Reino de sonhos e sombras

XXXVI

Kyler nos encarava com aquele olhar penetrante e superior, como se soubesse o final de um jogo antes mesmo de jogarmos. Podia sentir meu coração batendo violentamente no peito. Medo? Ansiedade? Não, era um sentimento misturado a todas as emoções que carregava, raiva e uma determinação que não reconhecia.

O sorriso dele, cínico e cruel, fazia essa raiva ferver. Tínhamos vindo até aqui, apreensivos, com coragem, mas também dúvidas e medos, apenas para sermos paradas por por ele, sermos chacota para ele? Não... Isso não era aceitável. Eu não seria mais intimidada. Já havia passado anos demais sob essa sombra e medo da submissão.

Agora, eu tinha algo pelo qual lutar, algo que valia mais que as ameaças dele ou de qualquer um. Eu tinha Oliva e Jaeson comigo, pessoas que acreditavam em mim desde o início. E aqueles que estavam me ajudando. Não queria ser frágil, era algo que estava mudando dentro de mim, ao me ver no espelho, ao aprender mais fora deste castelo, o treinamento, por mais que a parte apavorada de mim persistisse e a ansiedade ainda me alcançasse, eu lutaria.

Oliva estava ao meu lado, segurando a sacola improvisada com a coroa firmemente. Ela também estava nervosa, podia ver isso em seu olhar, porém estava pronta para agir. Não podíamos falhar agora. A voz de Kyler ecoou no silêncio novamente, cada palavra carregada de sarcasmo e desprezo.

- Que espetáculo patético. Acharam mesmo que poderiam roubar algo sem que ninguém percebesse?

Ele se demonstrava confiante ali, como se tivesse vencido. Aquele sorriso frio e condescendente me deu náuseas. Eu já tinha suportado tempo demais.

- O que acha que vai fazer, Healyn? - ele zombou, dando mais um passo em minha direção. - Lutar? Correr? Vai fugir como da última vez?

Suas palavras eram como um golpe invisível, mas eu não deixaria que ele visse isso. Meu corpo reagiu antes que pudesse pensar. Com um movimento rápido e decidido, acertei um soco direto no rosto dele como Jin me instruirá. O som do impacto ecoou, surpreendendo até a mim mesma. O corpo de Kyler se inclinou levemente para trás, o olhar dele, de pura surpresa, me fez perceber que não esperava por aquilo.

Seu lábio começou a sangrar. Ele levou a mão ao queixo, limpando o sangue que escorria, e me olhou com olhos que pareciam brilhar de raiva e incredulidade.

- Você... - começou, mas a sua voz falhou por um instante. - isso...

Eu não esperei para ver o que ele falaria. Virei-me rapidamente para Oliva que observava tudo tensa.

- Corre! Agora!

Ela hesitou um pouco mas correu pelo corredor, mas, antes que pudesse chegar às escadas, Kyler ergueu a mão e gritou:

- Armiradles!

Imediatamente, algo invisível agarrou Oliva pela perna, puxando-a violentamente para o chão, fazendo com que o som do impacto revirasse meu estomago. Ela cai soltando um grito abafado de dor, tenta se recompor, mas suas mãos são atadas para trás.

- Oli! - Gritei sentindo o desespero tomar conta de mim.

Mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, senti a mesma força me atingindo. Minhas mãos foram puxadas para trás com uma brutalidade que fez meus ombros doerem. O feitiço de Kyler era forte demais. Estava presa por uma força mágica invisível, e fui jogada no chão com tanta violência que o impacto quase me fez perder o ar.

A risada de Kyler era de puro escárnio.

- Vocês são tão previsíveis. - Ele começou a caminhar em minha direção, os passos emitindo um som de estalo. - Acharam mesmo que podiam se safar? Que podiam me enganar? Que tolice...

Eu lutava contra as amarras, tentando me soltar, mas era impossível. Meus pulsos doíam, e a frustração crescia cada vez mais. O mago se abaixou na minha frente, os olhos brilhando com uma mistura de diversão e desprezo. Forçando-me a me ajoelhar.

- Por que, Kyler? - perguntei entre os dentes, tentando manter a calma apesar da situação. Minha voz tremia de raiva. - Nos deixe ir, você já tem tudo. Não precisa de nós.

Ele inclinou a cabeça pro lado, como se estivesse realmente considerando minhas palavras. Mas o sorriso que se seguiu era frio e cruel. Ele segurou meu queixo, erguendo mais minha cabeça para olhar em meus olhos enquanto dizia:

- Deixar ir? - Ele riu, uma risada baixa e ameaçadora, conseguia sentir seu hálito de cigarro. - Desde o momento que você nasceu, dês de que você e seus amiguinhos fugiram, Healyn, minha vida e de muitas pessoas tem sido uma constante irritação. Me fizeram de idiota enquanto estava criando uma barreira. Jamais deixaria que escapassem, agora quero que rastejem aos meus pés.

Antes que eu reagisse, ele agarrou meu cabelo, puxando minha cabeça para trás com força, me forçando a encara-lo. O cheiro de cigarro misturado ao suor era sufocante.

- Sua existência é uma maldição - ele disse, seu rosto contorcido de ódio. - Você é um estorvo para este reino, para tudo que construímos, um fardo que jamais deveria ter nascido.

E então, com puro desprezo, ele cuspiu em meu rosto.

Fechei os olhos, sentindo o calor da saliva escorrer pelo meu rosto. Cada músculo do meu corpo tremia de raiva. Eu queria matá-lo. Mas estava sem chances de lutar. Ainda assim...

- Então por que não me mataram? - Perguntei, minha voz saindo como um estridente trovão.

Ele continuou me encarando com desprezo enquanto ainda segurava meu cabelo com brutalidade.

- Você acha que não tentamos? - Então me soltou, empurrando minha cabeça para o lado como se eu fosse um objeto insignificante. - Tentamos, princesa. Várias vezes...

Então ele parou de falar, observando o sangue que ainda escorria do corte em seu lábio.

Perdi o equilíbrio caindo contra o chão frio e olhei para Oliva, que tentava se levantar, mas dois guardas apareceram, e um deles seguiu prontamente o comando do mago assim que o viu, impedindo Oliva, que lutava tentando se soltar. Mas era inútil.

Kyler fez um gesto para o outro guarda, e o mesmo veio em minha direção, me levantando e me mantendo presa ao seu lado.

- Nos soltem! - Gritei.

Mais uma vez o mago indicou o comando, e os dois obedeceram sem questionar, começando a nos arrastar pelos corredores. O peso da derrota pesava sobre mim como uma corrente. O que fariam conosco?

- Está na hora de você encontrar seus pais, Healyn - Ele disse, caminhando à frente de todos nós, com aquele tom tranquilo e calculado. - Tenho certeza de que eles vão adorar vê-la assim... Completamente derrotada. Quem sabe te matem de uma vez.

Olhei para frente, tentando visualizar uma maneira de escapar, mas tudo parecia impossível agora. Os guardas nos puxavam com força, como se fossemos nada além de um peso. Os corredores por onde andei e cresci, eram novamente como uma prisão.

Oliva foi empurrada para o lado por um dos guardas, que agarrou a sacola com a coroa, tirando-a de suas mãos com brutalidade. Ela tentou resistir, mas foi em vão.

- Não... - Murmurei.

Onde estava Jin?

Kyler não se virou, mas sua risada foi a única coisa que ficou gravada em minha mente.

Estávamos condenadas.