2. capítulo um

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ㅤㅤㅤAs ligações perdidas e as mensagens de texto acumuladas em sua caixa de entrada já não faziam tanta diferença, apenas deixavam o questionamento de quanto tempo precisaria sumir para que a deixassem em paz. As memórias dos últimos dias se mesclavam com os pesadelos e ela não conseguia se lembrar com certeza quando foi a última vez em que teve uma interação humana verdadeira, mas esperava que tivesse sido o suficiente.

ㅤㅤㅤNão era culpa deles, é claro, porém não sabia como dizer o verdadeiro motivo de estar se sentindo sufocada: "A sombra da morte está me seguindo, eu vi com meus próprios olhos" e então, para dar mais contexto, teria que explicar porquê achou uma boa ideia misturar tantos remédios com álcool.

ㅤㅤㅤO pior seria se perguntassem o que ela sentiu quando acordou: será que estou realmente viva?, indagou-se ao forçar a memória e, em vestígios de um sonho, os dedos invadindo sua boca para que vomitasse não eram os dela; o banheiro estava limpo, seus lençóis também, porém sua garganta queimava como a única prova de que algo aconteceu. Eu estava sozinha, garantiu-se pouco tempo depois e a Outra em sua cabeça permaneceu em silêncio.

ㅤㅤㅤLucas Smith estava preocupado com a distância que crescia entre eles desde a noite que passaram juntos no hotel, constantemente se perguntando o que estava acontecendo ou o que ele poderia fazer para consertar o que quer que estivesse errado, mas nunca tinha a oportunidade de conversar com Alice. O sexo estava sendo maravilhoso, conectavam-se de uma forma tão intima que o fazia questionar se já chegou perto de sentir algo como aquilo com outra garota, geralmente após aqueles momentos via a oportunidade de conversa surgir, porém Alice simplesmente se desligava e ele sentia que ela já não estava mais ali.

ㅤㅤㅤO que está acontecendo?

ㅤㅤㅤEstou ocupada com os estudos, depois nos falamos.

ㅤㅤㅤE, assim, ela partia dia após dia.

ㅤㅤㅤQuando o recesso escolar de dezembro finalmente chegou, Alice se sentiu aliviada por não precisar vê-lo.

ㅤㅤㅤEra começo da noite e todas as luzes de seu apartamento estavam ligadas com o objetivo de espantar todas as sombras que viviam escondidas por lá, quem diria que aos dezoito anos, Alice Taylor teria medo do escuro? Patético, pensou acendendo um cigarro e apagando a luz da cozinha, mas ao ver uma silhueta mais densa do que as outras se formando em sua visão periférica resmungou e tornou a acendê-la. Ao olhar pela janela da sala encontrou o cara do prédio da frente novamente olhando os arredores com seu binóculo, Alice tirou um post-it laranja fluorescente recém-comprado de sua gaveta rabiscando-o rapidamente e o colocou em sua testa antes de voltar para a janela, na esperança que ele visse sua mensagem: "Estou bem, obrigada por se preocupar", em resposta viu a cortina foi fechada e ela suspirou batendo as cinzas no parapeito.

ㅤㅤㅤO celular começou a vibrar em cima da mesinha de centro com marcas de mordidas nas pontas, por mais lotado que o apartamento parecesse estar com todos aqueles vultos, havia um vazio desde que Bart se foi. Veja bem, ele não estava morto, mas desde aquele maldito pesadelo, Alice começou a ter a sensação de que algo terrível poderia acontecer com o animalzinho felpudo se ele continuasse ali dentro, foi então que perguntou a Lucas se sua irmã não gostaria de criá-lo. Precisou mentir dizendo que o cachorro não estava se adaptando ao espaço pequeno, que tinha energia demais para ela e outras coisas que criamos para justificar o abandono sem parecermos frios demais. É pelo bem dele.

ㅤㅤㅤCom a sensação de estar esquecendo de algo, olhou o visor do aparelho para ver quem ligava na esperança de que aquilo ajudasse a se lembrar de... O que seria? Deu de ombros, não deveria ser tão importante assim se ela estava esquecendo, não é mesmo? Com o cigarro entre os lábios, caminhou até a geladeira para se servir de um gole generoso de vodka na esperança de espantar o frio, porém seus olhos bateram em cima de outro post-it (dessa vez rosa berrante) e ela se lembrou.

o diário de alice taylor.Onde histórias criam vida. Descubra agora