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Somos parecidos, mas é fato que vivemos em desacordo. Faço meu melhor para ter a aparência de uma executiva, mas tudo o que ofereço é ligeiramente inadequado para a B&G. Sou Gamin até os ossos. Meu batom é vermelho demais, meus cabelos são rebeldes demais. Meus sapatos fazem barulho demais ao baterem no piso. Pareço incapaz de usar meu cartão de crédito para comprar um terninho preto sequer. Nunca tive que usar terninho na Gamin e estou teimosamente me recusando a adotar o padrão dos Bexleys. Meu guarda-roupa é composto por malhas e peças retrô. Uma espécie de bibliotecária chique, ou pelo menos essa é a expectativa.

Levo 45 minutos para concluir a tarefa. Corro contra o relógio, muito embora números não sejam o meu forte, porque imagino que Louis tenha levado uma hora para realizar esse trabalho. Até em minha cabeça nós dois competimos.

- Obrigada, Sn - ouço Helene dizer de trás da reluzente porta de seu escritório quando envio o documento.

Verifico mais uma vez meu e-mail. Tudo em ordem. Olho para o relógio.

São 15h15. Confiro meu batom no reflexo da parede reluzente perto do monitor do meu computador e dou uma olhada em Louis, que me encara com desprezo. Encaro-o de volta. Agora estamos fazendo o Jogo de Encarar.

Devo dizer que o motivo maior de todos os nossos joguinhos é fazer o outro sorrir. Ou chorar. Algo assim. E eu sei quando saio vitoriosa.

Ao conhecer Louis, cometi um erro: sorri para ele. Meu sorriso mais brilhante, com todos os dentes expostos, olhos brilhando com um otimismo idiota de quem acreditava que a fusão das editoras não seria a pior coisa a acontecer na minha vida. Seus olhos me analisaram do frizz no cabelo à sola dos sapatos. Sou menor que ele, então não demorou muito. Depois, olhei pela janela. Ele não retribuiu o sorriso e, de alguma forma, sinto que desde então vem levando meu sorriso no bolso da camisa. Com isso, Louis está um ponto na frente. Depois do nosso péssimo começo, precisei de algumas semanas para sucumbir à nossa hostilidade mútua. Como água pingando em uma banheira, em algum momento vai transbordar.

Cubro a boca e bocejo. Em seguida, olho para o bolso da camisa de Louis, sobre seu peito esquerdo. Ele usa camisas idênticas todos os dias, só mudam as cores. Branca, off-white,creme, vermelha-escura, azul navy, cerúleo, cinza, azul-marinho e preto. E essas cores são usadas em uma sequência nunca alterada.

Por acaso, a minha camisa preferida é a cerúleo, a última da lista é a creme, que ele está usando agora. Mesmo assim, todas as camisas ficam ótimas nele.

Todas as cores combinam com ele. Se eu usasse uma peça creme, pareceria um cadáver. Mas ali está Louis, com a pele saudável como sempre.

- Creme hoje - observo em voz alta. Por que é que eu acabo escolhendo provocar? - Mal posso esperar pela Vermelha na segunda-feira.

Ele me lança um olhar que é ao mesmo tempo presunçoso e irritadiço.

- Você presta atenção demais em mim, Moranguinho. Mas devo lembrá-la de que comentários sobre a aparência dos colegas de trabalho vão contra a política de Recursos Humanos da B&G.

Ah, o Jogo dos Recursos Humanos. Fazia tempo que não brincávamos disso.

- Pare de me chamar de Moranguinho ou vou denunciá-lo ao RH.

Mantemos um registro um do outro. Só posso imaginar que ele mantenha.

Parece sempre se lembrar das minhas transgressões. O meu registro é um documento protegido por senha em meu HD e inclui toda a merda que já aconteceu entre Louis Partridge e mim. Cada um fez quatro queixas ao RH durante o último ano.

Ele recebeu uma advertência oral e uma escrita por causa do apelido que inventou para mim. Eu recebi duas advertências: uma por abuso verbal e outra por uma pegadinha infantil que saiu do controle. Não me orgulho disso.

Louis parece incapaz de formular uma resposta e voltamos a nos encarar.

Espero ansiosamente por ver as camisas de Joshua se tornarem mais escuras.

Hoje é azul-marinho abrindo caminho para a preta. A camisa preta linda do dia do pagamento.

Minhas finanças são assim: estou prestes a andar 25 minutos depois de sair da B&G para pegar meu carro com Jerry (o mecânico) e usar o cartão de crédito até estar prestes a atingir o limite. O dia do pagamento é amanhã, então vou pagar a fatura do cartão. Meu carro vai vazar mais daquela coisa oleosa e escura o fim de semana todo, e vou notar isso no dia em que a camisa de Louis for branca como o flanco de um unicórnio. Ligo para Jerry.

Pego o carro e subsisto com um orçamento extremamente apertado. As camisas vão escurecendo. Preciso fazer alguma coisa com o carro.

Neste momento, Louis está com o corpo apoiado no batente da porta da sala do senhor Bexley. Seu corpo preenche a maior parte da passagem da porta. Sei disso porque estou espiando pelo reflexo na parede perto do meu monitor. Ouço uma risada rouca e discreta, nada parecida com o zurro de uma mula, ruído normalmente emitido por Bexley. Esfrego as mãos nos antebraços para acalmar meus arrepios. Não vou virar a cabeça para ver direito; ele vai me pegar olhando.

Sempre pega. Aí vou receber um franzir de testa.

Os ponteiros do relógio deslizam lentamente rumo às 17h, através da janela empoeirada, posso ver as nuvens cinza. Helene foi embora há uma hora - uma das vantagens de ser co-CEO é trabalhar durante o horário escolar de seu filho e delegar todo o resto para mim. O senhor Bexley passa longas horas aqui porque sua cadeira é confortável demais e, quando o sol da tarde se põe, ele tende a cochilar.

Não quero deixar parecer que Louis e eu fazemos tudo o que tem de ser feito no último andar, mas, francamente, às vezes a sensação é essa. As equipes de vendas e finanças se reportam diretamente a Louis, que filtra as enormes quantidades de informações em um relatório minúsculo e entrega tudo mastigadinho a um senhor Bexley ansioso.

Beijão💋

O jogo do amor "Ódio"!   Louis Partridge Onde histórias criam vida. Descubra agora