Alison
"Meninas, já podemos parar de surtar: nosso baterista favorito apareceu! Um site de fofocas acabou de publicar esta imagem, mas ela é obviamente muito real, olhem só: Blake está na maior paz, na sombra fresca, expondo toda sua 'saúde', junto com o irmãozinho dele que, aliás, fazia um tempão que a gente não via também, não é? (Caleb está mais gato do que eu me lembrava, uau!)"
"Uau" não era dizer o suficiente, todas as expressões de espanto eram necessárias!
Porém, enquanto encarava fixamente aquela imagem na publicação do Facebook, meu queixo permanecia no chão, me deixando incapaz de verbalizar qualquer coisa.
— O quê? O que você está vendo aí? — Kat questionou ansiosamente do outro lado da mesa de seu escritório, a qual estávamos usando para almoçar.
Me limitei a oferecer o celular com o post da página em sua direção. E sua cara admirada, sim, disse tudo.
— Uau! Este deitado é o...?
— Blake, sim! — Balancei a cabeça com os olhos arregalados.
— Nossa, você nunca me mostrou alguma foto dele por este... — hesitou, com os olhos na tela — "ângulo".
— Todos os ângulos dele são ótimos — soei mais ultrajada do que deveria.
— Ainda vou conhecê-lo pra julgar isso melhor — levantou um ombro me provocando e devolveu meu celular. Não tive nada para responder a isso, daqui a algum tempo era provável que Kat estivesse vendo muito mais de Blake do que eu jamais terei a oportunidade.
E tudo bem, honestamente. Meu foco neste segundo, por exemplo, estava em Caleb.
Diferente do irmão, ele estava sentado e diretamente abaixo do sol na imagem, sem camisa, o que era uma visão que ainda não havia tido a oportunidade para apreciar de verdade, mas que, caramba, os raios solares pareciam tirar todo proveito por mim, beijando cada centímetro de sua pele exposta. Eu não conseguia desviar o olhar, mas também sequer queria tentar.
Então o susto foi devidamente justificado e merecido quando notei minha amiga agora atrás de mim, como se tivesse se materializado ali, acima do meu ombro.
— Você está secando o Caleb, não o Blake! — exclamou seu flagrante como se fosse o maior dos absurdos que já presenciou.
— Os dois estão na mesma imagem. — Dei de ombros.
— Você estava com essa mesma cara de esfoemada, na noite de segunda passada, quando Caleb estava mega distraído com o videogame e você, com o corpo dele!
— Esfomeada?! — me choquei com a palavra que escolheu.
— Sim, parecia que você queria arrancar um pedaço dele! — Apontou, se jogando na cadeira acolchoada ao meu lado, o que pareceu uma ação estranha, dentro daquelas roupas formais que usava. E apenas piorou, quando ela arregalou os olhos, colocando as mãos nas bochechas numa perfeita imitação de Macaulay Culkin, no pôster de "Esqueceram de Mim". Não consegui evitar soltar uma risadinha, mesmo sem fazer ideia de onde sua mente tinha ido do nada.
— Ai, meu Deus! Caleb era o seu crush da faculdade!
Arqueei uma sobrancelha, ainda rindo, mas estranhando sua surpresa.
— Eu não tinha dito que ele era?
— Não!
— Eu jurava que tinha... — Dei de ombros novamente, cutucando meu frango xadrez já sem a mínima fome.
— Alison, não! Você não disse! — reforçou ela, com toda a intensidade que eu não estava conseguindo sentir sobre este assunto. — Mas eu deveria ter percebido isso sozinha... — pensou alto, com os olhos no meu celular, agora bloqueado, em cima da mesa.
— Deveria ter percebido por qual razão, exatamente? — questionei, completamente perdida, a essa altura.
— Porque você veste tanto a camisa de "namorada super apaixonada pelo namorado", mas obviamente outro alguém te provoca muito além. Eu achei que este alguém era o Blake, mas, não, é o Caleb! — afirmou com tanta confiança que quase esperei que gritasse "eureca", ou algo assim.
E, lógico, eu já estava prontíssima para refutar esta sua suuuper importante descoberta assim que a ouvi, mas não consegui fazer isso por um simples motivo:
A primeira coisa que pensei em dizer era que Blake tinha, sim, sua influência sobre mim.
Especialmente depois de ontem, quando eu estava péssima por um monte de razões diferentes e ele conseguiu mudar tudo apenas com uma ligação. O que era o que isso deveria ser: uma ligação somente. Um momento.
Seria tolice minha sequer pensar em considerá-lo em minha "lista de tentações", ou seja lá o que for isso, e isso já seria um fato mesmo que não tivesse compreendido o quanto ele era perfeito para minha melhor amiga.
Então, por que contrariá-la nesta parte, não é mesmo?
— Eu não gosto do Caleb desse jeito — pude esclarecer, no entanto.
— Mas gosta dele de algum jeito — acusou com um olhar ferino e um sorriso esperto.
— Eu gosto do Evan de todos os jeitos — retruquei no automático e o que aconteceu ontem, no meu sofá, voltou a minha mente com a mesma facilidade, debilitando minha segurança.
— Estou vendo... — Expirou uma risadinha descrente.
— Não! Eu... eu... — A deprimência ameaçou dar as caras novamente e apertei meus olhos fechados, negando. — Eu não quero falar sobre isso.
— Hm, ok... — Notei que se remexia desconfortável, pela minha visão periférica. — Sobre qual "isso" nós não estaremos falando então?
— Eu não sei, Kat, eu só... é muita coisa! — Larguei meu garfo de plástico no prato, esfregando o rosto. — Eu até queria falar, mas, não sei, eu...
— Não sabe por onde começar? — tentou, quando deixei a frase no ar, e eu assenti imediatamente, arregalando os olhos. — Ok, só me diga a primeira coisa que vier à cabeça então, a gente começa por aí.
— Mas essa é a questão, Kat: ao mesmo tempo em que tudo está na minha cabeça, nada está.
Não tem... nenhum sentido, entende? Eu não consigo mais pensar direito! Nestas últimas semanas, principalmente, parece que tudo saiu de controle, eu... eu nem consigo me concentrar mais na minha arte! — exclamei, surpresa com isso de repente. — A disposição sumiu e já era pra ter voltado, mas isso sequer passou pela minha cabeça. Eu acho que a última coisa que eu criei foi aquele palhaço maníaco que você pediu... Isso é ruim, muito ruim! — A gravidade me atingiu e um certo peso nos meus ombros se tornou mais significativo, quase corpóreo. Como se algo me empurrasse para baixo. — Desde criança, fazer coisas bonitas, pintar, desenhar, moldar, tudo isso sempre foi quase uma necessidade física pra mim, tanto que até me esquecia de comer às vezes, mas agora parece que minha cabeça está em todos os lugares, em um monte de pessoas diferentes e eu não consigo me focar em mais nada além, muito menos em mim mesma. Ou nas minhas necessidades principais, eu... eu nunca fui assim! Nunca! — Exalei com força, algo no meu corpo querendo abandonar o sufoco, mas sem muito sucesso.
Mas... falar tinha ajudado. Pela primeira vez na minha vida, eu estava grata por ter deixado as palavras correrem soltas. Mesmo que nada disso tenha sido o foco da minha angústia, ela existia nestes pontos. E, Deus do céu, ainda bem que era Kat aqui comigo me presenciando perceber isso...
Poderia me permitir agora pelo menos parte de certo alívio e sua expressão que permanecia tranquila por nós duas, ajudava demais!
Depois que tirou um minuto para pensar, ela disse:
— Sabe o que eu acho? Antes de qualquer coisa, te falta organização, algo que sei que você aprecia muito. — Correu seus olhos analíticos pelo chão, mas logo os voltou para mim, sorrindo um pouco. — Espere aqui, vou pegar uma coisa que acho que pode te ajudar com isso.
A observei curiosa, até que sumiu de minha visão, quando fechou a porta atrás de si. Arrastei minha cadeira até as persianas de seu escritório, as afastando para reencontrar Kat passando por vários funcionários ocupados, clientes dispersos e algumas das variadas sessões de seu estabelecimento, até que parou na... área infantil? E apenas entrou ali, desaparecendo do meu alcance outra vez.
Do que ela estava falando?
Meu celular vibrou na mesa, exigindo que deixasse essa dúvida de lado por hora. Desbloqueei, gelando ao ver o nome de Blake ali, como sempre aconteceria provavelmente, mas logo me acalmei, vendo que não passava de uma mensagem de contexto leve.
Ele havia anexado a própria foto com Caleb, que havia vazado esta manhã, junto com o link de uma música, aparentemente, e digitou apenas: "Summer breeze, makes me feel fine¹... Ouça essa, se ainda não conhece. O que você tem pra mim?"
Não consegui segurar o enorme sorriso que se repuxou em meu rosto.
Ele realmente iria continuar com este joguinho de troca de músicas e isso me alegrava muito!
Não apenas porque era um motivo para estar sempre interagindo com Blake Lowell, mas também porque eu gostava muito de falar sobre música, trocar gostos e opiniões, conhecer algumas novas... Estabelecemos ontem à noite que a regra seria apenas que mandássemos músicas que achamos que o outro não conhece, ele se concentrando nas mais antigas e eu, nas mais modernas.
Enquanto pensava um pouco sob estas circunstâncias, e também em como ele havia ligado a letra da música a sua foto, notei que Kat já retornava, com uma espécie de livro embaixo do braço. Uma palavra surgiu nítida na minha mente.
"'Saviour²', da Annelise Noronha. Estou almoçando com a Kat, mas daqui a pouco ouço a sua."
Adicionei um emoji piscando e bloqueei o celular com pressa, deixando-o de lado. Kat não poderia me ver sorrindo e trocando mensagens com Blake, ela poderia mudar de ideia sobre sair com ele.
— Aqui está! — minha amiga anunciou, se sentando onde estava antes, e levantando um livro extremamente familiar no ar, para logo depositá-lo em sua mesa, com o que parecia ser um pequeno e simples caderno. — Não pergunte ainda, já vou explicar.
Arqueei uma sobrancelha, mas segui sua instrução. Ela se sentou de novo na cadeira ao meu lado e ambas nos viramos de frente uma para a outra.
— Ok, Ali, um fato que você provavelmente já conhece: ninguém consegue trabalhar muito bem no meio de uma bagunça — iniciou, pescando de seu porta-canetas uma caneta preta comum. — A pessoa gostando de organização ou não, simplesmente é como funcionamos, a gente precisa de algum tipo de padrão para manter as coisas em seus devidos lugares e saber o que fazer com elas a partir daí. Este é o seu problema. — Apontou a caneta para mim e eu esperei, quando parou de falar, abriu o caderno sem uso que trouxera e se dedicou apenas a escrever algumas palavras em folhas diferentes. Mas não demorou, logo empurrando o livro para o meu lado, também usando a caneta para fazer isso: — Lógico que você sabe o que é isso, não sabe?
E como sabia!
Era uma cópia de um dos livros de adesivos que vendíamos na sessão infantil da Heaven's, um item exclusivo nosso. Tinha cento e dez páginas plastificadas recheadas com uma extensa e variada coleção de desenhos divertidos, em temas diferentes, feitos para serem descolados de suas páginas e enfeitarem o que quer fosse que as crianças quisessem: Seus cadernos da escola, o espelho de seus quartos, seus brinquedos, móveis, paredes... para as mais travessas, até os carros de seus pais. Independentemente da escolha, havia um adesivo ali que caberia na intenção e deixaria as coisas mais bonitas.
Conhecia tantos detalhes certos sobre isso porque eu havia criado aquele livro com este exato objetivo.
Desde o design chamativo das capas, que ofereciam as opções de cor verde, amarela ou rosa vibrante, até toda a diversidade dos adesivos, a criação era toda minha, fruto de horas bem gastas nesta ideia que tive certa vez e que Kat imediatamente aprovou e financiou a impressão de cópias. Meses depois, a coisa ainda vendia surpreendentemente bem.
A capa que me encarava de volta agora era a da opção rosa e toda sua aparência que criei para ser alegre e apropriada para todas as idades, misturada à expressão de compaixão que Kat me oferecia, como se estivesse lidando com um dos animaizinhos que resgatava, estava me intimidando mais do que deveria pelo simples fato de que eu não estava entendendo sozinha o que diabos estava acontecendo.
E a aflição se provou necessária, quando minha amiga começou, ainda complacente em seu tom de voz:
— Alison, você fez sexo com Noah. — Abri a boca, mas ela levantou seu indicador fino e delicado no ar, para que não a interrompesse. — O Caleb, que era alguém que você queria muito que pelo menos te notasse no passado, simplesmente passou a fazer parte do seu dia a dia do nada, assim como o irmão dele, que mesmo sem levar em conta os anos de paixão platônica, te beijou, também do nada — relatou, cruzando suas pernas longas dentro das calças de brim, sua postura altiva, como se estivesse em apresentação em uma reunião de trabalho. No entanto, abriu um sorriso amigável, suas mãos buscando uma das minhas para oferecer conforto. — Amiga, tudo isso aconteceu logo antes ou durante este relacionamento com o qual você sonhou por toda sua vida, sendo simplesmente submetida à política de pegação zero quando se torna realidade! — Suas mãos finas apertaram carinhosamente a minha. — Qualquer um estaria surtando, meu amor.
E você, ainda mais, por conta da forma em que vivia antes e... da sua família também.
Desviei o olhar lembrando da minha adolescência deprimente a qual Kat conhecia bem, pois já havia lhe contado muito sobre. Era ao que se referia, mas, se tratando da minha família, eu não queria nem pensar no que ela queria dizer. Minhas suspeitas eram fortes e não me restaria uma centelha de estabilidade emocional se me aprofundasse nisso.
Senti suas mãos na minha de novo, chamando minha atenção.
— A questão é que você nunca precisou lidar com nada do gênero antes, Ali, mas agora tudo está te atingindo de uma vez! Quem pode te culpar por acabar se perdendo? Ninguém! E você mesma, principalmente, não deveria fazer isso consigo mesma.
Kat cessou suas palavras e eu... apenas não pude encontrar as minhas.
Tudo o que disse havia feito tanto sentido e, novamente, ela havia provado, com a minha realidade, de que eu não estava sendo justa comigo mesma.
Eu já me sentia melhor na minha própria pele apenas com isso. Somente uma única dúvida ainda ameaçava me assolar:
— E... o que eu faço com essa bagunça toda então?
Minha melhor amiga abriu o sorriso mais lindo do mundo, reuniu o livro de adesivos e o caderno em suas mãos e os estendeu para mim, numa oferta.
— Reanime-se e faça uso do que você tem de melhor: a sua criatividade....
¹. "Brisa de verão, me faz sentir bem...", verso de "Summer Breeze", da dupla Seals & Crofts.
². "Salvador(a)".
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Tudo o que Sonhei
RomantiekO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...