CAPÍTULO 3

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Valeria Donati Villard


A cada passo seu, vejo a dificuldade em seus movimentos. Meu coração bateu forte quando ele chegou mais perto de mim, agarrando o meu braço direito fazendo pressão.

— Que porra está dizendo! — Rosnou.

Faz um mês que ele despertou do coma, após o acidente em França. No dia que Leonor, desceu às escadas totalmente assustada, eu sabia que ele tinha regressado.

Aramis, estava  tão perplexo que nem conseguiu chamar o médico. Mas, incrivelmente ele chegou, eu sabia que Paolo e Leonor o chamaram.

Os seus olhos apenas abriram, mas, seu corpo ainda estava imóvel. O médico disse que era perfeitamente normal após ele ter passado dois anos em uma cama em coma. No mesmo dia ele passou por exames para saber se não havia sequela. Fisicamente ele estava bem, mas, psicológicamente o médico disse, que ainda era muito cedo para saber.

A fisioterapia começou a ser realizada, para recuperar os seus movimentos, tudo estava a correr bem, mas, o que assustava a todos era o facto dele não falar, até ao dia de hoje que finalmente ouço a sua voz.

— Não faça muito esforço. — Puxo a meu braço do seu aperto. — Sente-se a gente precisa conversar. — Falo observando seus punhos fecharem.

— Você acha que sou um imbecil. — Sua boca fez uma linha fina. — Dou um passo para trás.

— Realmente acho que sim! — Sai perto de si mantendo uma distância considerável. — Se não fosse um imbecil, você não deixava sua vida em perigo,  ao ponto de passar dois anos em coma. — Grito estressada apontando para ele. — Não me faria abandonar a porra da minha vida,  para cumprir uma promessa feita ao seu papaizinho.— Olha para mim confuso.

— Dois anos! — Cambalea para trás, sustentou o peso do seu corpo para não cair. — Eu estou em coma há dois anos.  — Diz perplexo.

Suspiro contendo odeio que estava adormecido dentro de mim. Eu sei que ele acabou de acordar de um coma de dois anos. Mas, não vou suportar sua crise, após tudo que eu tive que fazer para manter esse filho da puta vivo, mesmo que seja o meu irmão.

— Ouvi gritos, está tudo bem? — Aramis aparece, olhando para nós. — Lúpus,  irmão você fez tanta falta. — Foi até ele e o abraçou rapidamente, soltando em seguida. — Você lembra o que aconteceu?

Aramis estava evitando ver o Lúpus, durante a fase de recuperação por medo. Ele queria que eu fosse a primeira a falar com ele sozinha. Explicar tudo que aconteceu e só depois ele o Salvatore faltariam.

— Vagamente.  — Tocou a sua cabeça, fazendo uma careta de dor. — Lembro de ter sofrido o atentado em França. — Suspira. — Aonde está Salvatore, ele está bem?

— Sim ele está bem. — Afirmou. — Acredito que neste momento, ele está vindo aqui.

— Agora que o está tudo esclarecido.  — reviro os olhos impaciente. — Vai ouvir o que eu tenho a dizer irmãozinho.

— Aramis, o que essa mulher está dizendo? — Não olhou em minha direção. — Aonde estou? eu quero a porra de uma explicação agora!

— Se você calar a merda da boca. — O fuzilo com o olhar.  — Para ouvir o que eu tenho a dizer. — Faço gestos com as mãos.  — Eu provavelmente havia explicado.

Ele tentou avançar contra mim, quando Aramis entra em sua frente o travando no lugar. Sua respiração está pesada eu sei que ele está a ponto de explodir.

— Por favor, vamos manter os ânimos leve. — Aramis, olha para mim duro.

— Ele tenta avançar contra mim, e você ainda o defende. — Balanço a cabeça negando. — Vocês os dois são mesmos um filhos da puta covardes. — Prende o meu cabelo nervosa.

— Valeria você não está ajudando agindo desse jeito.  — Deu um passo em minha direção.  — Ele acordou à pouco tempo de um coma de dois anos, recebendo a notícia que tem uma irmã que ele nunca viu na viada e nem sabia de sua existência. — Observo o idiota do meu irmão, que ouvia tudo atentamente.

— Eu deveria ter deixado, esse idiota morrendo. — Sento no sofá perto da janela. — Assim, viveria a minha vida em paz. — Sussurro menos alterada.

O quarto ficou em perfeito silêncio. Aramis sentou ao meu lado em uma distância considerável. Lúpus sentou na cama e olhou para mim, estudando meu rosto. Entendi isso como uma oportunidade para falar.

As lembranças do meu passado, causam muita dor em mim. Uma dor que eu tento esquecer a todo custo. Mas, eu preciso falar para ele tudo.

O que esconde também de Aramis, pois essa parte da minha estória ele não sabe, eu sei que ele vai me odiar depois de ouvir.

Levanto e vou em direção à janela. Cruzo os braços na altura do peito, observando o extenso jardim. Não quero ver os seus rostos depois do que vou falar.

— Desde a minha infância, fui criada pelo Dr.Ernesto Corrado, aqui em Roma. Eu achava que ele era o meu pai, e eu gostava muito dele, pois ele dava-me tudo que eu precisava, era muito atencioso comigo, dizendo sempre que me amava. — Sinto o peso de minhas palavras. — Nossa, eu ficava muito feliz quando ele chegava do trabalho, sempre trazia presentes para mim, e eu anseiava ser médica como ele. — Sorri sem humor. — Eu não frequentava a escola como outras crianças normais,  eu perguntava para ele o porque,  mas ele dizia que era pela minha proteção, pois ele tinha muitos inimigos. — Junto às minhas mãos. — Tudo estava perfeito até eu completar oito anos, e toda aquela vida perfeita desmoronar-se aos poucos. — Uma lágrima solitária desce pela maçã do meu rosto. — Ele começou abusar de mim, enquanto era  espancada e torturada de todas as formas possíveis.

— Por favor, chega Valeria! — Ouço Aramis dizendo, e eu balanço a cabeça negando.

— Minha cabeça era afogada, enquanto ele abusava de mim de todas as formas possíveis. — Lembro que ele sentia prazer em fazer isso. — No princípio era apenas ele, até eu completar doze anos, e ele trazer outros homens para abusar de mim junto a ele. — Sinto calafrios por meu corpo inteiro. — Eu lembro de cada mão suja, que tocava em mim com prazer.

— Desgraçados, eu vou matar um por um. — Ouço o barulho do abajur sendo derrubado, mas não ousei olhar para trás, eu sabia que era o Lúpus.

— Vinte homens. Foram vinte homens que abusaram de mim. Eu achava que aquele era o meu fim, enquanto estava trancada no sótão de casa. — Eu tinha muito medo do escuro. — Apenas saía quando era para sofrer os abusos. Todos os empregados daquela casa sabiam mais ninguém fazia nada.

Eu me odeio tanto, mais do que eu odeio aquele homem. Por um dia tê-lo amado e confiado nele. Eu era apenas uma criança quando ele destruiu tudo de mim.




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