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    Setembro de 2012    ( Guenevere Blake Lavander )      Uma semana e meia, eu acho

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Setembro de 2012

( Guenevere Blake Lavander )


Uma semana e meia, eu acho.

Batuco a ponta da caneta em meu fichário por longos minutos, sonolenta e sem entender bulhufas da aula de cálculo. Uma nuvem pareava em minha cabeça, prejudicando todos os sentidos e me prendendo num loop infinito em minha mente.

As primeiras folhas de outono começaram a cair, e o frio estava se instalando aos poucos em cada canto da cidade. Entretanto, não tive tempo de pensar em mais nada. Já faz uma semana e poucos dias que descobri a traição de Bryan e que me sinto péssima por não ouvir os conselhos de Tyler antes.

Mas isso era, de longe, a menor de minhas preocupações. Aquele baile foi um erro. Aquela noite foi um completo desastre, e eu deveria tentar esquecer e seguir em frente. Bem, é o que estou tentando fazer há um bom tempo, mas que se torna difícil.

Torna-se impossível de viver sabendo que Alex Rutherford me beijou, em seu carro, de frente pra minha casa.

Garotos são terríveis! Se eu pudesse odiar a todos, eu com certeza o faria. Mesmo assim, minha cabeça ainda estava confusa tentando processar tanta coisa. Aquele dia assustador, humilhante e completamente maluco.

Eu não contei sobre Alex pra ninguém. Minha mãe ficou sabendo de Bryan, assim como meus outros amigos. Todos juraram a mesma coisa: arrancariam as bolas de Bryan Tropez na primeira oportunidade que tiverem se ele ousar me procurar novamente. Achei um pouco exagerado, mas talvez ele até merecesse isso mesmo.

Por fim, eu estava mais intrigada comigo mesma, que depois de tudo que aconteceu naquele baile, a coisa que mais está me mantendo acordada de noite é a droga do beijo e minha confusão pessoal. Confusão pelo que? Que droga... não é dia de me confessar. Mas os dois hemisférios de meu cérebro estão entre odiar completamente Alex Rutherford e continuar delirando e sonhando sobre aquela noite.

Eu tinha tantas perguntas, mas fiz o que sei fazer de melhor e ignorei todos eles. Toda a Tríade, não importa onde fossem, me mantive o mais longe possível. Consequência? Até agora, chamadas perdidas do Novac. Mas eu não poderia evitar! Ele iria perguntar sobre, e eu não conseguiria omitir por tanto tempo.

Não contei pra ninguém. Não consigo contar o que aconteceu, não só do beijo mas do quão bruto Bryan foi me tratando como se eu fosse ninguém. De resto, não tinha o que esconder...

— Senhorita Lavender! — Saltei um pouco da cadeira ao ouvir meu nome ser exclamado.

Olhei para a Senhorita Peterson um pouco assustada, sabendo da bronca que me aguardava. Cobrindo a boca com uma mão, eu bocejo um pouco em seguida.

— É inadmissível o uso de minha aula para ficar batucando seus materiais e dormindo de olhos abertos. — Ela cruzou os braços por cima de seu terninho sob medida e achatou o nariz aborrecida em minha direção. — Seus pais não a educaram direito?

Cocei a nuca meio sem jeito enquanto ouvia alguns cochichos e risadas vindo do fundão. Essa semana toda eu andei pelo mundo da lua sem perceber, e isso estava começando a me prejudicar mais do que eu pensei que iria.

Minha boca se abriu por um momento para sair alguma resposta, mas o sinal tocou bem na hora, me interrompendo. A professora estreitou um pouco o olhar e apenas suspirou irritada.

— Entreguem os deveres na próxima aula, sem falta! — Seu assunto mudou e por fim, parece que caí no esquecimento.

Menos mal para mim.

Fechando meu fichário e organizando minhas coisas, Nate se aproxima assim que me levanto da cadeira.

— Terra chamando Blake. — Brincou, sorrindo em minha direção. Mesmo dessa forma, era visível a preocupação estampada em seu rosto. — Tá tudo bem?

Me obriguei a bocejar naquele momento.

— Dormi um pouco tarde ontem. — Omiti algumas coisinhas. — Tenho trabalho do senhor Hendrix pra entregar hoje e eu revisei tudo de última hora sem querer.

Nate não pareceu engolir muito bem o que eu disse, olhando-me como se quisesse que eu confessasse o que está em minha mente. O encarei e sorri da melhor forma que pude.

— E hoje tenho encontro com o clube de teatro pra uma peça que provavelmente vamos apresentar no dia de ação de graças ou algo assim. — Dei de ombros e comecei a andar para os corredores.

Ele me seguiu em passos largos, ficando ao meu lado e assentindo com a cabeça.

— Certeza que é só isso que está te deixando fora de órbita esses últimos dias? — Perguntou, insistindo um pouco para ver se eu poderia falar.

Ler o Nate às vezes era bem fácil, admito. Mas não vou comentar isso. Posso perder essa pequena vantagem. Chegando no meu armário, troquei meus materiais e respirei fundo. Quando fechei a pequena porta de metal, olhei para ele.

— Não se preocupe. Só preciso dormir um pouco mais tarde. — Assegurei. — As coisas por aqui são mais puxadas do que no antigo colégio, então estou tentando conciliar tudo para não deixar a mamãe em apuros no Coffee.

— Se parecer muito difícil pra você, é só conversar com ela. É ótimo quando ajuda, mas está tudo indo bem. Se você precisasse sair, não seria o fim dos tempos. — Seus ombros se elevaram por um momento enquanto explicava.

E ele tinha razão. Os negócios da mamãe estavam indo bem. John, o que ficou no Coffee como gerente, sabia como organizar bem as coisas. Não estava tudo um caos e ele estava comentando sobre ter mais gente ajudando por lá. Seria apenas um ponto de encontro com meus amigos agora, e eu não precisaria trabalhar mais. Uma parte de mim até se vê aliviada. Já a outra não se vê fora daquele lugar pelas noites.

— Se pensar mais um pouco, vai sair fumaça da sua cabeça. — Nate riu por um momento e eu revirei os olhos, o empurrando de leve.

Ouvi o celular dele vibrar no bolso, e no mesmo instante, alguém passou do meu lado. Eu até poderia ignorar, mas de imediato, eu precisava resolver algumas pendências.

— Vejo você por aí. — Eu falei para Nate e me virei na direção que Timothy Von Myers foi.

Precisei acelerar o passo para não o perder de vista. Desde o dia em que ele me ajudou com Bryan, ele parece ter me evitado. Eu queria conversar e agradecer pessoalmente, entretanto, ele nem se importava em cobrar isso. Não era exatamente como Novac.

Assim que ele chegou e abriu o que parecia ser seu próprio armário, eu aproveitei para o abordar.

— Timothy. — Limpei a garganta por um momento. — Você tem um minutinho?

Ele fechou o armário e me olhou de forma neutra. Parecia estar cansado e sem saco pra papear essas horas, mas eu tinha que falar com ele.

— O que você quer? — Ele franziu um pouco as sobrancelhas, me olhando sem paciência. Credo, até parecia que custava demais para falar comigo.

— Vou ignorar seu humor nada ensolarado. — Suspirei dando de ombros. — Eu só queria agradecer, porque não tivemos tempo pra conversar desde... aquele dia, sabe?

Ele cruzou os braços e continuou sem expressões, me ouvindo falar.

— Enfim, não era sua obrigação me ajudar nem nada, mas foi gentil da sua parte e eu sou muito grata a isso. — Continuei sendo honesta de qualquer forma. — Sabe-se lá o que aquele maluco faria. Deu pra perceber que sou péssima em escolher alguém pra gostar.

Seus olhos me analisaram de cima a baixo, assentindo com a cabeça e finalmente emitindo algum som. Ele respirou fundo e soltou como se estivesse cansado.

— Fiz o mínimo. Agora faça a sua parte e não se mete em confusão por aí. — E então, ele saiu andando.

Eu até gostaria de entender o porquê dele estar desse jeito comigo. Era como se estivesse bravo, e eu gostaria de saber se era algo pessoal. Todavia, impedi a mim mesma de ir atrás. Ele não se importa, e eu não quero ficar no pé dele de qualquer forma. É o mais velho da Tríade. Não deve ter saco pra essas bobagens.

Decidi, por fim, seguir meu caminho e ir para a próxima aula. Tenho que entregar meu trabalho pro senhor Hendrix ou ficarei sem nota, e essa é a última coisa na qual posso me preocupar.

Entrei com os demais alunos e me sentei no lugar de sempre. Essa era a parte ruim da coisa. Evitar Alex era fácil, na maior parte do tempo. Entretanto, tínhamos aulas iguais, e a de literatura era a única na qual precisamos sentar juntos de forma obrigatória. O clima ficava ridiculamente estranho.

Eu me sentia inquieta, sempre com um nó no estômago, querendo correr e ficar longe. Há tanta coisa acontecendo em minha cabeça que mal consigo raciocinar, e saber que ele está bem do meu lado nunca ajuda.

Por outro ponto, ele pareceu respeitar e me deixar em paz, o que me deixou ainda mais pensativa. Ele não fica no meu pé e muitas pessoas pararam de perseguir tanto Nate quanto a mim. Acho que esquecer é a melhor das opções, então espero que permaneça assim. Melhor do que forçar algo com o Rutherford.

Tsc, como se a gente fosse ser amigo algum dia.

"Você não vai acreditar!"

Meu celular tremeu com uma mensagem de Tyler. Franzi a testa curiosa, respondendo de imediato. O que aconteceu?

"Vadias metendo o nariz onde não são chamadas, gata! E você caiu!"

Tudo bem, agora isso começou a me deixar ansiosa. Do que ele tá falando?! Por que tá enrolando tanto, qual é!

— Posso dar início a minha aula, senhorita Lavender? — O professor me chamou a atenção.

Hendrix é o professor mais pacífico de West High. Nunca o vi irritado, bravo, nem perder a paciência. Isso me deixou envergonhada.

Guardei o celular na mochila e voltei minha atenção para o momento presente, mesmo que minha cabeça estivesse martelando de curiosidade a respeito de Tyler.

— Bem, espero que todos tenham entregado seus trabalhos. Irei corrigir todos em breve e, após uma análise, irei decidir qual o melhor conto escrito da classe. Será lido para todos para debatermos em sala. — O professor explicou e se sentou na beira da própria mesa de madeira escura. — Espero que todos tenham seguido a linha de raciocínio que pedi. De acordo com as suas inspirações, eu gostaria de ler a essência dos autores que fizeram esses contos acontecerem, tudo bem? Será metade da nota desse bimestre.

Escrever é simplesmente a melhor coisa do mundo. Tenho quase certeza de que vou conseguir me destacar nesse trabalho.





O sinal bateu e o professor dispensou todos para atender uma chamada de celular. Já era hora de todos irem embora, mas no meu caso, ir para o clube de teatro.

Estou curiosa para saber quais seriam os planos pra algumas peças futuras, e quem sabe, até ser escalada para ajudar no roteiro. Confesso até estar empolgada. Nada vai tirar meu bom humor.

— Guenevere. — Ouvi a voz de Alex me chamar.

Caramba ein...

— Quero falar com você. — Proferiu enquanto colocava a mochila em suas costas.

Respirei fundo e ponderei por alguns segundos. Seria uma boa ideia? Eu sei bem do que se tratava. Não sinto que estou preparada psicologicamente pra falar sobre os fatos daquele fim de semana.

— Não quero falar com você. — Proferi afim de encerrar esse papo.

— Tudo bem. Fica na sala e me escuta. — Ele respondeu como se não fosse nada.

Será que ele nem percebe quando age de forma rude? Que cara mais chato!

Olhei aos arredores mas todos haviam sumido. Óbvio, queriam ir pra casa depois de um dia puxado no colégio. E eu deveria estar a caminho do clube. Odeio me atrasar, caramba!

E ainda tem o Tyler que vai me matar de curiosidade.

— Ontem aconteceu coisa pra caramba numa noite só. — Alex não me olhava nos olhos enquanto conversava. — Minha cabeça tava confusa e agi igual um imbecil. — Ele coçou a nuca impaciente.

— Como sempre, você quer dizer. — Cruzei os braços e não consegui evitar de concluir num sorriso sarcástico.

Seus olhos reviraram.

— Você também não deveria sair no meio da noite numa chuva daquelas. No que estava pensando? — Seu tom era repreensivo. — Com todo esse jeito, pensei que não fosse tão burra.

Meus olhos estreitaram bem em sua direção. Ele estava meio certo? Talvez. Mas nem pensar que ele vai virar as mesas e fazer a culpa dessa discussão ser minha. Por que os caras sempre fazem isso? Eu já cansei!

— Escuta aqui, Rutherford, você não sabe de nada sobre mim ou sobre minha vida. Por que se acha no direito de sempre me perturbar e diminuir? — Dei um passo em sua direção. — O que você vê tanto em mim pra ficar se remoendo e descontando quando bem entende?

Ele franziu as sobrancelhas irritado, como se eu tivesse pisado bem em seu calo. Talvez eu até tenha feito, mas não percebo onde consegui acertar em cheio.

— Acha que tudo é sobre você, Guenevere? Qual é, da um tempo, tá legal? — Realmente consegui irritá-lo.

— Então é um babaca comigo por causa de outra coisa? — Genuinamente ele me deixou confusa, mas no fundo parecia ser apenas ladainha saindo de sua boca. — Do que tem medo, Rutherford? Teme que eu roube o seu lugar nessa escola estúpida? Uma "bolsista" tomando toda a sua glória deve ser um pesadelo terrível pra você, não é? O que será que todos vão pensar sobre isso?

— Pouco me importa o que vão pensar sobre minha vida, Guenevere. Isso não me afeta, sabia? — Alex deu um passo para perto de mim. Era possível ver um pequeno sorriso no canto de sua boca, exalando um tom nada agradável. Sarcástico talvez, para dizer o mínimo. Porém, não acho que o conheço o suficiente para afirmar tanta coisa.

Nunca o conheci de verdade.

— Já você,  não acho que posso dizer o mesmo. — Continuou. — Pode ate não ligar para o que as pessoas em geral pensam e falam sobre você, mas uma palavra daquele seu namorado idiota e Guenevere Blake acata qualquer merda imposta. — Seus olhos vagaram em mim de cima a baixo. — Pensei que fosse mais esperta do que isso.

— E o que você acha que sabe sobre a minha vida? Ou sobre quem eu namoro? — Esbravejei, irritada com seu tom.

Tudo parecia uma piada para ele. Parece ser muito engraçado ver as pessoas que voce odeia numa situação deplorável, e acho que isso era divertido o bastante para o manter entretido. Meu sangue borbulhava com isso, em saber que Alex Rutherford não passa de um mimado egocêntrico que não vê além do próprio umbigo.

— Sei que é uma idiota por ter ficado tanto tempo com alguém que quase machucou você. — Alex respondeu no mesmo tom. — E que estava entediado o suficiente para achar outra idiota pelas suas costas. Você sequer percebeu, não foi?

Eu perdi as palavras naquele exato momento. Como ele soube que Bryan tentou me bater? Perceber algo que não estava óbvio foi um pouco difícil, mas isso foi um alerta para que eu nunca mais ignore meus sentidos e pressentimentos. Ainda assim, não minimiza a dor de ser feita de imbecil e trocada por outra garota. Será que ela sabe sobre mim? Sobre tudo isso?

— E o que você fez? — Minimizei meu tom de voz, engolindo uma raiva que fora substituída por uma tristeza amarga. — Além de jogar na minha cara várias vezes que não sou nada mais do que uma "bolsista idiota?" — Era uma pergunta retórica.

Timothy não vai com a minha cara, e sabe-se lá um motivo concreto sobre isso, entretanto, me ajudou numa situação importante na qual ele não precisava agir se não quisesse. Daniel parece gostar de mim pelo que sou, sem truques ou interesses, sabendo do que penso sobre nossa amizade. Me animou quando precisei esfriar a cabeça.

E onde Alex esteve? Sempre grudado no meu pé como uma sanguessuga, julgando cada coisa que faço e minimizando qualquer chatice sobre mim. Me odeia desde que pus os pés nesse colégio, e nunca teve a decência de me dar alguma chance de ser amigável. Nem mesmo com seu falso pedido de desculpas. Ele continua sendo uma criança, mas desta vez, a pior versão que poderia ser.

— Me pede desculpas, e em seguida, faz ou fala  a maior merda que possa me atingir. É tão revigorante pra você me ver mal ou irritada?

— Eu tentei me desculpar e você agiu como uma imbecil. — Rutherford cruzou os braços e suspirou impaciente.

— É essa sua defesa? — Ofeguei cansada, numa risada esgotada. — Me cansei de você, Alex.

Senti como se ele quisesse falar algo. Seu corpo estava inquieto, seu maxilar contraía e seus olhos não me encaravam. E o que quer que quisesse sair da boca dele, simplesmente não o fazia. Era como se estivesse engasgado. Revirei meus olhos.

— Esqueça o que aconteceu e me deixa em paz, entendeu? — E então, fiz meu caminho até a saída daquela sala.

Já estou atrasada o suficiente para clube de teatro.

S.O.S Adolescentes No Ensino Médio (ORIGINAL)Onde histórias criam vida. Descubra agora