4.1 - Prioridades

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Alison

Os berros raivosos de Evan conseguiam ser altos demais até para mim, que ainda estava do lado de fora de seu apartamento.
Uma breve conferida me mostrou que já passava de meia-noite. Seus vizinhos no prédio deveriam estar amando isso.
Destranquei a porta, entrando para o encontrar sentado em frente ao computador com as mãos fechadas em punho e, antes que respondesse seja lá o "absurdo" que ouvia pelos headphones que cobriam suas orelhas, bati a porta fechada, fazendo-o pular de susto.
Olhou em minha direção, afastando um lado dos fones, e eu levantei meu pulso, batendo o indicador da outra mão nele para lembrá-lo do horário. Revirou seus lindos olhos zangados, voltando-se para a tela. Ri baixinho, indo em direção ao sofá puído de sua sala para me livrar do meu par de All Stars.
— Eu tenho que ir, Alison está aqui. — Silêncio por alguns segundos. — Sim, por culpa sua!
Três horas vacilando nessa merda e você quer se preocupar com ranking agora?! — Mais silêncio, manteve a postura tensa enquanto ouvia. — Ah, Luke, vai se foder! Eu já perdi a porra da minha paciência com você. Vai treinar a mir... — Foi interrompido e isso pareceu ter o irritado ainda mais, pois voltou a esbravejar: — Treina a porra da sua mira! Você não iria precisar de heal toda hora se soubesse atirar!
— Evan, o volume! — chamei sua atenção, segurando o riso. Eu sempre me divertia assistindo aos surtos de Evan, ele levava estes jogos online a sério demais.
— Tchau, Luke! Chega dessa merda! — despediu-se grosseiramente e, alguns segundos e cliques depois, ele estava arrastando a cadeira acolchoada para trás, com a respiração pesada.
Me olhou de canto e eu mordi o canto da bochecha, tentando não sorrir, mas também apreciando um pouco demais a sensualidade de sua expressão dura.
— O síndico vai te dar outra multa, com certeza.
— Ele que se foda! — xingou, mas logo se alterou para o choque, quando seus olhos caíram para o relógio digital ao lado da TV. — Puta merda, já são quase uma da manhã! Droga, eu tava quase economizando o suficiente pra trocar aquele radiador... — Escorregou pela cadeira, esfregando o rosto.
— Pois é, dessa vez não vai dar pra contestar muito, não — comentei, achando mais graça da situação do que deveria. — Eu te ajudo a pagar a multa, amor. Ou o radiador, sei lá... sabe que não vai ser problema.
— De jeito nenhum. Obrigado, mas eu me viro. — Se colocou de pé num pulo. — Deveria fazer o cego do Luke pagar essa merda toda, o cara tava enchendo o nariz dele de balas e ele... — Deixou a frase no ar e franziu o cenho, parecendo se dar conta de algo. Alternou entre o relógio novamente e eu. — Onde você estava até agora?
— Eu estava com Blake Lowell — respondi direta, como se não fosse grande coisa. Não iria mentir para Evan sobre isso, não depois dele já ter me visto beijar Blake na outra noite. — Depois que você saiu, Caleb me pediu pra ajudá-lo com uma coisa importante... longa história. Mas agora já está tudo bem.
As sobrancelhas dele estavam no alto e, com a cautela de quem pisava em um perigoso terreno desconhecido, ele se aproximou para sentar ao meu lado no sofá.
— Ok... — Olhou para os próprios pés, procurando o que dizer, e eu decidi apenas não prolongar nenhuma presunção tortuosa.
— Nada aconteceu, se é isso que está pensando.
— Eu estava pensando, sinto muito. — Respirou, aliviado. — Eu não sou de desconfiar, sabe disso. É só que você é louca por esse cara a muito tempo e, tudo bem, fãs são fãs, mas... ele te beijou, então... — Ofegou pesadamente e eu ri, me inclinando para beijar sua bochecha.
— Sabe que é você que eu amo, ciuminho. — Me ajoelhei no sofá, apoiando meu queixo em seu ombro. — Talvez eu vá precisar vê-lo mais vezes, por conta de um... problema, que ele prefere manter em segredo, mas... você não tem nada com que se preocupar. Mesmo que seja, de fato, o Blake Lowell.
Sorriu, tranquilo, fazendo as borboletas no meu estômago dançarem.
— Eu sei disso, amor. Acredito em você. Se está dizendo que não há nada, então não há nada.
— Plantou um beijo leve no meu nariz e se arrastou no sofá, ficando de frente para mim. — Quase não te vi hoje, tô com saudade.
Abriu os braços e não pensei duas vezes antes de pular para o seu colo, aceitando seu abraço.
Mesmo este tipo de atitude sendo... incomum, vinda de Evan.
No entanto, braços fortes já me prendiam com firmeza contra seu tronco duro quando, segundos depois, percebi suas intenções.
— Ah, não! Para, Evan! — gritei, rindo e me contorcendo, quando ele começou a esbaforir no meu pescoço.
Ao invés de parar, o que ele fez foi nos deitar para me prender contra o sofá e usar as mãos para fazer cócegas nas minhas costelas também.
Berrei, gargalhando cada vez mais alto, tentando o estapear para longe.
— Para, amor! Para! — gritei, me esforçando para respirar e ele largou meu pescoço, mas segurou meus pulsos com uma só mão, acima da minha cabeça.
— Você vai me dar outra multa. Quieta! — brincou, com um sorriso enorme no rosto, e voltou para o meu pescoço.
— E você vai me matar, seu maluco! Para! — Ri mais um pouco, até... até notar que algo estava diferente.
Ele estava... beijando o meu pescoço agora. Não igual ele beijava a porcaria da minha testa, mas beijando, beijando mesmo. A textura macia e geladinha de seus lábios contra minha pele parecia hesitante, ainda que ávida, se é que isto era possível. Eu estava me arrepiando, ao mesmo tempo que me sentia aquecer, mas também não ousando me mover ou emitir som algum, com medo de que parasse.
Ele nunca havia feito nada parecido antes, então não era como se eu soubesse o que fazer também. Suspiro.
— Você está tão cheirosa... — murmurou, subindo para o meu queixo. — Não está mais rindo por quê? Não quer mais que eu pare?
Se afastou para me olhar de novo e eu neguei com a cabeça timidamente, assistindo-o sorrir para mim, evidenciando as sardas leves, que eu tanto amava, nas maçãs de seu rosto e no nariz. Quis lhe devolver o elogio do cheiro, porque ele realmente ainda emanava uma refrescância pós-banho deliciosa e familiar, mas mantive minha boca fechada, para não estragar o clima. Iria falar demais e, diferente de Blake, ele não achava minha tagarelice tão engraçada assim.
Conforme me fitava de volta, aos poucos seu sorriso diminuiu e o esverdeado dos seus olhos pareceu se anuviar, como se sua cabeça já estivesse em algum terceiro plano, perdida em pensamentos.
Eu quis tanto que ele me beijasse. Sempre queria, na verdade, mas agora não precisava nem ser na boca, que formigava por seu toque toda vez que se aproximava, apenas queria que continuasse o que estava fazendo no meu pescoço. Só queria seu afeto, seu amor... seu desejo. Da maneira que viesse. Era sempre eu quem buscava por estes contatos, mesmo que não seguíssemos adiante, mas sua mão ainda segurava as minhas acima de nossas cabeças, o que me impossibilitava de levantar para alcançá-lo, e, só desta vez, uma grande parte minha estava fazendo questão que... ele fizesse questão. De mim.
Seu rosto bonito se retorceu em um sorriso leve e eu tentei não desmaiar de felicidade quando fechou os olhos e sua boca, enfim, tocou a minha, com uma delicadeza torturante. Soltou minhas mãos e logo enrolei os braços em volta de seu pescoço, aprofundando o encaixe de nossos lábios, pronta para aceitar quaisquer que fossem suas intenções aqui, mesmo que inesperadas. E mesmo também que eu estivesse completamente despreparada.
Mas, ainda que tivesse me preocupado por apenas meio segundo, teria sido desnecessário, pois, tão logo quanto veio, Evan se afastou, evitando me olhar nos olhos. Escorregou as mãos ásperas pelos meus braços, voltando a se sentar e me deu um desconfortável sorriso forçado, antes de dizer:
— Eu comprei aquela pizza que você gosta, a que é só uma mistura de um monte de queijos. — Exalou uma risadinha e eu fechei minha boca, não confiando em meus impulsos. Desviei o olhar para o teto. — Vou esquentar e aí coloco aquele documentário pra gente ver.
Deu um tapinha leve no meu joelho e se levantou. Fechei os olhos ao sentir o início daquela ardência irritante neles.
É só mais uma frustração para sua pilha, Alison. Não é como se ele já não tivesse escolhido coisas piores do que pizza gelada e documentários monótonos, ao invés de você antes. Não precisa chorar por causa disso!
Engoli em seco.
— Não, eu tô cansada. E já comi — disse, seca, e me levantei, já atravessando a sala em direção ao banheiro.
Tranquei a porta, passei direto pelo espelho, como de costume, e sentei na tampa fechada do vaso.
Inspira... Expira... Inspira... Expira...
Apertei minhas mãos fechadas, até sentir as picadas das unhas nas palmas. Fechei os olhos, não conseguindo evitar deixar uma lágrima rolar de cada um.
Ele não gosta de mim. Simplesmente não sou o suficiente pra ele, não importa o que eu faça!
Balancei a cabeça nervosamente, tentando afastar a autocomiseração.
Não poderia me entregar para isso, não mais uma vez. Me orgulhar de mim mesma, eu tinha que me orgulhar! Eu estava fazendo progresso, dedicando mais tempo para cuidar de mim e me transformei nesta boneca arrumada que eu gostava que me olhasse de volta no espelho. Estava realçando este lado bonito que sempre soube que existia dentro de mim e sabia também que Evan já o enxergava. Sempre enxergou, senão não teria se apaixonado por mim.
É o que ele diz! Se este fosse o caso, conseguiria te beijar de verdade por mais de cinco segundos!
— Sexto mandamento das leis de Deus — sussurrei para mim mesma, ainda com os olhos fechados. — "Não pecarás contra a castidade".
Não me considerava praticante de nenhuma religião, mas a família de Evan o criou como cristão devoto e ele já havia me dito que, por isso, tinha dificuldade com... certas "tentações".
Era isso. Ele queria permanecer virgem até o casamento e eu tinha que respeitar isso. Sempre que me encontrava de frente com esta voz azeda dentro da minha cabeça, recitava algum destes costumes como uma espécie de mantra, para me acalmar.
Ou para usar de argumento de debate, tanto fazia.
Adultério também é pecado na Bíblia, mas com isso ele não teve problema, não é? — ironizou a voz, mas balancei a cabeça negando mais uma vez, forçando um sorriso sem graça.
— Não somos casados. Biblicamente, não foi um adultério.
Isso não significaria nada pra ele se o amor por você fosse maior. Acorda, Alison!
— "Honrar Pai e Mãe". Isso sempre significou demais pra ele e seus pais ficariam chateados se não seguisse as tradições à risca, mesmo que as mais pessoais.
Suspirei, me sentindo um pouco melhor, apesar de ainda magoada.
O que me trazia para o lado racional das coisas, geralmente, era saber que a verdade continuava a mesma, independente das circunstâncias: Evan era o único para mim. Desde os meus doze anos, quando ele não apenas estava sempre se fazendo presente, sendo o melhor amigo que eu nunca havia tido na época, como também fez questão de ser minha dupla em uma excursão de escola para o zoológico. Não havia entendido no momento, pois só o que eu fiz naquele dia foi chorar baixinho — meu coração doeu, vendo aqueles lindos animais de aparência tão triste e sem vida, por estarem enjaulados como se fossem criminosos —, mas o que havia me feito apaixonar de vez por Evan foi lembrar, mais tarde, de que sua mão ficou segurando a minha o tempo todo naquele dia.
Eu mesma sequer sabia que teria problemas com aquele passeio, por isso não lhe dei ouvidos quando tentou me convencer a não ir. Mas ele teve esta certeza de que eu precisaria de alguém ao meu lado simplesmente por me conhecer bem demais e isto significou o mundo para mim.
Ele me compreendia, era isto. Sempre gostou da minha companhia, mesmo quando eu me sentia tão estranha e diferente que só queria me fechar no meu mundinho; sempre me fez sorrir, fazia o possível para ser resiliente com as minhas impulsividades, esteve ao meu lado em todas as situações, quer eu estivesse certa ou não... sempre me amou sem exigir absolutamente nada, respeitando as minhas necessidades.
Agora que estávamos namorando não poderia ser diferente, mas da minha parte também. Não bastava que achasse sexy sua cara de zangado, ou que eu ignorasse a óbvia forte atração que sentia por astros do rock que estavam perto demais para atiçar meu juízo. Para ser uma boa companheira, também precisava agora parar de confundir as coisas e oferecer a ele o que precisasse, assim como fazia comigo.
Agora, isto era a paciência.
Por mais que um radiador para sua caminhonete estivesse no topo de sua lista de desejos no momento, eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele apareceria com uma aliança para mim. Eu só tinha de esperar e respeitar seus limites, porque tudo mudaria quando ele se sentisse pronto.
Coloquei-me de pé e me livrei das minhas roupas para tomar um banho rápido. Me enrolei no roupão rosa que eu deixava no banheiro dele para quando viesse passar a noite e, ainda sem me atrever a encarar o espelho, lavei o rosto mais uma vez para ter certeza de que me livrei de qualquer resquício da maquiagem leve. Por fim, usei a escova de dentes que Evan deixava guardada para mim.
Suspirei, destrancando a porta.
Ele estava de novo sentado em sua cadeira confortável em frente ao computador, mas, ao invés de vividamente enfurecido por coisas tolas... agora estava com a nítida expressão triste por coisas maiores, encarando a tela desligada.
A culpa apertou em meu esterno.
— Eu sinto muito, Ali — ele disse, no entanto. — Está sendo ainda mais complicado agora... com essa coisa de bissexualidade — deu ênfase com uma pontada de asco. — Isso é tão injusto com você, meus pais me matariam se soubessem que estou te fazendo passar por isso por uma coisa tão... errada.
Gesticulei, o interrompendo.
— Não fale assim. Você não está cometendo crime nenhum. — Caminhei calmamente até ele.
— Principalmente contra mim. Eu é quem tenho que ser mais compreensiva com você.
Me abraçou pela cintura, encostando a testa no meu estômago.
— Eu te amo tanto... mas não sei como fazer isso. Ou o que fazer comigo mesmo e com essas coisas, na minha cabeça — confessou e eu sabia que ainda se referia a sua sexualidade.
— Pare de falar assim, Evan. O que você sente não é errado. Na verdade, eu acho que se você ouvisse mais o que realmente quer, se sentiria menos perturbado. Você pode me amar da maneira que é, como e quando conseguir. Eu não tenho problemas com isso.
Muito pelo contrário! O meu Deus indefinido, e o católico dele, sabiam que eu faria qualquer coisa, sem ferir nenhuma lei divina que respeitasse, para fazê-lo se sentir menos... "tenso". Eu só não tinha unido coragem o suficiente para dizer isso a ele com todas as letras ainda.
— Eu não... tenho certeza disso. — Se afastou para me olhar e lhe lancei um sorriso tranquilizador.
Ironicamente, quis lhe dar um beijo na testa. E foi o que acabei fazendo, deixando seu rosto bonito um pouco menos amargurado.
— Então quando se sentir certo, seja do que for, você só precisa me avisar.
Apenas me fitou por um segundo, parecendo querer dizer mais alguma coisa, mas me devolveu um sorriso fraco, desistindo.
— Eu te amo — sussurrou, simplesmente.
— Eu te amo mais. — Dei um passo para trás, oferecendo-lhe minha mão. — Agora vamos ver aquele documentário que você falou.

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