XLVI

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Eu me aproximo da mesa em silêncio e sento-me na cadeira próxima a Asher com um suspiro cansado, agarrando a xícara de cerâmica roxa que já estava ali. A superfície era suave e fria ao toque, os detalhes em linhas douradas serpenteando pelas bordas como pequenas raízes. Asher está de costas para mim, mexendo em algo no fogão que exala um aroma reconfortante, mais doce que o café, e que se mistura ao cheiro amadeirado da cozinha.

As roupas dele são de um preto profundo, as mesmas de antes, a camisa de mangas longas até a calça e botas, parecendo formar uma única sombra contra a luz suave da lareira. A camisa ajusta-se ao seu corpo, definindo sutilmente os músculos que ele exibe sem esforço. Cada movimento dele é preciso, seguro, como se até o ato de preparar algo simples fosse um reflexo do controle que ele possui sobre si mesmo.

Os cabelos dele, ainda molhados, reluzem na luz da fogueira que vem da sala, algumas gotas escorrendo pelos fios e caindo no chão de madeira, onde formam pequenas poças reluzentes. Ele está relaxado, mas há uma energia silenciosa ao redor dele que é difícil de ignorar, uma presença que preenche o espaço.

Então, ele se vira devagar, e nossos olhares se encontram. Seus olhos, de um azul profundo, parecem brilhar por um instante. Um pequeno sorriso puxa o canto dos seus lábios, e ele percebe minha presença antes mesmo de dizer qualquer coisa.

- Oi - ele diz, a voz suave, mas firme, ecoando pelo ambiente.

Um sorriso involuntário escapa dos meus lábios antes que eu responda.

- Oi.

Asher se aproxima e senta-se à mesa ao meu lado, agarrando uma xícara amarela de bordas desgastadas pelo tempo. Sua favorita?

Há algo encantadoramente comum nisso, como se ele estivesse apenas esperando que eu ocupasse esse lugar ao seu lado. O cheiro doce me invade de imediato logo em seguida, e meus olhos se voltam imediatamente para o que estava em cima do forno.

- O que está fazendo? - pergunto, sem conseguir esconder minha curiosidade. O aroma é tentador demais.

- Está praticamente pronto - responde ele, a voz carregada de um tom casual que contrasta com a magia que logo acontece. Com um simples estalo de dedos, a travessa aparece na mesa, como se fosse uma extensão de seu pensamento. Em segundos, pratos, garfos e a obra-prima culinária estão prontos para serem servidos. - Quer provar?

Meus olhos se empolgam assim como meu estômago faminto que ronca de imediato. A superfície era macia e brilhante, com um recheio escuro que escorre levemente para as bordas, como se tentasse escapar do calor. A cobertura cremosa é de um branco perfeito, adornada por morangos frescos que parecem ter sido colhidos naquele instante.

- Bolo - murmuro, sentindo minha boca se encher de água só de olhar para aquilo.

Ele corta um pedaço generoso e o coloca no prato diante de mim, repetindo o gesto para si mesmo.

- Espero que goste, minha cara intrusa. - Ele me lança um olhar travesso, a provocação dançando nos olhos dele.

Levanto uma sobrancelha, incrédula.

- De novo com isso? Não foi você que me trouxe aqui? - pergunto, desafiando o tom dele.

Asher dá de ombros, fingindo inocência.

- Foi, mas você entrou sem cerimônia.

- Eu só entrei porque você disse que pertencia a mim. Isso significa que posso entrar, certo? - respondo, tentando segurar o riso.

- Hm, bom ponto princesa. - Ele sorri, e aquelas malditas covinhas aparecem de novo. Sério, como é que ele consegue ser tão irritantemente charmoso?

O ar melancólico que carregava, sequer parecia transparecer nele desta vez. Como se estivesse realmente feliz e despreocupado. Eu ficava feliz com isso, e de estar com ele ali, ao seu lado, e sobre tudo o que aconteceu antes. Era como se uma barreira estivesse nos impedindo de sentir a imensa tristeza e incertezas que carregávamos. E assim como eu, sabia que Asher já havia sofrido demais.

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