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– O que foi aquilo?

Agarro o encosto da minha cadeira.

– Divergência profissional.

Ele ergue um ombro descuidadamente, lembrando-me do que está vestindo.
Quando chegou hoje, trajava uma camisa verde-clara que eu nunca tinha visto.

Passei o dia tentando descobrir se esse verde é um prenúncio do fim dos tempos ou se eu adoro a cor.

– Por que essa camisa verde?

– Verde me pareceu adequado, considerando meu showzinho no Starbucks.

O senhor Bexley coloca a cabeça para fora do escritório, olha para nós dois e acena uma negação com a cabeça.

– Mas que inferno. Já disse, um inferno.

Uma megera shakespeariana não perderia em nada para ele agora. Louis dá risada.

– Richard, por favor.

– Cale essa boca, Bexley – ouço Helene dizendo.

Bexley raspa barulhentamente a garganta e bate a porta do escritório. Louis olha para sua mesa, pega sua lata de balinhas e enfia-a no bolso. Mexe no telefone para desviar todas as ligações para a caixa de mensagens e arruma a cadeira. A aparência é exatamente a de sua mesa no dia em que o conheci. Esterilizada.

Impessoal. Ele vai até a janela e olha lá fora.

É outra vez aquele primeiro momento. Estou parada em minha mesa, nervos me rasgando de dentro para fora. Há um homem enorme olhando pela janela, cabelos escuros e deslumbrantes, mãos nos bolsos. Quando me viro, torço para que não seja tão lindo quanto eu acho que é. A luz atinge seu maxilar e eu me dou conta.

Quando seus olhos apontam para mim, tenho certeza.
Ele me observa. Do topo da cabeça até a ponta dos sapatos. Diga as palavras, penso desesperadamente. Você é linda. Por favor, vamos ser amigos.

– Pode me contar o que está acontecendo?

– Eu jurei confidencialidade.

Em uma estratégia inteligente, ele utilizou justamente aquilo que sabe que não vou questionar.

– Por favor, diga que eles não simplesmente ofereceram, informalmente, o trabalho para você.

– Não, é claro que não.

Minha voz se transforma em um sussurro:

– Eles sabem sobre… a gente?

– Não.

Meus dois grandes medos parecem infundados.

– E aí… Como vamos dar o fora daqui? Eu ainda tenho que ir?

– Sim. Aquela coisa bem ali… – Ele aponta enquanto tira meu casaco do cabide.

– Aquilo ali é um elevador. Você já esteve nele antes. Aliás, esteve nele comigo.

Vou acompanhá-la durante todo o processo.

– E se alguém nos vir?

– Você me diz isso agora? Sn, você é mesmo hilária.

Uso o teclado para desligar o computador, pego minha bolsa de mão e vou batendo o salto atrás dele. Tento puxar meu casaco de seu braço, mas ele faz que não e mostra desdém. As portas do elevador se abrem e Louis me empurra para dentro, sua mão em minha cintura.

Dou meia-volta e vejo Helene apoiada no batente de sua porta, adotando a postura casual de quem está se divertindo com o que vê. Em seguida, joga a cabeça para trás e ri toda alegre, batendo palmas. Louis acena para minha chefe enquanto as portas se fecham.

Uso as duas mãos para empurrá-lo para o outro lado do elevador.

– Fique aí. Estamos transmitindo sinais óbvios demais. Ela ouviu a gente. E viu a gente. Você está levando meu casaco. Ela sabe que você jamais faria isso.

Estou quase rouca, tamanho o meu constrangimento.

– Digno de manchete, eu estar fazendo isso.

Louis gira o dedo sobre o botão de parada de emergência. Seguro sua mão com uma pegada firme. Acho que ele engole uma risada.

Quando chegamos ao porão, eu me arrasto na frente.

– O caminho está limpo.

Vou ao meu carro e abro o porta-malas. Minha mala está toda torta e de cabeça para baixo, e isso me parece um sinal. Quero pular dentro desse carro, sair cantando pneu e vencê-lo em uma corrida. Assim que essa imagem se forma, ele se materializa, pega minha mala e vai andando até seu automóvel. Pego o saco com meu vestido, tranco o carro e aí me dou conta de uma coisa:

– Se eu deixar o carro aqui, Helene vai saber o que aconteceu. Ela vai ver.

– Quer que o escondamos debaixo das árvores em uma floresta?

Que ideia excelente. Esfrego a mão na barriga.

– Eu não…

– Nem precisa começar com essa coisa de que você não quer ir. Está estampado no seu rosto. Eu também não quero ir, mas nós vamos mesmo assim.

Ele está adotando um tom mais seco. Meus pertences estão em seu porta-malas;
minha bolsa, no banco do passageiro.

– Posso levar meu carro para casa?

– Até parece. Você vai fugir. Se alguém perguntar na segunda-feira, diga que o carro quebrou outra vez. É o álibi perfeito, já que seu carro é uma porcaria, mesmo.

– Louis… Eu estou surtando!

Tenho que apoiar as mãos na porta do carro para me equilibrar. Se eu achava que as coisas estavam indo rápido demais, agora elas afundaram de vez o pé no acelerador. Ele tira a gravata e abre dois botões da camisa.

Louis é lindo, mesmo neste subsolo horroroso.

– Sim, isso é óbvio. – O franzir em sua testa se torna mais intenso. – Eu também estou. Você parece exausta.

– Eu não consegui dormir esta noite. Por que você está surtando?

Ele ignora minha pergunta.

– Você pode dormir no carro.

Ele abre a porta para mim. Tenta me ajudar, mas eu faço tudo sozinha.

– A entrevista, o trabalho…

– Que se dane tudo isso. A entrevista vai acontecer. A gente vai enfrentar o resultado.

Ele segura meu ombro.

– Não é tão simples assim, Louis. Eu perdi uma amiga importante na fusão, minha amiga Amberly. Mantive meu emprego; ela perdeu o dela. E agora não somos mais amigas. Só um exemplo.

Mas apresso-me em me calar. Quase confessei a Louis Partridge que ele é importante para mim. E acabei de dar uma pista de que somos amigos.
Ele estreita os olhos.

– Ela parece ser uma idiota.

– É por isso que sou uma fracassada solitária. Bem, eu vou conhecer sua família amanhã. Encaramos os fatos, é quase certo que nos veremos nus em algum momento. Um pouquinho de prazer.

Ele me ignora outra vez.

– Esta é a nossa última chance de dar um jeito no nosso relacionamento.

Ainda hesito, teimosa como uma mula.

– Esse fim de semana vai ser complicado para mim. Mas, com você lá, talvez não seja tão ruim.

Talvez seja a surpresa dessa confissãozinha, mas meus joelhos enfraquecem o suficiente para me permitirem entrar no carro e, por um momento, entregar o controle à última pessoa a quem pensei que um dia entregaria.

Sinto-me fraca e derrotada. Ainda enquanto fazia a mala e comprava o vestido, estava certa de que encontraria uma maneira de escapar no último minuto, de fugir dessa situação. Somente quando imaginei os piores cenários pensei que estaria em seu carro, deixando o estacionamento no subsolo da B&G.

Beijão💋

O jogo do amor "Ódio"!   Louis Partridge Onde histórias criam vida. Descubra agora