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Eu tenho as equipes editorial, corporativa e de marketing se reportando comigo, e todos os meses condenso seus relatórios mensais em um único documento para Helene… E acho que também entrego tudo mastigadinho para ela. Encaderno as páginas em espiral para ela poder ler enquanto se exercita. Uso sua fonte preferida. Aqui, todo dia é um desafio, um privilégio, um sacrifício e uma frustração. Mas, quando penso em cada passo que dei para chegar a este lugar, começando aos 11 anos, recupero o foco. Eu não esqueço. E enfrento Louis por mais algum tempo.

Levo bolos caseiros aos encontros com os chefes de departamento e todos eles me adoram. Sou descrita como “aquela que vale o próprio peso em ouro”.

Louis transmite más notícias em suas reuniões com os chefes de departamento e seu peso é medido em outras substâncias.

Carregando sua pasta, o senhor Bexley passa pela minha mesa. Deve comprar suas roupas na mesma loja onde Humpty Dumpty faz compras. De que outra forma encontraria ternos tão pequenos e largos? Está ficando calvo, com a pele manchada, e é rico pra caramba. Seu avô abriu a Bexley Books. Ele adora lembrar Helene de que ela foi meramente contratada. É um velho degenerado, tanto de acordo com Helene quanto de acordo com o que vejo com meus próprios olhos. Forço-me a sorrir para ele. Seu primeiro nome é Richard. Gordo do Pinto Pequeno.

– Boa noite, senhor Bexley.

– Boa noite, Sn.

Ele para perto da minha mesa e observa a parte da frente da minha blusa de seda vermelha.

– Espero que Louis tenha entregado a cópia do The Glass Darkly que eu trouxe para o senhor. É a primeiríssima cópia.

Gordo do Pinto Pequeno tem uma prateleira enorme com todos os lançamentos da B&G. Todas as suas cópias são a primeira da primeira tiragem, uma tradição iniciada por seu avô. Ele adora se gabar da coleção para os visitantes, mas, quando dei uma olhada nas prateleiras, as lombadas denunciavam que aqueles livros nunca tinham sido abertos.

– Você quem trouxe, foi? – O senhor Bexley se vira para olhar para Louis.

– O doutor não me contou esse detalhe, doutor Louis.

Gordo do Pinto Pequeno provavelmente o chama de doutor Louis porque Louis é muito clínico. Ouvi alguém dizer que, quando as coisas ficaram realmente ruins na Bexley Books, Louis foi a força por trás da remoção cirúrgica de um terço da força de trabalho. Não sei como esse cara consegue dormir à noite.

– Contanto que o senhor tenha a cópia, o resto não importa – Louis responde calmamente enquanto seu chefe deixa muito claro quem é o chefe ali.

– Sim, sim – diz e olha outra vez para a minha blusa. – Bom trabalho, vocês dois.

Ele entra no elevador e eu olho para a minha blusa. Todos os botões estão fechados. O que ele estava olhando? Observo as placas espelhadas no teto e posso ver o pequeno triângulo do meu decote.

– Se você abotoasse mais, não conseguiríamos ver o seu rosto – Louis anuncia, olhando para a tela enquanto desliga o computador.

– Talvez você pudesse dizer ao seu chefe para me olhar no rosto de vez em quando.

Também faço log off.

– Ele deve estar tentando ver a sua placa de circuito. Ou se perguntando que tipo de combustível você usa.

Dou de ombros ao vestir o casaco.

– Sou movida pelo meu ódio a você.

A boca de Louis se repuxa e eu quase o venci nesse momento. Vejo-o adotar uma expressão neutra.

– Se isso a incomoda, você deveria falar com ele. Aprenda a se defender. E aí, vai passar a noite pintando as unhas, desesperadamente sozinha?

Como será que ele adivinhou?

– Vou. E você, doutor Partridge? Vai passar a noite se masturbando e chorando no travesseiro?

Ele olha para o último botão da minha camisa.

– Exatamente. E não me chame assim.

Engulo minha risada. Vamos nos empurrando de uma maneira nada amigável até o elevador. Ele aperta o botão da garagem, eu aperto o do térreo.

– Vai andando?

– Meu carro está na oficina.

Calço meu tênis e jogo o sapato de salto alto na bolsa. Agora estou menor ainda. Na superfície ligeiramente polida do elevador, percebo que quase nem alcanço o bíceps de Louis. Pareço uma chihuahua ao lado de um dogue alemão.

As portas do elevador se abrem para o saguão do prédio. O mundo fora da B&G é uma mancha azul: frio feito uma geladeira, repleto de estupradores e assassinos, e tomado por uma garoa leve. Uma folha de papel é levada pelo vento, parecendo sugerir algo.

Ele usa sua mão enorme para segurar a porta do elevador aberta e coloca a cabeça para fora para ver como está o tempo. Em seguida, volta aqueles olhos na direção dos meus, sua testa começando a franzir.

Aquela bolha conhecida se forma em minha cabeça. Eu queria que ele fosse meu amigo. Estouro a tal bolha com um alfinete.

– Dou uma carona para você – ele se força a dizer.

– Ah, mas nem morta! – digo por sobre o ombro.

E saio correndo.

Beijão💋

O jogo do amor "Ódio"!   Louis Partridge Onde histórias criam vida. Descubra agora