(capítulo revisado)
ㅤㅤㅤAs sombras dançavam na iluminação fraca, misturando-se com os vultos ao nosso redor e as palavras da mulher se esgotaram a ponto de se tornarem apenas balbucios sem sentido.
ㅤㅤㅤSe você perguntasse, talvez ela tentasse dizer que era um pouco difícil conversar com metade do maxilar amassado por uma barra de ferro e o tanto de sangue que ela já havia engolido começava a deixá-la enjoada. Seus olhos chorosos faziam a mesma pergunta que todos os outros: como isso pode ter acontecido comigo?
ㅤㅤㅤTodos sabem das coisas ruins que acontecem no mundo, mas a forma como essas situações se repetem nos jornais, rádios, em filmes e séries faz com que pareçam improváveis. Você assiste e pensa: isso jamais aconteceria comigo ou com algum conhecido próximo.
ㅤㅤㅤNa sua cabeça, coisas ruins não acontecem com você, porque você sabe exatamente o que fazer diante de uma situação de vida ou morte, assim como o protagonista de seu filme preferido. Não seria como o que ocorreu com a filha dos vizinhos do irmão de um amigo seu, que estava distraída demais e não soube se proteger - não importa se ela só tinha cinco anos.
ㅤㅤㅤVocê sempre vai se dar bem. Vai saber o que fazer nessas situações hipotéticas e nada de ruim vai acontecer em sua vidinha patética. E você se prende nesse pensamento confortável, até que seja tarde demais.
ㅤㅤㅤEsse era meu inferno pessoal: ter minha confusão misturada com a de desconhecidos tornava tudo mais complicado. O terror refletido em seus olhos causava uma mescla de sensações difíceis de explicar; ao mesmo tempo que eu queria ir para casa, sentia uma excitação ao saber que meu rosto seria a última coisa que eles veriam. Em momentos como aquele, eu era como a Rainha de Copas e cortem-lhe as cabeças se alguém agisse de forma que não me agradava.
ㅤㅤㅤ― Sabe, em outro lugar poderíamos ser amigas ― comecei a falar em uma tentativa de quebrar o gelo que se formou nos últimos minutos. ― Pintar as unhas, falar de rapazes, trançar o cabelo... Eu queria muito poder confiar em você e te deixar ir embora, mas acho que passei um pouco do limite. Agora não tem mais volta, não é?
ㅤㅤㅤA garota no chão murmurou algo que me parecia muito com um "não irei contar para ninguém". Entortei os lábios, pensativa, e passei o polegar por sua bochecha amassada, fazendo com que o sangue se espalhasse ainda mais. Será que era possível reconstruir seu rosto?
ㅤㅤㅤ― Como chegamos a esse ponto?
ㅤㅤㅤEra uma pergunta sincera, já que eu não tinha a menor noção do que havia acontecido minutos, talvez horas, antes. Simplesmente acordei e ela já estava ensanguentada na minha frente. Não fazia ideia de como paramos naquele galpão localizado alguns quilômetros da saída da cidade.
ㅤㅤㅤMe lembro que nos conhecemos em um pub para escritores, na noite de poesia. Tomamos alguns drinks coloridos e saímos de lá como se tivéssemos um segredo em comum. Ela falou que não podíamos ir para casa dela porque era uma república e não queria sair do armário daquela forma. Já meus pais eram religiosos demais e minha mãe sempre me esperava acordada para ver se eu não estava acompanhada, mas, para nossa sorte, eu conhecia um lugar perfeito.
ㅤㅤㅤ― Tem coragem?
ㅤㅤㅤEstava escuro quando chegamos.
ㅤㅤㅤ― Você grita 'marco', eu grito 'polo'.
ㅤㅤㅤTudo o que via ao meu redor era sangue, tufos de cabelos e dentes espalhados pelo chão.
ㅤㅤㅤ― Vem cá. ― Estiquei a mão em um gesto amigável, mas que a fez hesitar.
ㅤㅤㅤUma bolha de sangue surgiu no canto de sua boca em meio a uma respiração forçada e eu senti meu corpo congelar por um breve momento, percebendo que a garota sabia o que fazer em uma situação de vida ou morte. Então ela começou a gargalhar, fazendo com que respingos de sangue voassem em minha direção. A raiva borbulhou em meu peito, queimando de uma forma muito mais forte que eu.
ㅤㅤㅤComo poderia minha melhor amiga de uma noite me trair daquela forma?
ㅤㅤㅤA plateia ao nosso redor zombava de mim, rindo cada vez mais alto. Por que eu fui tão burra? Minhas mãos tremiam, e minha visão ficou trêmula quando percebi que o mundo estava escurecendo e os vultos começaram a se aproximar. Não, não, não, murmurei, colocando as mãos na cabeça em uma tentativa de silenciá-los e cravei as unhas no couro cabeludo para que a dor me ajudasse a tomar o controle novamente.
ㅤㅤㅤPassei as mãos pelos cabelos e me afastei, respirando fundo em uma tentativa de organizar meus pensamentos. Que se foda, pensei ao agarrar o cano de ferro encostado na parede e o ergui sem cerimônia, acertando sua cabeça repetidamente. Gritos de frustração escapavam por meus lábios, enquanto seu crânio se partia em vários pedaços. O suor escorria pelo meu rosto e alguns fios de cabelo se grudaram no meu nariz.
ㅤㅤㅤ― Por que você fez isso? ― Ela não havia feito nada. ― Eu estava tentando, eu tentei te ajudar, sua puta ingrata! ― gritei.
ㅤㅤㅤPedaços de massa encefálica se agarravam ao cano e meu corpo tremia com a adrenalina momentânea. Parei e respirei fundo, olhando ao redor.
ㅤㅤㅤ― Ops.
ㅤㅤㅤDo lado de fora, a noite estava gelada e uma chuva fina caía há tempo suficiente para formar poças de lama no meio do mato alto. Caminhei com cuidado até o carro, escondido nas sombras projetadas pelas fileiras de árvores. Mesmo sem necessidade, eu olhava constantemente por cima do ombro, para garantir de que ninguém estava me seguindo.
ㅤㅤㅤO interior do veículo estava quente, e meus lábios trêmulos faziam o cigarro balançar levemente quando tentei acendê-lo. Irritada, joguei o isqueiro no chão do carro e fechei os por um meio segundo. Estava exausta. Quando os abri, olhei para o relógio digital na minha mesa de cabeceira e resmunguei.
lembrando que a história é em terceira pessoa, o prólogo é apenas uma exceção!
não esqueçam de favoritar os capítulos que leram e, caso queiram, deixar comentários. gosto de receber o feedback de vocês, significa muito pra mim <3
att, vdek
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o diário de alice taylor.
Mystery / ThrillerAlice Taylor equilibrava uma vida mundana com suas visitas à Toca do Coelho, um galpão abandonado onde enterrava seus segredos e se livrava de suas vítimas. Mas tudo muda quando Lucas Smith, o garoto popular de seu novo colégio, cruza seu caminho. E...