LIN
CRIANÇA
Crescer normalmente? Ter uma infância?Eu? Parecia até piada pensar nisso. A verdade é que eu tive que amadurecer muito antes de qualquer pessoa normalmente faria, tive que ver as faces sombrias do mundo, antes de qualquer pessoa. Ver pessoas morrendo, matar pessoas, querer me matar... mudava as coisas dentro de você. Pelo menos era isso que eu pensava constantemente quando morava naquela maldita casa, nem poderia ser chamada de casa, as coisas que vivi lá dentro... as coisas que suportei... Os abusos físicos e mentais, era doentio.
Eu sou doente. Eu não sou normal com as cicatrizes que tenho no meu corpo, eu perdi minha inocência cedo demais, eu me perdi ainda quando criança. Naquele dia, onde minha vida finalmente mudaria, eu ouvi eles chegarem. Eu ouvi os gorgolejos dos meus pais enquanto se afogavam em sangue, e ao invés de gritar ou chorar, eu apenas sorri. Sorri porque apesar da alternativa de eu talvez morrer naquele dia, apesar de eu poder ter tido um futuro bem pior, aqueles que me machucaram morreram sofrendo.
E, ah, se isso não me fez abrir um sorriso. Mas então eu ouvi passos e me escondi debaixo da cama. Então eu vi olhos cinzas e uma cicatriz, ela me perguntou se eu estava bem, perguntou se eu poderia sair de debaixo da cama, ela me levou para um carro. Ela me deu comida, ela não me olhou com maliciosidade e nem seus amigos, mas o mais importante ela não me olhou com pena. Não, a mulher nunca me olhara assim, tudo o que eu via em seus olhos eram expectativas. Carinho. Cuidado. Talvez eu não deveria ter confiado nela, mas quando me prometeu que no futuro eu poderia ter minha vingança, que eu poderia ser quem eu quiser, que eu seria feliz... eu acreditei. Eu acreditei na bela mulher dos olhos cinzas, na bela mulher com uma cicatriz no rosto, eu acreditei porque naquele olhar tinha o mesmo brilho que o meu.
Ah, ela sofreu com algo, com toda certeza. Ah, ela não tinha se recuperado, isso era óbvio. Mas ela era forte, era sagaz, era inteligente, era tudo o que queria ser. Me tornaria ela, me tornaria mais forte, mais inteligente, me tornaria tudo e melhor. Eu iria orgulhar essa mulher, eu iria fazer ela me olhar como igual. Eu iria me tornar o que todos me temiam, não seria mais um menino indefeso, triste, se eu não pudesse ser quem eu sou, eu seria minha pior versão. Eu faria o mundo se dobrar aos meus pés e já que a mulher disse que faria isso acontecer, eu faria acontecer.
Chasina Circe.
Esse era o nome da bela mulher com olhos tristes, mas sempre forte e orgulhosa. Eu faria tudo ficar bem. Eu iria cuidar dela assim como ela cuidou de mim.
(...)
Estava aqui há dois anos, me acostumei com o local, me acostumei com as aulas e com as aulas de luta. Me adaptei ao sistema, mas não me adaptei às outras crianças, assim que mostrei a elas que eu era melhor em tudo, nas provas, nos combates, na inteligência, elas começaram a se afastar. Chasina disse para eu não ficar chateada, porque ser melhor que os outros em um dom, não uma condenação e ela também disse que as crianças tinham medo e não era culpa delas.
De fato, não era. Muitos aqui tiveram a infância igual ou pior a minha, então eu não podia julgar. Era um dia ensolarado, Chasina voltou de uma de suas missões e estava sentada comigo no jardim, minha cabeça descansando em seu colo enquanto eu lia um livro. Eu gostava de ler, muito, era a única maneira de eu sonhar em mundos diferentes dos meus, ou a única maneira de me sentir entendido.
De repente, algo me chama atenção. May, a pupila alfa, está ajoelhada enquanto fala com uma pequena menina de cabelos loiros. Tinha mechas coloridas em seus cabelos e tenho quase certeza de que seus olhos são azuis, mas ela é tão pequena... tão delicada. Seu rosto estava sujo de fuligem e seu vestido rasgado, seus lábios que pareciam um botão rosados, tremendo. Ela estava triste.
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DARK ANGEL (FINALIZADO)
RomanceCinco anos atrás Chasina Circe cometeu um erro terrível. Por sua culpa e por seu descuido uma pessoa que ela tanto amava morreu. Corroída pela culpa, a menina dos olhos cinzentos fugiu de Wilmington e desde então ninguém mais ouviu ou viu ela. Burbu...