2. capítulo dezenove

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ㅤㅤㅤSentia os calos se formando nas palmas de suas mãos. Lançou a barra de ferro para longe e o barulho metálico ecoou pelo galpão vazio, quebrando o silêncio. Assustada pelo som repentino causado por ela mesma, Alice Taylor olhou ao redor com a respiração descompassada, como se acordasse de um pesadelo.

ㅤㅤㅤEsfregou as costas das mãos contra suas bochechas, sentindo a textura pegajosa do sangue respingado e pequenos pedaços gosmentos. Ela estremeceu, sabendo muito bem do que aquilo se tratava. Quanto mais tentava limpar sua pele, mais a sujeira se impregnava em seu interior.

ㅤㅤㅤAlice analisou o corpo caído aos seus pés, curiosa.

ㅤㅤㅤ― Merda.

ㅤㅤㅤNão conseguia recordar seu rosto; isso fez com que em toda e qualquer lembrança que surgisse em sua mente, a cabeça do homem fosse substituída pela massa vermelha que estava diante dela. Uma confusão de fluídos, dentes e fios de cabelo escuro que Alice não conseguia organizar para que se parecesse um humano novamente.

ㅤㅤㅤ― Será que isso conta como "estar vendo outras pessoas" que Lucas falou? Alice indagou ao massagear a têmpora.

ㅤㅤㅤSó vale quando você fode eles, a outra respondeu.

ㅤㅤㅤ― Menos mal.

ㅤㅤㅤAlice se sentou no primeiro degrau da escada que dava acesso à parte de cima. As mãos cobertas de sangue seco alcançaram a garrafa de vidro que havia sido esquecida durante sua fúria, e a vodka quente desceu com amargor por sua garganta.

ㅤㅤㅤEla fez uma careta e tossiu.

ㅤㅤㅤ― Por que estou aqui? ― perguntou irritada.

ㅤㅤㅤPorque eu preciso, a outra respondeu, é isso ou você prefere que eu coloque a vida de Lucas em perigo? Não se lembra do que eu planejo fazer com ele?

ㅤㅤㅤEscondeu o rosto nas mãos, permitindo que o cheiro metálico penetrasse em seu olfato como uma lembrança vívida de seus pesadelos. É claro que ela se lembrava. Os pesadelos continuavam persistentes durante as noites e ela não tinha certeza de que realmente estava dormindo.

ㅤㅤㅤEm todos eles, Adam estava lá.

ㅤㅤㅤEm grande parte deles, Lucas acabava morto; às vezes pelas mãos do demônio, às vezes pelas suas próprias mãos. Mas aquilo não era Alice, é claro.

ㅤㅤㅤ― Jesus ― Alice disse dando outro gole. ― Você é um pé no saco.

ㅤㅤㅤO sentimento é mútuo, a outra resmungou.

ㅤㅤㅤ― O que vamos fazer agora? ― Ela coçou a cabeça.

ㅤㅤㅤEra uma pergunta que abrangia tanto a situação do cadáver sangrento diante delas quanto os post-its que começaram a surgir novamente em seu apartamento.

ㅤㅤㅤQuando viu o pequeno adesivo fluorescente colado na parede do corredor, a temperatura ambiente caiu em torno de dez graus. Com as mãos trêmulas, Alice o descolou e franziu as sobrancelhas, girando-o entre os dedos sem entender. Estava em branco.

ㅤㅤㅤOlhou ao redor algumas vezes, esperando respostas que não vinham de lugar algum; até mesmo a outra em sua cabeça estava desconcertada com aquele vazio, mas ambas sabiam o que aquilo significava. Mesmo com todas as precauções que tomou, Adam conseguia ir e vir quando quisesse.

ㅤㅤㅤDepois daquele episódio, os post-its começaram a surgir em todos os lugares da casa: no espelho do banheiro, na porta do guarda-roupa, na maçã dentro da fruteira... Assim como o primeiro, não carregavam palavras, apenas a lembrança de que ele estava presente.

o diário de alice taylor.Onde histórias criam vida. Descubra agora