1. capítulo dois

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(capítulo revisado)

ㅤㅤㅤCom o passar dos anos, muitas de suas memórias acabaram se tornando confusas ao se entrelaçaram com seus sonhos, e Alice passou a ter dificuldades para distinguir onde realmente estava quando aconteceram. Estou sonhando ou o sangue em minhas mãos é mesmo real? Esse pensamento a acompanhava com mais frequência do que gostaria.

ㅤㅤㅤE, novamente, Alice estava diante do galpão abandonado que se assemelhava muito ao do mundo real. Tudo o que via diante de si parecia envolto em um filtro que sugava toda a cor do mundo, e o ar ao seu redor estava impregnado com o cheiro de cinzas, decomposição e uma tragédia oculta.

ㅤㅤㅤEla odiava aquele lugar, mais do que o odiava.

ㅤㅤㅤOs sussurros preenchiam seus ouvidos com murmúrios indistintos e lamúrias que se misturavam a ameaças sem dono. Alice não estava sozinha, ela nunca estava.

ㅤㅤㅤSentia presenças à sua volta. Vultos vagavam em sua visão periférica, mas sempre que tentava olhá-los diretamente, desapareciam diante de seus olhos. Se perguntava se eram pessoas reais, e se todos os sonhos obscuros eram interligados em um purgatório que os obrigava a vagar sem rumo. E se fosse verdade, ela também seria apenas uma das Pessoas de Sombras nos pesadelos de alguém?

ㅤㅤㅤ"Ecila", uma voz rouca cantarolou em meio às árvores densas que cercavam o galpão. Imediatamente, ela soube quem era: a outra Alice, a que vivia do outro lado do espelho e era uma versão distorcida de si mesma. E elas não eram o que se podia chamar de melhores amigas.

ㅤㅤㅤSeguindo em sua direção, era impossível evitar os calafrios que sentia cada vez que um vulto roçava por sua pele, fazendo um frio gélido se instalar em seu corpo. Para Alice, eles eram extremamente mal-educados mesmo que ela não tivesse certeza se conseguiam vê-la. O caminho a sua frente era cercado por galhos secos que iam se estreitando a cada passo, causando a impressão de que ela mesma estava encolhendo, para que seu corpo conseguisse passar por aquele emaranhado.

ㅤㅤㅤOs pés descalços escorregavam no musgo, ferindo-se em pedras pontiagudas e a Outra Alice estava apenas alguns metros diante dela, embora sua presença fosse invisível na escuridão que a acompanhava.

ㅤㅤㅤ"Otrep od mif", ela riu.

ㅤㅤㅤ― Pare de falar assim ― Alice murmurou irritada, afastando os galhos secos do rosto para entrar na enorme clareira.

ㅤㅤㅤE, mais uma vez, se encontrou diante do galpão abandonado. Suspirou frustrada, sem saber por quanto tempo estava presa naquele ciclo interminável; não importava quanto tempo se passasse ou a direção escolhesse seguir, no final de tudo, Alice sempre voltava para sua Toca do Coelho.

ㅤㅤㅤFechou os olhos com força tentando escapar enquanto sentia ecos do passado sussurrando em seus ouvidos coisas indesejadas sobre o futuro, e quando tornou a abri-los, sua visão demorou um pouco para se ajustar.

ㅤㅤㅤO ventilador de teto girava preguiçosamente acima dela sem ventilar de fato, mas ela gostava do barulho suave que emitia ao balançar; já os lençóis estavam enrolados em seu pescoço, tentando sufocá-la em seu sono. O corpo nu estava gelado, exposto ao ar frio que entrava pela janela aberta. Ela permaneceu imóvel por alguns minutos, pois tinha a impressão de que qualquer movimento romperia sua paz, explodindo-a como uma bomba atômica em seu rosto.

ㅤㅤㅤMas, infelizmente, Alice não podia se dar ao luxo de continuar com aquele momento e, uma hora ou outra, precisaria enfrentar sua própria realidade. Com um suspiro ressentido, ela caminhou lentamente até o banheiro e encarou seu reflexo no espelho sob a luz fraca.

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