Prólogo

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Gabrielle

A vida tem uma forma estranha de parecer calma, mas na realidade não é. Marcele agora segura minha mão com firmeza, ela está com medo, também estou, mas sou a irmã mais velha, portanto, devo conter todos os meus sentimentos conflitantes e escondê-los bem. O pequeno Jorge está segurando seu carrinho e minha mão, sei que queria meu colo, mas com sete meses de gestação é complicado atender seu desejo.

Nossas roupas já não eram bonitas como no passado, roupas de segunda mão ou dadas pelos moradores do pequeno cortiço que vivíamos, os cabelos presos e despenteados não mostravam o cuidado que nossa mãe sempre nos ensinou a manter. Marcele segurava a barriga como se quisesse proteger seu bebê, minha irmãzinha mudou tanto, a crueldade do que fizeram conosco a destruiu de dentro para fora, mas ela ainda mantinha a doçura na voz que me lembrava tanto nossa mãe.

Vê-lo novamente depois de tudo o que houve é estranho, meu pai continua imponente e poderoso no seu belo terno preto, sapatos brilhantes e cabelos penteados de maneira alinhada. Seu olhar sobre nossa condição é de profunda tristeza, conheço tão bem meu pai, e sabia como suas expressões são transparentes.

Fiz o meu melhor, Marcele fez o seu melhor e até mesmo Jorge, apesar da grande saudade de nossa amada mãe fez o seu melhor. A nossa pequena casa é simples, nem mesmo os homens do meu pai puderam entrar de tão pequena, seus olhares também carregavam tristeza e uma certa dor, muitos deles nos conheciam desde que éramos crianças e outros cresceram conosco.

Meu pai tentou se aproximar, mas o evitamos, até mesmo Jorge que foi tão esperado e aguardado como herdeiro do meu pai o evitou. Nossa desgraça é culpa dele, nossa miséria e abandono são por sua causa, não sei por que veio até nós depois de tudo o que aconteceu. A nossa recusa o feriu, mas ele logo disfarçou, não poderia demonstrar fraqueza perante duas mulheres e um garotinho, não ele, o grande Jorge Gusmão, que nunca foi fraco.

– O que quer de nós?

– Isso não é jeito de falar com seu pai, viver nesse pardieiro a fez esquecer que me deve respeito.

Respeito. Ninguém respeitou a mim e Marcele, nem mesmo Jorginho foi respeitado, mamãe também não foi respeitada. Minha vontade é mandá-lo para o inferno, que morra por tudo que nos causou, mas não posso. Mamãe o amava, acreditou em sua inocência até seu último suspiro depois de terem violado seu corpo por culpa do homem que amava.

– Desculpe, senhor Gusmão, hoje foi um dia de muito trabalho, peço que não repare caso parecermos desagradáveis, não é nossa verdadeira intenção.

Marcele senti muito cansaço como eu, mas eu disfarço bem, ela se senta na cadeira enquanto Jorginho pede colo, ela sorri o colocando em suas pernas beijando seu rosto e recebendo como agradecimento um carinho em sua barriga preenchida por seu filho. Nosso pai observa a interação entre eles com uma nítida dor no olhar, Marcele se parece com nossa mãe, tanto que Jorginho a chama de mamãe, ele ainda é tão pequeno para entender o que houve, meu irmãozinho também me chama de mãe, infelizmente se sente carente como nós, órfãos de mãe.

– Tudo bem! Entendo que não tenha sido meses fáceis para vocês, mas agora tudo foi resolvido, estou aqui para levá-las de volta.

– Nos levar de volta? Senhor, fomos desonradas, o nosso lugar é aqui onde somos aceitas do jeito que estamos. Não queremos envergonhá-lo com nossa impureza, mas peço que deixe Jorginho conosco, nossa mãe pediu para cuidar dele, e prometi que faria isso.

Ele ainda está servindo a Organização, mesmo depois do que fizeram conosco e com mamãe, e pensar que ela gritava por ele enquanto a violavam, sua fidelidade e lealdade pertencem apenas a Organização e não a minha mãe morta.

O Engano - A Organização Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora