ㅤㅤㅤSentia os calos se formando nas palmas de suas mãos. Lançou a barra de ferro para longe e o barulho metálico ecoou pelo galpão vazio, quebrando o silêncio. Assustada pelo som repentino causado por ela mesma, Alice Taylor olhou ao redor com a respiração descompassada, como se acordasse de um pesadelo.
ㅤㅤㅤEsfregou as costas das mãos contra suas bochechas, sentindo a textura pegajosa do sangue respingado e pequenos pedaços gosmentos. Ela estremeceu, sabendo muito bem do que aquilo se tratava. Quanto mais tentava limpar sua pele, mais a sujeira se impregnava em seu interior.
ㅤㅤㅤAlice analisou o corpo caído aos seus pés, curiosa.
ㅤㅤㅤ― Merda.
ㅤㅤㅤNão conseguia recordar seu rosto; isso fez com que em toda e qualquer lembrança que surgisse em sua mente, a cabeça do homem fosse substituída pela massa vermelha que estava diante dela. Uma confusão de fluídos, dentes e fios de cabelo escuro que Alice não conseguia organizar para que se parecesse um humano novamente.
ㅤㅤㅤ― Será que isso conta como "estar vendo outras pessoas" que Lucas falou? ― Alice indagou ao massagear a têmpora.
ㅤㅤㅤSó vale quando você fode eles, a outra respondeu.
ㅤㅤㅤ― Menos mal.
ㅤㅤㅤAlice se sentou no primeiro degrau da escada que dava acesso à parte de cima. As mãos cobertas de sangue seco alcançaram a garrafa de vidro que havia sido esquecida durante sua fúria, e a vodka quente desceu com amargor por sua garganta.
ㅤㅤㅤEla fez uma careta e tossiu.
ㅤㅤㅤ― Por que estou aqui? ― perguntou irritada.
ㅤㅤㅤPorque eu preciso, a outra respondeu, é isso ou você prefere que eu coloque a vida de Lucas em perigo? Não se lembra do que eu planejo fazer com ele?
ㅤㅤㅤEscondeu o rosto nas mãos, permitindo que o cheiro metálico penetrasse em seu olfato como uma lembrança vívida de seus pesadelos. É claro que ela se lembrava. Os pesadelos continuavam persistentes durante as noites e ela não tinha certeza de que realmente estava dormindo.
ㅤㅤㅤEm todos eles, Adam estava lá.
ㅤㅤㅤEm grande parte deles, Lucas acabava morto; às vezes pelas mãos do demônio, às vezes pelas suas próprias mãos. Mas aquilo não era Alice, é claro.
ㅤㅤㅤ― Jesus ― Alice disse dando outro gole. ― Você é um pé no saco.
ㅤㅤㅤO sentimento é mútuo, a outra resmungou.
ㅤㅤㅤ― O que vamos fazer agora? ― Ela coçou a cabeça.
ㅤㅤㅤEra uma pergunta que abrangia tanto a situação do cadáver sangrento diante delas quanto os post-its que começaram a surgir novamente em seu apartamento.
ㅤㅤㅤQuando viu o pequeno adesivo fluorescente colado na parede do corredor, a temperatura ambiente caiu em torno de dez graus. Com as mãos trêmulas, Alice o descolou e franziu as sobrancelhas, girando-o entre os dedos sem entender. Estava em branco.
ㅤㅤㅤOlhou ao redor algumas vezes, esperando respostas que não vinham de lugar algum; até mesmo a outra em sua cabeça estava desconcertada com aquele vazio, mas ambas sabiam o que aquilo significava. Mesmo com todas as precauções que tomou, Adam conseguia ir e vir quando quisesse.
ㅤㅤㅤDepois daquele episódio, os post-its começaram a surgir em todos os lugares da casa: no espelho do banheiro, na porta do guarda-roupa, na maçã dentro da fruteira... Assim como o primeiro, não carregavam palavras, apenas a lembrança de que ele estava presente.
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o diário de alice taylor.
Mystery / ThrillerAlice Taylor equilibrava uma vida mundana com suas visitas à Toca do Coelho, um galpão abandonado onde enterrava seus segredos e se livrava de suas vítimas. Mas tudo muda quando Lucas Smith, o garoto popular de seu novo colégio, cruza seu caminho. E...