III

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A noite caiu, trazendo consigo um silêncio acolhedor que envolveu o castelo. Retirei minhas roupas lentamente e a peruca, sentindo cada músculo protestar após o dia exaustivo. Deslizei na banheira cheia de água morna que Oliva havia preparado antes de sair, sentindo o calor envolver meu corpo e acalmar meus sentidos. O aroma suave de lavanda e camomila se misturava ao vapor, criando uma atmosfera tranquila e relaxante. Fechei os olhos, deixando que a água quente lavasse não apenas o cansaço físico, mas também as preocupações e angústias que se acumulavam em minha mente.

Os eventos do dia ainda ecoavam em meus pensamentos. As palavras de Viola, o olhar frio de Kyler, a conversa perturbadora com minha mãe e depois com Oliva... tudo parecia tão surreal, como se estivesse vivendo em um pesadelo contínuo. E o próprio pesadelo, aquele sonho aterrorizante, ainda reverberava em minha mente, como se tivesse deixado uma marca profunda em minha alma.

Tantas perguntas sem respostas. O que significava aquela profecia? Era real? E por que meus pesadelos pareciam estar ligados a algo tão sombrio e inevitável? A água morna oferecia um breve consolo, mas minha mente continuava a vagar em um abismo de incertezas.

Enquanto refletia, uma memória antiga emergiu das profundezas da minha mente, uma lembrança que sempre tentei reprimir, mas que agora vinha à tona com uma intensidade avassaladora, impulsionada pelo turbilhão de sentimentos após a conversa com minha mãe.

Eu tinha quase onze anos naquela época. Era uma tarde ensolarada e eu brincava despreocupadamente no jardim do castelo, rindo e perseguindo uma bela mariposa azul que havia aparecido entre as rosas vermelhas. Estava fascinada pela sua beleza encantadora e mágica, decidida a capturá-la para mostrar aos meus pais. Mas por mais incrível que pareça ela se deixou capturar, quase como se quisesse ir realmente comigo.

Feliz com a pequena mariposa azul pousada em minha mão sem medo algum, segui em direção à entrada do castelo, até que ouvi vozes elevadas vindas do fundo. Curiosa e inocente, aproximei-me, espiando pela fresta da porta entreaberta do salão principal onde estavam os tronos. Vi meus pais, o rei e a rainha com suas coroas pesadas, discutindo acaloradamente. Minha mãe, com seu semblante frio e distante, dizia algo sobre como eu era um fardo, um erro que jamais deveriam ter cometido. Meu pai, com seu rosto severo, concordava, afirmando que eu nunca estaria à altura das expectativas reais, que meu nascimento trouxera ruína para tudo que construíram, mas que ainda havia esperança.

Aquelas palavras me atingiram como um golpe no estômago, assustando até mesmo o pequeno inseto, que agora parecia não querer mais estar perto de mim. Senti uma dor profunda e cortante, como se meu coração estivesse sendo esmagado. Naquele momento, entendi que, por mais que me esforçasse, por mais que tentasse agradá-los, jamais seria amada por eles. Eu era apenas uma responsabilidade indesejada, um peso que eles eram obrigados a carregar. Uma princesa ignorada.

Com o apoio das babás, cresci, buscando cada conhecimento possível como futura governante, frequentando aulas de história e etiqueta, e explorando a biblioteca sem ser vista. Sabia que eles não se importariam nem um pouco. E realmente não importava mais, eu não tinha valor e talvez nunca tivesse para este reino.

A lembrança trouxe lágrimas aos meus olhos. As palavras cruéis de meus pais ecoavam em minha mente, e a dor daquela rejeição ainda era tão intensa quanto naquela tarde distante. O som da água se misturava aos meus soluços suaves, enquanto deixava que as lágrimas se misturassem com o vapor da banheira.

Depois de um tempo que pareceu interminável, a água começou a esfriar. Decidi que era hora de sair. Levantei-me lentamente, sentindo o ar frio envolver meu corpo úmido e me envolvi em uma toalha macia e seca, apreciando o calor reconfortante que ela proporcionava. Sequei-me com cuidado, tentando afastar as lembranças dolorosas e focar no presente.

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