8.1 - Surpresa na manhã de domingo

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Alison

Não sou a pessoa mais exemplar quando se trata de acordar cedo, mas hoje, pleno domingo, às nove da manhã, eu já estava de pé e trabalhando a quase duas horas.
Agora estava ajoelhada, para ser mais exata, organizando brinquedos de borracha nas prateleiras inferiores de uma das repartições de animais da Heaven's.
Por Katrina acreditar que eu não deveria ajudar com estas funções básicas da loja, tecnicamente, eu não precisava estar aqui, porém, além de ter perdido o sono cedo demais, acordei sem disposição ou inspiração alguma para criar produtos. Ou seja: cinquenta por cento da minha vida, que era a arte e alguns hobbies que levava a sério demais, haviam decidido me abandonar. Mas não era a primeira vez que acontecia, então não estava muito preocupada com isso. Apenas sem ter o que fazer.
Evan não tentou falar comigo desde a briga com Caleb, a dois dias atrás, mesmo que, a essa altura, ele já soubesse que eu estava presente durante a coisa toda e que talvez tivesse ficado com alguma má impressão. Aparentemente, isso não estava fazendo diferença para ele e, depois da conversa com Caleb, eu já não estava mais exatamente irritada com seu comportamento, mas o descaso estava cuidando de esquentar as coisas na minha cabeça de novo.
Quanto ao próprio Caleb, conversamos pela manhã por mensagens e ele me assegurou que estava bem, "com certeza melhor do que antes", e ainda me chamou até sua casa, perguntando se podia tirar o dia hoje para ajudá-lo a assar e decorar bolos.
Não entendi, mas me pareceu divertido. Entretanto, eu era um desastre na cozinha, iria mais atrapalhá-lo do que qualquer outra coisa. E, além disso, precisava admitir que ainda sentia certo constrangimento em relação a impressão que posso ter passado no parque quando fiquei... olhando demais.
Fora que geralmente os meus fins de semana estavam reservados para Kat, como ela me pedia sempre que possível, pois os considerava sagrados para "poder passar um tempo com sua amiga sendo somente sua amiga, e não colega de trabalho". No entanto, desde que tentei convencê-la a sair com Blake, ela vem agindo um tanto evasiva comigo, se limitando sempre a dizer que está ocupada. Mas, provavelmente pelo "momento Spears" que tivemos um pouco antes de nos despedirmos no outro dia, eu não sentia que precisava ruminar muito em cima deste assunto.
O restante dos meus conhecidos estavam na minha cidade natal, a quilômetros de distância, e no trabalho, mas, apesar de gostar de todo mundo, eu não era realmente ligada a ninguém mais por aqui para convidar para ver um filme, ou algo assim. Fingir que analisava cores, tamanhos e qualidades de brinquedos para cachorros, dispondo-os nos espaços corretos, era a única ocupação que havia me restado para passar o dia — mesmo que as leis trabalhistas pudessem penalizar minha melhor amiga por eu estar aqui hoje.
"Só estou tentando me fazer útil!" — Manter este pensamento em loop era, literalmente, tudo o que tinha para disfarçar de teimosia este meu desespero deprimente por companhia.
Isso, pelo menos, até um par de coturnos aparecer na minha linha de visão.
— Está tentando enriquecer, gatinha? — Blake brincou e ofereceu a mão para me ajudar a levantar.
Não foi preciso.
Com uma praticidade e rapidez que não eram minhas, meio segundo depois eu já estava de pé, enlaçando sua cintura em meus braços.
A verdade era que já havia um perigo iminente de acabar abraçando até mesmo um cliente qualquer que viesse me pedir informação, ou algo do gênero, porque, assim como não era necessário muito para me abalar, um pouquinho de afeto já era mais do que suficiente para que pudesse me recompor e continuar com o meu dia, mesmo que arriscando um pouco da minha dignidade. Não que eu ligasse tanto para isso.
Mas, meu salvador imposto acabou sendo justamente a pessoa que, para mim, era digna de ser colocada num altar de adoração. Mais tarde, sabia que iria querer me chutar por ter agido de maneira tão imprópria e impulsiva, pois, mesmo que antes tivéssemos criado certa "intimidade", que envolveram até mais do que abraços, eram conexões que haviam partido dele. Eu mesma tomar uma atitude dessas era uma transgressão grave que não apenas resultaria em mim mesma me torturando mentalmente por profaná-lo com minha falta de controle, como também poderia acabar o aborrecendo, o que seria deplorável!
Contudo, agora, toda esta baboseira do meu exagero fanático não teve a mínima voz, pois Blake sequer hesitou antes de me segurar contra si com a mesma vontade.
Os braços grandes a minha volta, o algodão macio do moletom que vestia seu tronco contra o lado do meu rosto, o queixo apoiado no topo da minha cabeça... parecia que nada mais além dele existia, todo o seu tamanho e conforto cobrindo as interferências externas, quaisquer que fossem, e calando minhas próprias perturbações. Tudo o que eu precisava e ainda mais.
Muuuuito mais...
Respirei fundo contra o cheiro suave dele e de suas roupas limpas, sorrindo pela primeira vez no dia.
— Alguém está alegre hoje... — O ouvi murmurar, plantando um beijo casto contra meu cabelo logo depois.
Agora eu estava.
Mas me forcei a soltá-lo, com certa relutância.
Hoje ele me parecia atraente como sempre, mas... apenas porque eu conhecia muito bem as suas formas e trejeitos para saber que era ele. Vestindo calças de exercício, um casaco pesado e fechado, boné preto e óculos escuros, Blake não estava exatamente reconhecível. Com exceção do calçado, todo o resto parecia ter sido escolhido com o intuito de não chamar atenção e destoar das camisetas de banda e calças jeans que costumava usar, segundo o que as fotos na internet mostravam. Me perguntei se sempre se escondia assim quando saía em público, ou se era apenas por conta de sua "condição atual".
— Desculpe... — pedi, percebendo que estava encarando demais. — Como está?
— De bom humor... Muito bom humor. — Minhas sobrancelhas foram parar na testa com sua resposta e ele sorriu, dando de ombros. — Pois é, ninguém está mais surpreso do que eu. — Seus olhos correram por meu rosto por um segundo. — Queria conversar um pouco, mas... agora você está ocupada, não é? Que horas você sai? Posso te encontrar mais tarde?
Não pude evitar sentir certa surpresa. Se alguém me perguntasse, poderia dizer que "Blake Lowell quer se encontrar comigo mais tarde". Isso seria insano!
Não será, na verdade, porque eu não ficaria aqui para alguém questionar. Minha ansiedade não me permitiria adiar essa conversa nem se tivesse mesmo que trabalhar hoje!
— Na verdade estou saindo agora! — respondi rápido demais, já me abaixando para jogar os últimos brinquedos de maneira desordenada nas cestas de disposição das prateleiras. Era assim que Kat vivia dizendo aos funcionários que podiam fazer, na verdade, para facilitarem as próprias vidas, mas meus maneirismos não me permitiam não perder tempo organizando.
Normalmente.
Me endireitei sorrindo, mas franzi o cenho quando ele retribuiu e eu não consegui ver seus olhos.
— Quer ir para outro lugar? Onde você possa ficar mais... — Gesticulei, indicando suas roupas. — Menos disfarçado?
— Claro, tô um pouco sufocado mesmo, obrigado. — Sua mão segurou a minha casualmente.
— Não conheço muita coisa pra esse lado da cidade, onde você sugere?
Minha boca caiu um pouco aberta e meu coração palpitou, quando tirei alguns segundos para admirar a mão grande e tatuada cobrindo a minha, pequena perto da sua, parecendo quase infantil, pelas unhas coloridas. O contraste me agradou um pouco demais.
— O meu loft, pode ser? — sugeri, depois de alguns segundos. — É bem perto.
Deu um sorriso de canto, parecendo se interessar.
— Ótima ideia. Mas o quão perto é? Só pra saber se vou precisar tirar meu carro do estacionamento daqui.
— Pode deixar... É realmente perto.
Sorri, apontando para o teto alto da Heaven's.

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