Ainda me aventurando pela sala curiosa, sentia que o lugar era envolto em uma luz suave, parecia pulsar com uma energia própria. As cores ao meu redor eram hipnotizantes. Cada esfera mostrava algo. Porém, entre todas aquelas esferas vibrantes, uma em particular capturou minha atenção. Na estante branca à minha esquerda entre os corredores extensos que se formavam, ela brilhava intensamente.
Era de um vermelho tão escuro que se aproximava do vinho, uma mancha de sangue em meio ao brilho radiante das outras esferas. Parei diante dela, intrigada. Havia algo de perturbador na forma como a luz parecia ser absorvida por aquela esfera, ao invés de ser refletida. Um pressentimento me dizia para não me aproximar, mas a curiosidade era irresistível.
"O que poderia haver nesta esfera?" pensei, sentindo uma mistura de medo e fascínio. As outras esferas mostravam cenas calorosas e calmantes, quase como se estivessem imbuídas de memórias felizes. "O que essa esfera esconde?" Minha mão tremia levemente quando a estendi, hesitante, para tocar a superfície lisa e fria.
Assim que meus dedos entraram em contato com a esfera, o ambiente ao meu redor começou a mudar drasticamente. A sala mágica desvanecia-se, sendo substituída por uma escuridão absoluta e opressiva. Pisquei várias vezes, tentando ajustar minha visão, mas não havia nada além de um vazio impenetrável. O silêncio era esmagador, como se o próprio ar tivesse sido sugado para fora do espaço.
Meu coração batia descontroladamente. Onde eu estava? O que tinha acontecido? Antes que pudesse formular qualquer resposta, ouvi uma voz chorosa, fraca e desesperada.
O som ecoou no vazio, e então, à minha frente, uma figura começou a se formar. Era uma menina, com cabelos vermelhos como os meus, vestindo um vestido branco que contrastava fortemente com a sujeira e o sangue que a cobriam. Seus braços e pernas estavam sujos de terra e lama, e cortes avermelhados marcavam sua pele, com sangue escorrendo de forma alarmante. Ela parecia apavorada, como se estivesse fugindo de algo terrível.
Olhei ao redor, procurando qualquer sinal de ameaça, mas não havia nada além de nós duas naquela escuridão infinita. A menina começou a gritar, um som agudo e penetrante que rasgou o silêncio e fez meu coração se apertar. Era um grito de puro terror, e senti uma necessidade desesperada de ajudá-la, mas como?
Aproximei-me lentamente, tentando não a assustar ainda mais. Cada passo parecia aumentar a tensão no ar. Quando estava prestes a estender a mão para ela, o cenário mudou abruptamente. Fui puxada de volta, como se estivesse sendo arrancada de um sonho.
De repente, estava novamente na sala das esferas, com Asher segurando firmemente meu braço, seu olhar sério e preocupado fixo em mim.
- O que você estava fazendo? - perguntou ele, sua voz carregada de uma mistura de alívio e irritação.
- Eu... eu vi uma menina... - comecei, minha voz tremendo. Estava tão confusa que as palavras pareciam não fazer sentido. Foi tudo tão rápido.
Ele balançou a cabeça, os olhos brilhando com uma intensidade que eu não havia visto antes.
- Essas esferas não são brinquedos, Healyn.
- E quem disse que estava brincando? - Questionei, puxando meu braço com mais rispidez do que achei.
- Você está perambulando pelo castelo sem nem sequer saber para onde vai. - Ele diz, cruzando os braços enquanto me observa.
Asher estava me irritando, ele se achava no direito de me parar? Fora ele que desapareceu primeiro.
- Peço desculpas por antes. - Ele diz der repente. - Eu... Você deve estar bem assustada com tudo que aconteceu até agora, e eu não devo ser uma das pessoas de quem espera consolo, muito menos um bom anfitrião de castelo...
Dou uma risadinha, realmente não esperava que Asher dissesse isso. Ele me lança um sorriso meio tímido e olha em volta. Estávamos em um corredor dentre os vários naquela sala e as esferas em nosso entorno.
- Não é mesmo, mas se não tem jeito, então terei que correr o risco de qualquer forma.
Asher baixa o olhar para o chão, certamente pensativo com o futuro próximo, mas eu não queria mais falar disso, pelo menos não agora.
- O que é essa sala afinal? e as esferas? - Pergunto.
Ele levanta a cabeça com um certo brilho e ânimo novamente em seus olhos. E diz:
- Está é a Sala das esferas de sonhos.
- Sonhos?
- Sim, já se esqueceu quem sou? - Ele dá um sorriso malicioso ascendendo as covinhas que trazem um charme fofo a sua aparência, desvio um pouco o olhar enquanto Asher continua.
Ela era o Príncipe dos sonhos de fato.
- As esferas são manifestações dos sonhos e pesadelos mais profundos dos mortais. Elas contêm memórias, medos, esperanças, desejos entre outros. Cada uma delas é única, refletindo a alma de quem a criou. - Ele fez uma pausa, como se estivesse escolhendo cuidadosamente suas próximas palavras. - Algumas esferas, como a que você tocou, contêm pesadelos tão poderosos que podem se tornar perigosos se não forem controlados.
Assenti, tentando absorver suas palavras. Tudo aquilo era tão surreal, tão diferente de tudo que eu já havia conhecido.
- Cada esfera contém um sonho de grande magnitude, como em geral os felizes, capazes de marcar a vida daqueles que o tiveram, como uma lembrança especial, um presente do qual se lembram ao acordar. Belos sonhos.
Ele dizia enquanto começava a andar pela sala espelhada repleta de estantes.
- Sonhos de grande magnitude vêm parar aqui, se transformando em esferas especiais, ou até mesmo realidade.
Eu olhava encantada a cada afirmação que Asher fazia. Sonhos capazes de se tornarem reais?
- E as vermelhas? como a que acabei de tocar?
- As vermelhas contêm pesadelos mais profundos e segredos mais sombrios. Você não pode simplesmente tocá-las sem saber o que está fazendo. - Asher mudou completamente o semblante que até agora era alegre e sereno.
Olhei para ele, sentindo uma onda de vergonha e medo se misturarem dentro de mim. Mas a imagem da menina ainda estava fresca em minha mente, sua dor e terror ainda vibrando em meu coração.
- Mas ela estava com medo... e machucada... - murmurei, tentando explicar a urgência que sentia.
Asher suspirou, suavizando um pouco sua expressão.
- Eu sei. E é por isso que você precisa ter cuidado. Não podemos permitir que esses pesadelos escapem. Eles são perigosos demais.
- Pesadelos podem escapar? - Pergunto.
- Sim... Pesadelos escapam das esferas quando o nível de magnitude de paralisia é alto. Tome cuidado, e não toque nas esferas vermelhas.
Enquanto ele falava, eu não conseguia parar de pensar na menina. Quem era ela? Por que estava naquele estado? E o mais importante, o que eu poderia fazer para ajudá-la? O brilho suave do anel em minha mão parecia responder às minhas perguntas não ditas, como se estivesse tentando me guiar.
- Asher, quem era aquela menina? - perguntei, minha voz firme apesar do medo que ainda pulsava dentro de mim.
Ele me olhou por um longo momento, como se estivesse avaliando a melhor maneira de responder. Finalmente, ele suspirou antes de dizer.
- Podemos falar sobre isso depois.
Não conseguia entender, não podia ser algo tão ruim.
- Me diga por favor, ela tinha cabelos ruivos como eu, gostaria de saber.
Ele parou de andar se virando novamente para mim, desta vez com uma expressão triste.
- Ela é você. Um pesadelo antigo que te atormentava quando criança. Um pesadelo tão perturbador que...
Ele para de falar.
- O que?
Asher mudou de posição rapidamente, me assustando com a velocidade alarmante de seus movimentos, ele se aproximou de mim e pediu para que eu ficasse em silêncio.
Um som grotesco parecia ter invadido a sala das esferas de sonhos. Junto a ele, um cheiro fétido e podre que me fez tapar o nariz imediatamente.
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Reino de sonhos e sombras
FantasyNo místico reino de Elaria, uma antiga profecia assombra a vida de Haelyn, a princesa de cabelos acobreados como chamas. Considerada uma aberração e um presságio de azar, Haelyn cresce entre os muros do palácio, desconhecendo a verdade que a aguarda...