XLIV

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- Eu era uma criança órfã, nascido nas províncias de terras distantes. Tinha apenas nove anos, fazia trabalhos simples para as pessoas, e assim ter o que comer. Naquela época, os Deuses ainda governavam este mundo, mas sequer parciam se importavam de fato com ele. Uma noite, no vilarejo onde morava, um ataque aconteceu. Monstros estranhos surgiam de dentro das simples casas, e eu acordei assustado no pequeno abrigo que eu mesmo construí. O fogo se espalhava rapidamente, e o vilarejo inteiro estava em caos. Pessoas corriam, gritavam, e o som e o cheiro dos monstros dominavam o ar.

A voz de Asher estava sombria, o peso das lembranças transparecendo a cada palavra. Eu o observava em silêncio, captando a dor que ele tentava ocultar, mas que transbordava mesmo assim.

- Eu me apressei, peguei meus poucos pertences: o relógio de meu pai e um medalhão com a corrente quebrada, deixado por minha mãe. Corri em direção à floresta, mas estava tão desesperado que não vi por onde ia e acabei caindo em um lago, afundando na escuridão sem fim. Eu estava me afogando, tinha certeza de que aquele era o meu fim. Mas, antes de deixar escapar minha última respiração, ouvi uma voz. Ela dizia que eu poderia viver, se fizesse o trabalho dela, se me comprometesse a manter o equilíbrio deste mundo.

Ele parou por um instante, como se a lembrança daquele momento ainda o machucasse.

- Eu estava desesperado, Healyn. Eu era apenas uma criança, sozinho, perdido e à beira da morte. Então, na minha mente, a resposta foi imediata. Sim, eu aceitaria. Qualquer coisa, contanto que eu não morresse naquele momento. E então, o silêncio tomou conta. O pavor que me consumia cessou, e eu me senti... diferente, mais forte, ainda que não soubesse como. De repente, eu emergi à superfície do lago, sem sequer saber nadar, como se alguma força invisível estivesse me erguendo.

A voz de Asher tremia levemente, mas ele mantinha os olhos fixos em algum ponto distante, como se revivesse cada detalhe daquele dia.

- Naquela noite, fui escolhido como um dos Filhos das Estrelas. Me senti poderoso. A voz continuava em minha mente, me guiando de volta ao vilarejo. Eu segui as ordens, ainda aterrorizado e sem entender o que estava acontecendo, mas, de alguma forma, consegui enfrentar os monstros. Criança que era, não me parecia possível, mas eu... eu os derrotei.

Ele apertou as mãos, e Healyn pôde ver as veias pulsando em seus braços, como se revivesse a tensão daquele momento. O ar entre os dois parecia mais denso, e o brilho fraco da fogueira ao lado jogava sombras nas expressões intensas de Asher.

- Após aquela luta, uma mulher apareceu. Ela era... magnífica. A Deusa dos Sonhos. Ela me levou para o castelo que você conheceu. Lá, me apresentou à Sala dos Sonhos e me ensinou tudo o que eu sei. Durante meses, eu aprendi, e pela primeira vez desde que perdi minha família, senti algo semelhante a ser cuidado. Como se ela fosse... uma mãe para mim. Mas então, do nada, ela desapareceu, sem deixar rastro, sem nenhuma palavra de despedida. Nunca mais a ouvi.

O amargor na voz de Asher era palpável. O vazio de ter sido abandonado o marcava até hoje, e Healyn percebeu, mais do que nunca, que ele carregava feridas que nunca cicatrizaram de verdade.

- Fiquei preso ao castelo, assumindo meu papel como Príncipe, ou pelo que fiquei conhecido junto de outros escolhidos, com uma responsabilidade que eu mal entendia. Eu era uma criança. Eu tinha tanto poder, mas também tanto peso nas costas. O castelo... aquele lugar não era apenas uma noite sem fim. O tempo passava normalmente, até que um acordo foi feito com uma de minhas irmãs, outra filha das estrelas. Ela mudou tudo. Mas isso, Healyn... só aconteceu depois de eu conhecer Alyssa, de conhecer você.

O nome de Alyssa parecia encher o espaço de uma tristeza melancólica, e eu senti um aperto no peito ao ouvi-lo novamente. Meu antigo nome...

- Eu tinha 19 anos quando fui a Seraphis. Jovem, imaturo e cheio de esperança. Eu estava cansado de viver confinado naquele castelo, de ser o guardião dos sonhos e das ilusões sem nunca experimentar a vida de verdade. Logan, o irmão mais velho dos sete, era o único que sabia como poderia me libertar desse fardo. Ele era o Príncipe do Julgamento, o mais forte entre nós, aquele em quem todos confiávamos.

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