When I First Met You

Not All Are Aboard

 Harry não sentia nada enquanto arrumava suas coisas para sair da casa dos Dursleys uma última vez.

Nunca encheu tanto seu malão – por mais desagradável que fosse, sempre teve a certeza de um lugar para voltar ao fim de tudo isso, onde o sangue de sua mãe ainda vivia, onde ele tinha o teto de um armário embaixo da escada para dormir. A guerra tirava a segurança até de seus heróis – na verdade, principalmente de seus heróis.

No fundo, Harry sabia que só estava apagando todos os rastros de sua existência da casa dos Dursleys, na esperança de que isso apagasse os anos de abuso de sua memória, ou pelo menos de sua história. Tinha consertado até o assoalho falho no quarto de jogos de Duda, que em breve se tornaria um escritório para os estudos de qualquer faculdade escrota que ele fizesse. Não importava.

Ele nunca mais pisaria nessa casa de novo, e isso era, ao mesmo tempo, um terror e um alívio.

Enquanto embalava antigos exemplares do Profeta Diário (nunca sabia quando se precisaria de combustível para uma fogueira), ele acabou apanhando o exemplar dessa semana. Nem tinha lido uma palavra dele, em repulsa pelo rosto de Rita Skeeter na capa, mas acabou por ler a manchete:
Rita Skeeter publica o polêmico "A VIDA E MENTIRAS DE ALVO DUMBLEDORE".

O primeiro parágrafo descrevia o trabalho de Skeeter com a biografia póstuma como "revelador e ousado", e o livro em si como "a maior polêmica desde O Menino que Sobreviveu". Ele amassou as páginas e guardou-as no topo da sacola. Seriam as primeiras palavras a serem queimadas e desfeitas de sua posse.

Uma vez que a mala estava pronta e o quarto, completamente inabitado, Harry respirou fundo e se preparou para a parte mais difícil: expulsar os Dursleys por uma noite para a fuga.

– Preciso pedir um favor para vocês. Saiam da casa essa noite.

Os três Dursleys estavam assistindo algum filme infantil na TV, onde uma menina mexia uma caixa de cereais com o poder da mente, e viraram-se para Harry ao mesmo tempo. Tio Válter já estava da cor de beterraba, difícil dizer se por causa do pedido ou do filme que era forçado a assistir pela assinatura barata de TV aberta.

– Como é?

– Só por hoje – Harry reforçou, apertando a alça do malão em mãos. – Saiam para jantar, façam uma viagem espontânea, levem o Duda em uma boate... Qualquer coisa. Mas só por essa noite, e depois eu juro que nunca mais vão precisar se preocupar comigo.

Silêncio na sala. Harry vinha trabalhando com sua persuasão, mas sempre teve medo demais para testá-la nos tios. Talvez agora fosse a hora perfeita para uma primeira vez tentando convencê-los de algo.

– O que você vai fazer, seu moleque? – Válter questionou, virando-se no sofá, mas era tão gordo que não conseguia virar muito mais que os ombros.

– Vou embora daqui. O mundo bruxo está em guerra, pessoas que me querem vivo estão lutando contra pessoas que me querem morto, que estão lutando contra... – Ele suspirou. – Contra mim. Nosso aliado mais forte morreu há dois meses e ninguém sabe o que fazer, mas por enquanto, temos um plano de fuga, porque eu não posso nem fugir sem correr o risco de ser assassinado a sangue frio. Eu só preciso da casa por algumas horas. Podem voltar antes da meia-noite e esquecerem que eu existi, se quiserem. Não vai fazer diferença.

Os três Dursleys se entreolharam, cheio de dúvidas e desconfiança; como poderiam saber o que aconteceria com a casa enquanto estivessem fora? E se descobrissem que Harry tinha morado ali e tentassem alguma coisa com a família?

Duda foi o primeiro a levantar. O treino físico começava a vencer o acúmulo de gordura, e agora ele só parecia um body builder relativamente gordo.