a minha mão, tiro o cabelo que caiu nos seus olhos e fico observando ele, quando ele finalmente adormece eu levanto e sento na cadeira. Ele coloca a mão na minha perna e eu olho pra ver se acordou, mas ainda está dormindo.
As 14h eu acordo ele para fazer almoço, desconecto a transmissão e fico jogando, ele sempre vem, me beija ou cheira e volta para a cozinha, quando o almoço está pronto ele trás os nossos pratos e comemos juntos.
- Eu estou engordando por sua causa.
- E eu fico feliz por isso, sinal de que está se alimentando bem, não sei como você sobreviveu sozinho!
Depois do almoço ele pega os pratos e vai para a cozinha lavar e eu volto a jogar, quando termina ele senta ao meu lado e fica me olhando como sempre faz.
- Me conta sobre o dia mais triste da sua vida.
Olho para ele e sorrio, sempre tem mais uma pergunta.Eu penso sobre isso, volto a jogar enquanto respondo.
- Acho que foi uma das últimas vezes que eu tive uma explosão por causa da minha mãe. Foi logo depois de eu ter sido diagnosticado, a minha mãe foi até a escola conversar e uma professora resolveu falar sobre o assunto na sala de aula, só que ela não soube explicar direito, a única coisa que os meu colegas entenderam é que eu era como o Hulk.
Ele me olha sem entender.
- Chamam o transtorno de Síndrome de Hulk, porque com o Hulk é assim, qualquer coisa que acontece com o Banner ele explode e vira o Hulk, fica agressivo e quebra tudo.
- De verdade? Chamam de síndrome de Hulk?
- Sim. E foi assim que as crianças pararam de me chamar de golpe do baú e começaram a me chamar de Hulk. Os ataques de raiva aconteciam todos os dias nessa época, as vezes mais de uma vez por dia. Um dia eu estava muito irritado quando cheguei em casa, eu fui direto para o meu quarto e a minha mãe foi atrás, ela falou que ligaram da escola porque eu bati em um colega e foi o suficiente para eu ter uma explosão, ela tentou me abraçar como sempre fazia e eu bati nela sem querer quando tentei me soltar, ela caiu para trás e bateu a cabeça, quando eu vi ela sangrando eu fiquei desesperado, mesmo sangrando ela me abraçou e ficou chorando até eu me acalmar. Não me lembro de ter tido nenhuma explosao com ela depois disso, mas acho que esse foi o dia mais triste pra mim, ter machucado ela foi a pior coisa que eu já fiz.
- Nossa! Eu sinto muito.
- Tudo bem, acho que foi isso que me ajudou a ter controle perto dela, então alguma coisa boa saiu de tudo isso.
- E o dia mais feliz?
- Quando você aceitou casar comigo.
Ele fica em silêncio, eu viro para olhar para ele, que me olha surpreso.
- Ohm?
- Sério?
- O que?
- Triple?
Eu ligo o microfone.
- Estou aqui.
Coloco o microfone no mudo e ataco, como ele continua em silêncio eu olho para ele de novo.
- Vai me dizer o que está acontecendo?
- Qual foi o dia mais feliz da sua vida?
- Quando você aceitou casar comigo, porque?
Ele começa a chorar, eu me escondo e viro para ele.
- Hei, o que está acontecendo?
- Eu só fiquei feliz de ouvir isso.
- Não seja bobo, eu te amo, claro que esse seria o momento mais feliz pra mim.
Eu beijo ele e sorrio.
- Quer dizer que você tem outro dia mais feliz?
Ele sorri e eu limpo as lagrimas dele.
- Não, foi o dia mais feliz pra mim também, lembro de cada segundo, acho que nunca vou esquecer. Você pode cantar pra mim de novo? Eu nunca te imaginei cantando, é lindo!
- TN!
Eu beijo ele e me viro.
- Ok, pessoal estou aqui.
Eu volto a jogar, ele se deita e coloca a mão na minha perna, depois de alguns minutos ele suspira.
Eu olho e ele está de olhos fechados, mas está inquieto, então começo a cantar uma música antiga, a preferida da minha mãe. Ele me olha e sorri. Vou atacando enquanto canto, quando termino todos começam a bater palmas e eu percebo que o microfone está ligado. Coloco ele no mudo e me viro.
- Eu te amo!
Ele fecha os olhos e sorri como sempre.
- Fala de novo?
- Eu te amo!
Ele vai trabalhar e eu ligo a câmera para transmitir, como no último jogo nós fomos com ataques rápidos, provavelmente vão esperar que façamos o mesmo nas finais, então durante as transmissões estamos treinando ataques rápidos e quando paramos as transmissões treinamos para o jogo mesmo, só para o caso da equipe adversária estar acompanhando os nossos treinos.
Paramos de transmitir as oito e começamos a treinar táticas evasivas. Quase onze da noite o meu telefone toca no quarto, eu ignoro e ele toca de novo, quando ele para o telefone do Mark toca, ele coloca o microfone no mudo e depois volta.
- Nanon, a Lew está tentando falar com você.
Assim que ele diz isso o meu telefone volta a tocar, eu me levanto e vou no quarto buscar ele.
- Oi Lew.
- Nanon, eu estou em outra cidade hoje, eu vim acompanhar o P'Tha em um evento.
- Eu sei Lew, fala devagar, o que aconteceu?
- É o Ohm, ele se machucou no bar com um copo que quebrou, eu preciso que você vá lá Nanon.
- Porque?
- Ele tem pânico de agulhas, médicos e hospitais, ele não quis ir para o hospital e não está deixando a equipe de socorro olhar a mão dele e ele não para de sangrar.
- Droga! Avisa que eu estou indo.
- Você vai ficar bem? Quer que eu chame a Ning?
- Não precisa.
Eu vou até o guarda roupas e visto um conjunto de moletons e vou para a sala.
- Pessoal, eu tenho uma emergência, vou ter que sair, continuem treinando.
Eu desconecto, peço uma carro e saio.
Chego no bar e a ambulância está do lado de fora, um segurança me vê e acena, eu vou até ele.
- A Lew avisou que você estava vindo.
- Como ele está?
- Não está nada bem, quando ele se machuca normalmente a Lew faz os curativos, mas dessa vez só um curativo não vai ajudar.
- Onde ele está?
- Vem comigo.
Ele me leva para dentro e eu vejo vários pessoas no bar, ele vai até as pessoas e eu vou atrás, eles abrem espaço e eu vejo o Ohm sentado no chão com uma toalha enrolada na mão, a toalha tem as pontas brancas, mas está toda vermelha.
Aquela mulher que estava dando risada no restaurante está ao lado dele com a mão no seu ombro, eu sinto o meu braço tremendo e respiro fundo, ando até ele e me abaixo, quando eu toco o seu rosto ele abre os olhos, está com aquele mesmo olhar assustado de quando eu o toquei e ele acordou há muito tempo atrás.
- Vocês podem nos deixar sozinhos um minuto?
Eu olho para trás e as pessoas se afastam, eu toco o seu rosto mais uma vez e olho nos seus olhos.
- Eu te amo!
Ele fecha os olhos.
- Eu te amo!
Consigo ver ele relaxando aos poucos.
- Eu te amo!
Ele finalmente sorri.
- Fala de novo?
- Eu te amo!
Ele me olha e continua sorrindo, eu pego a sua mão com cuidado e olho o ferimento, é um corte grande, não tem como ficar sem pontos.
- Você confia em mim?
Ele me olha e acena.
Eu enrolo a toalha na sua mão de novo, ajudo ele a se levantar e levo ele até uma mesa.
- Eu vou pedir para o socorrista vir olhar a sua mão.
Ele me olha assustado.
- Eu vou ficar aqui com você o tempo todo.
Ele fecha os olhos e acena, eu tento levantar mas ele segura a minha mão com a mão boa, então eu faço um sinal e uma mulher vem na minha direção.
- Me desculpe, eu não lembro o seu nome.
- Jenny.
- Jenny, pode pedir para os socorristas entrarem por favor?
Ela concorda e os socorristas entram, quando eles chegam perto ele já fica tenso, eu toco o seu rosto e viro para olhar para mim.
- Eu estou aqui, só olha para mim.
Ele concorda.
- Eu te amo!
Ele fecha os olhos.
- Respira comigo, assim como você faz quando eu estou com raiva.
Eu deito a cabeça dele no meu ombro e começo a inspirar e expirar no seu ouvido, faço um sinal, o socorrista pega a sua mão e olha para mim.
- Vai precisar de pontos, ele vai ter que ir para o hospital.
Eu aceno e ele sai.
- Ohm? Você ouviu?
Ele acena e eu me afasto. Ele começou a ficar nervoso de novo, então eu tenho uma ideia, pego o telefone e faço uma ligação.
- Velho, você pode me passar o telefone daquele médico que me atendia em casa?
- Aconteceu alguma coisa filho?
- Está tudo bem. Eu só preciso do telefone.
- Eu vou mandar para você.
- Obrigado!
Pelo menos nisso o velho nunca muda, a saúde é mais importante do que qualquer coisa pra ele.
Eu ligo para o médico e peço para ele me atender em casa, esse monte de gente não ajuda em nada, eu tenho medo de perder o controle.
Aviso para os socorristas que vou levar ele, a Jenny pede para mandar notícias e eu levo ele para o carro, quando abro a porta do passageiro ele me olha surpreso.
- Você não vai conseguir dirigir com a mão assim.
- Mas você...
- Eu consigo, vamos.
Ele entra no carro, eu respiro fundo e entro também, ligo ele e vou para a casa, ainda bem que não tem trânsito por causa do horário, então a viagem foi tranquila, quando nós chegamos o médico já está esperando.
- Boa noite doutor.
- Já faz tempo garoto.
- Faz mesmo.
Ele olha para o Ohm e aponta.
- Ele feriu a mão, podemos entrar?
Ele concorda e nós entramos, ele segura a mão do Ohm e olha.
- Não é tão sério quanto parece.
Eu fico aliviado em ouvir isso.
- Mas vai precisar de pontos.
- O Ohm puxa a mão e olha assustado.
- Ele tem pânico de agulhas.
O médico acena.
- Eu vou te dar uma anestesia local, então você não vai sentir nada, o importante é não olhar, entendeu.
Eu me sento ao lado do Ohm e faço ele deitar de novo no meu ombro.
- Lembra que é só respirar comigo.
Quando o médico se aproxima com a agulha eu falo no seu ouvido.
- Eu te amo!
O médico faz os pontos rápido, quando termina faz o curativo.
- Prontinho. Agora é só cuidar. Você sabe o que fazer, Nanon.
- Sei sim doutor.
Eu pego a carteira e para pagar ele.
- Não precisa disso, o seu pai já me pagou.
- Tudo bem, obrigado por ter vindo.
- Se precisar é só me ligar garoto.
Ele vai embora, eu levo o Ohm para o banheiro, dou banho nele, ajudo ele a deitar e me deito ao lado dele.
Ele fica me olhando em silêncio. Agora eu entendo porque ele estava nervoso todos esses dias, nem consigo imaginar como foi para ele ficar dentro de um hospital aquele dia, quanto ele teve que se controlar.
Eu o abraço e beijo a sua cabeça.
- Eu te amo!
- Fala de novo?
- Eu te amo!
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Vizinho
FanfictionNanon um jovem gamer profissional, solitário e anti social, vive apenas focado na sua profissão. Um dia ele vê a sua vida sendo abalada com a chegada do seu novo vizinho.