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Eu realmente pareço uma menina selvagem nessa foto. Meus olhos estão mais claros do que o céu enquanto os aperto para me proteger da luz do sol, ao mesmo tempo em que ostento meu melhor sorriso. O mesmo sorriso que abri em toda a vida. Começo a sentir uma pressão na garganta, uma queimação subindo pelas minhas bochechas.

Olho para os meus pais. Os dois estão bem novos. As costas de meu pai estão eretas na imagem, mas cada vez que vou para casa encontro-o mais curvado.
Pisco os olhos para Louis e ele parece não querer mais dar risada.

Meus olhos queimam com lágrimas antes que eu consiga parar para pensar onde estou e diante de quem estou.

Ele lentamente vira a tela outra vez em sua direção, tomando o tempo necessário para fechar o navegador. Um homem típico, desconfortável com a imagem das lágrimas de uma mulher. Viro-me e olho para o teto, tentando fazer essas lágrimas voltarem por onde vieram.

– Mas estávamos falando de mim. O que posso fazer para me parecer mais com você?

Alguém à espreita chegaria a pensar que ele está tentando ser gentil.
Minha resposta sai quase em um sussurro:

– Poderia tentar deixar de ser um cuzão.

No reflexo no teto, vejo suas sobrancelhas começarem a arquear. Ah, Deus.

Preocupação.

Nossos computadores bipam com um lembrete: reunião com toda a equipe em quinze minutos. Ajeito a sobrancelha e o batom, usando a parede como espelho.

Com dificuldade, puxo meus cabelos em um coque baixo e prendo-os com o elástico que estava em meu pulso. Enrolo um lenço e pressiono-o no canto de cada olho.

As palavras “saudade de casa”, embora não verbalizadas, continuam batendo em meu peito. Solidão. Quando abro os olhos, vejo que ele está em pé e pode enxergar meu reflexo. O lápis está em sua mão.

– O que foi? – esbravejo em sua direção.

Louis venceu. Ele me fez chorar.

Levanto-me e pego uma pasta. Ele também pega uma pasta e estamos claramente no Jogo do Espelho.
Batemos levemente duas vezes à porta de nossos respectivos chefes.

– Entre – somos chamados simultaneamente.

Helene está franzindo a testa para seu computador. É uma mulher mais do tipo que usa máquina de escrever. Antes de nos mudarmos para cá, de vez em quando ela usava uma máquina de escrever, e eu adorava o barulhinho rítmico das teclas vindo de seu escritório. Agora a máquina fica guardada em um armário. Helene teve medo que o Gordo do Pinto Pequeno caçoasse dela.

– Oi. Temos um encontro com toda a equipe em quinze minutos, lembra?
Na sala principal de reuniões.

Ela suspira pesadamente e aponta seus olhos acinzentados em minha direção.
São grandes, escuros e expressivos, emoldurados por cílios esparsos e protegidos por sobrancelhas finas. A única maquiagem que detecto em seu rosto é o batom rosado.

Ela se mudou da França para cá com seus pais quando tinha 16 anos e, muito embora agora já tenha mais de 50, continua com aquele ronronar em sua voz.

Helene não percebe que é elegante, o que só a torna ainda mais elegante.

Usa os cabelos curtos e arrumados. Suas unhas, também curtas, estão sempre pintadas de rosa antigo. Compra todas as suas roupas em Paris antes de seguir viagem para visitar seus pais idosos em Saint-Étienne. O suéter de lã liso que ela está usando agora deve custar mais do que três carrinhos de compras de supermercado.

Se ainda não ficou claro, eu a idolatro. Ela é o motivo que me levou a deixar de usar tanta maquiagem nos olhos. Quando crescer, quero ser Helene.
Sua palavra preferida é “querida”.

– Sn, querida – diz agora, erguendo a mão. Entrego-lhe a pasta. – Está tudo bem com você?

– Alergia. Meus olhos estão coçando.

– Hum, isso não é nada bom.

Helene dá uma olhada na agenda. Para reuniões mais demoradas, teríamos nos preparado melhor, mas encontros com toda a equipe costumam ser bem diretos, já que os chefes de departamento são, em geral, os que falam. Os CEOs estão ali sobretudo para se mostrar envolvidos.

– Alan completou 50 anos?

– Encomendei um bolo. Vamos cortá-lo ao final do encontro.

– Bom para o moral – ela responde distraidamente.

Volta a abrir a boca, mas logo hesita. Percebo que está tentando escolher suas palavras.

– Bexley e eu vamos fazer um anúncio ao final da reunião. É algo muito importante para você, então nós duas conversaremos logo na sequência.

Meu estômago se revira. Certamente serei demitida.

– Não, é uma notícia boa, querida.

A reunião acontece conforme o planejado. Não me sento ao lado de Helene durante esses encontros; em geral, prefiro me sentar com os outros e socializar um pouco. É a minha forma de lembrar-lhes de que sou parte da equipe, muito embora eu ainda sinta sua reserva comigo. Esse pessoal realmente acha que eu fofoco com Helene sobre os dias ruins deles?

Louis se senta ao lado do Gordo de Pinto Pequeno em uma ponta da mesa. Os dois são detestados e parecem ficar juntos em sua bolha de invisibilidade.

Alan fica todo alegre quando levo o bolo. Ele é algum membro bem antigo de alguma entranha da área financeira da Bexley, o que me faz sentir ainda melhor por ter feito esse esforço. Passo a bandeja com a oferta de paz coberta com chantilly na linha entre os dois campos. É assim que nós, da Gamin, agimos. Em Bexleylândia eles provavelmente comemoram dando uma pilha nova para a calculadora do aniversariante.

A sala está cheia de pessoas que chegaram atrasadas encostadas às paredes e empoleiradas no peitoril da janela. O barulho de conversas é ensurdecedor se comparado ao silêncio do décimo andar.

Louis em momento algum tocou no bolo, que permanece próximo a ele.
Parece nunca estar a fim de comer ou fazer um lanchinho. Preencho nosso cavernoso escritório com barulhos rítmicos de cenouras sendo mastigadas e maçãs sendo mordidas. Saquinhos e pipoca e potinhos de iogurte somem em meu estômago sem fundo. Destruo pequenas porções de frios todos os dias e, em contraste, Louis consome balinhas. Pelo amor de Deus, esse cara tem o dobro do meu tamanho. Não pode ser humano.

Quando verifiquei o bolo, cheguei a bufar alto. De TODAS as possíveis decorações que a confeitaria poderia ter usado… sim, você adivinhou.

Sempre lendo as mentes alheias, Louis se inclina e pega um morango.

Limpa o chantilly e olha para a pequena mancha esbranquiçada em seu polegar.

O que ele vai fazer? Chupá-la? Limpar o dedo com um lenço que ostente seu monograma? Deve sentir que estou observando, pois olha direto para mim. Meu rosto esquenta e eu desvio o olhar.

Apresso-me em perguntar a Margery como anda o progresso de seu filho, que está aprendendo a tocar trompete (lentamente) e sobre a cirurgia no joelho de Dean (em breve). Eles ficam lisonjeados ao perceberem que lembrei e perguntei, e respondo com sorrisos. Acho que é verdade que estou sempre observando, ouvindo e coletando informações. Mas não é para nenhum propósito nefasto. É principalmente porque sou uma fracassada solitária.

Beijão💋

O jogo do amor "Ódio"!   Louis Partridge Onde histórias criam vida. Descubra agora