2. capítulo doze

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FLASHBACK

ㅤㅤㅤSua infância foi para sempre mergulhada em uma atmosfera estranha, suas memórias eram escuras e o gosto dos remédios daquela época ainda brincavam em sua língua anos depois.

ㅤㅤㅤAlice Taylor estava sentada na árvore, com a cabeça apoiada em um dos galhos grossos. Estendia as mãos pequenas à sua frente para proteger os olhos do sol, as palmas ardiam, arranhadas em suas primeiras tentativas de escalar e as bochechas estavam coradas por conta do calor.

ㅤㅤㅤNaquela manhã, acordou sentindo dores no estômago e um enjoo constante sem nenhum motivo aparente, mas todos estavam cansados demais para checar se ela estava ou não falando a verdade. Seu pai estava no trabalho, Georgia estava na faculdade e Clarisse, bem... Ela passou o dia inteiro dentro do quarto com todas as janelas fechadas.

ㅤㅤㅤEra uma irresponsabilidade tremenda, mas não podiam parar suas vidas e não havia mais dinheiro para a babá depois que estava tudo indo por água abaixo devido aos custos com medicamentos.

ㅤㅤㅤSua atenção foi atraída por um barulho e ela observou o gato vadio revirar o lixo do vizinho. Alice sentia uma ânsia que vinha em forma de formigamento estranho ao observar o animal, queria brincar com ele e descobrir como era por dentro.

ㅤㅤㅤSeu estômago roncou e, com cuidado, ela desceu.

ㅤㅤㅤPensava em ir na Sra Darcy, da rua de baixo, comer biscoitos e tomar aquele chá estranho, mas primeiro precisava calçar seus sapatos dentro de casa.

ㅤㅤㅤ― Que droga. ― Exclamou ao pisar no molhado.

ㅤㅤㅤA torneira estava aberta há algum tempo, a pia entupida transbordava e a água escorria pelo balcão até alagar o chão. Isso significava que Clarisse esteve por ali um tempo antes, o que a fez ficar em alerta já que quando sua mãe estava mal, passava semanas deitada.

ㅤㅤㅤAo chegar no andar de cima, as sobrancelhas se franziram ao ver vários post-its coloridos grudados na parede; neles haviam desenhos, rabiscos ilegíveis e palavras/frases soltas que não faziam sentido sozinhas. Aquele foi o primeiro sinal de que algo estava errado e ela deveria ligar para algum responsável, mas sua curiosidade infantil fez com que fosse em direção ao quarto dos pais.

ㅤㅤㅤAlice sentia peso nos ombros e sussurros tão baixos que pareciam o ruído branco de uma televisão sem sinal, mas à medida que se aproximava da porta entreaberta, conseguia ouvir com mais clareza o que estava acontecendo do lado de dentro.

ㅤㅤㅤ― Saiam daqui, saiam! ― Clarisse repetia diversas vezes com a voz rouca. ― Não quero vocês, não quero vocês.

ㅤㅤㅤCom quem ela estava falando?

ㅤㅤㅤAlice olhou pela brecha da porta para o interior do quarto, evitando fazer qualquer barulho.

ㅤㅤㅤ― Eu sei, eu sei. ― Choramingou e soltou um gritinho apavorado ao estapear o ar. ― Você está me machucando! Não quero ir com vocês!

ㅤㅤㅤDo lado de dentro, tudo estava uma bagunça. Gavetas reviradas, uma mala em cima da cama, preenchida de qualquer jeito e roupas espalhadas no chão como se sua fuga tivesse sido interrompida.

ㅤㅤㅤClarisse estava encostada no canto do quarto, sozinha. Os murmúrios se tornaram tão baixo e enrolados que a garota não conseguia compreendê-los do lado de fora, esgueirou-se para o quarto e viu os cabelos quebradiços e cheios de fios branco escondendo o rosto da mulher.

ㅤㅤㅤ― Não quero ir, não quero ir. ― Repetia tampando os ouvidos como se aquilo fosse impedir algo.

ㅤㅤㅤ― Mãe? ― Alice a chamou.

o diário de alice taylor.Onde histórias criam vida. Descubra agora