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Estou envolvida por seu corpo, protegida de qualquer coisa que o mundo decidir lançar contra mim. Qualquer coisa dolorosa ou cruel terá de passar por ele antes de sequer ter a chance de me atingir. E isso nunca vai acontecer.

– Está viva?

Grito quando me dou conta de que essa voz não é a minha imaginação.

– Não entre aqui!

Eu deixei a porta fechada. Obrigada, anjos da guarda. Uso a mão para proteger minhas partes íntimas.

– É claro que não vou entrar – ele esbraveja.

– Eu estou completamente nua. Hematomas… Sou praticamente uma tela de Monet – lírios púrpura flutuando em fundo verde.

Louis não diz nada.

– Bem, saia. Fique na sala de estar.

Minha pele dói com o toque da toalha. Abro a porta do banheiro e me deparo com o silêncio. Corro e pego minhas roupas íntimas, um sutiã bege horrível, shorts e a blusa de um pijama velho com a imagem de um dinossauro fofo e com expressão de sono. Abaixo dele está escrito: DORMINHOCOSSAURO.

Estou nua e vestindo as minhas roupas, separada de Louis por nada além de uma parede. Eu te amo, parede. Jogo meu corpo na cama e o colchão range, e isso é a última coisa que escuto.

Acordo dentro de um vulcão.

– Não! Não!

– Não estou envenenando você. Pare de se debater!

A mão de Louis segura meu pescoço enquanto ele coloca dois comprimidos em minha língua. Engulo a água e só então ele me abaixa outra vez.

– Minha mãe sempre me dava limonada. E ficava sentada comigo. Sempre que eu acordava, ela estava por perto. E os seus pais? – pergunto, soando como uma criança de cinco anos.

– Meus pais estavam ocupados demais trabalhando, cuidando de outros doentes, para fazerem isso por mim.

– Médicos.

– Sim. Menos para mim.

O tom de sua voz denuncia que esse é um assunto delicado. Sinto sua mão em minha testa, dedos leves e esticados.

– Vamos dar uma verificada na temperatura.

– Eu me sinto tão idiota! – As palavras saem embaralhadas porque estou com um termômetro na boca.

Ele deve ter comprado esse termômetro, porque eu não tinha um em casa.
Estou vivendo aquele que será o momento mais constrangedor de toda a minha vida.

– Você nunca vai se esquecer disso – tento dizer, mas, graças ao termômetro, soo como quem tem problemas na cabeça.

– Claro que sim. Não vá morder o termômetro – ele alerta baixinho, tirando-o da minha boca.

– A temperatura não pode passar de 40.

Seus olhos estão escurecidos pela penumbra enquanto ele me avalia quase clinicamente, antes de encostar outra vez a mão com suavidade em minha testa.

Dessa vez não é para verificar a temperatura. Ajeita meu travesseiro. Seus olhos não são os daquele homem que eu conheço.

– Está bem. Por favor, fique mais um pouco. Mas pode ir embora se quiser.

– Sn, eu vou ficar.

Quando enfim começo a sonhar, são sonhos de Louis sentado na beirada do meu colchão, vendo-me dormir.

Estou vomitando. Louis Partridge segura um enorme Tupperware abaixo do meu rosto – o pote que eu costumo usar para levar bolos ao trabalho. Sinto o cheiro residual de glacê e ovos. E vomito mais. Ele me segura pelos cabelos.

– Isso é muito nojento – resmungo entre um jato e outro. – Eu estou tão… Estou tão…

– Shh – responde, e eu durmo estremecendo e arfando enquanto ele limpa meu rosto com alguma coisa fria e úmida.

O relógio diz que são 1h08 quando volto a acordar e me sentar. Uma compressa úmida cai em meu colo. Assusto-me com o peso ao meu lado na cama.

– Sou eu – Louis diz.

Está sentado com as costas apoiadas na cabeceira, segurando um guia de preços de peças dos Smurfs. E descalço. Seus pés, cobertos pelas meias, encontram-se cruzados. Os outros livros foram organizados debaixo da minha penteadeira.

– Estou com tanto frio – murmuro, batendo os dentes.

Levo a mão aos cabelos; ainda estão úmidos por causa do banho. Ele balança a cabeça.

– Você está com febre. Uma febre que só aumenta.

– Não, frio – rebato.

Arrasto-me até o banheiro, deixo a porta entreaberta. Faço xixi, aperto a descarga e aí me dou conta de que não estou nada feminina. Ah, fazer o quê? Ele já viu e ouviu quase tudo a essa altura. Não me resta nada a fazer além de fingir minha própria morte e começar uma nova vida.

Uso o dedo para esfregar um pouco de pasta de dente na língua. Engasgo.
Repito o procedimento.

Ouço o tecido se abrindo, o barulho do elástico e o ranger do colchão. Pela porta entreaberta, vejo-o trocando os lençóis. Estou péssima, encharcada, nojenta, mas consigo ver suas costas inclinadas.

– Como Você Está? – Ele me olha por sob o braço e ajeita o último canto do lençol no lugar certo.

O sortudo do meu colchão está sendo agarrado por um homem.

– Ah, ótima. Como Você Está?

Solto o corpo na cama e puxo as cobertas. O colchão se afunda ao meu lado e a mão de Louis está em minha testa.

– Ah, que bom.

Sua mão tem a temperatura que meu corpo deveria ter. Tudo o que fazemos é olho por olho, então estendo a mão e a coloco em sua testa.

– Certo.

Ele se mostra bem-humorado.
Estou tocando o rosto do meu colega Louis. Estou sonhando. Vou acordar no ônibus com ele zombando porque estou babando. Mas um minuto se passa e eu não acordo.

Desço a mão e toco seu queixo, que parece uma lixa com a barba por fazer, lembrando-me de quando ele me agarrou no elevador. Ninguém jamais me segurou daquele jeito. Abro os olhos e juro que ele sente um arrepio. Toco em seu pulso. Ele toca o meu.

Queria estar com as mãos em sua garganta agora, e lembro o quanto já quis estrangular Louis. Abro as mãos levemente em volta do seu pescoço, só para verificar o tamanho, e ele estreita um olho.

– Vá em frente – diz. – Faça isso.

Sua garganta é grande. Sinto a tensão tomando conta dele, seu corpo se apertando. Ouço um barulho em sua garganta.

Estou ferindo-o. Talvez eu o esteja estrangulando até a morte agora. Seu pescoço fica vermelho. Quando ele foca o olhar em mim, sei que algo está por acontecer.

Mesmo assim, não estou preparada quando acontece.
O mundo se desfaz quando Louis começa a rir.

É aquele mesmo cara que vejo todos os dias, mas agora bem-humorado.

Está plugado em uma corrente elétrica. Humor e luz irradiam, fazendo suas coresbrilharem como um vitral. Castanho, dourado, azul, branco. É um crime eu nunca ter visto os contornos desse sorriso antes. Sua boca é uma curva leve, dentes perfeitos e covinhas discretas emoldurando-a.

Cada risada sai em uma arfada rouca e esbaforida, algo que ele não consegue mais segurar, algo tão viciante quanto o sabor de sua boca ou o cheiro de sua pele. Sua risada maravilhosa é algo de que eu preciso agora.

Beijão💋

O jogo do amor "Ódio"!   Louis Partridge Onde histórias criam vida. Descubra agora