Alison
Nunca gostei muito de praias.
Toda a areia grudenta por conta da água, a água suja por conta da areia, o ar carregado por ambas... se estiver frio ou chovendo, não há muito o que fazer, e quando há sol, que é quando a maioria das pessoas mais as aproveita, eu só... acho demais.
Quente demais, pesado demais, exaustivo demais!
Porém, desde pequena, nas vezes em que quis pintar paisagens bonitas, por puro tédio ou sei lá o quê, sempre me via voltando a retratar praias. Talvez por estar acostumada a visitá-las, minhas pinturas de praias sempre saíam mais vistosas, coloridas, detalhadas... a maioria provavelmente estava até hoje juntando poeira nas casas de variados familiares e parentes que se apaixonaram perdidamente por elas.
Eu sentia certo apreço quando me deparava com estas pinturas novamente, mas nada tão intenso. Acho que a sensação é a mesma de quando tinha meus oito ou nove anos de idade e comecei a me interessar em arte de maneira mais séria: eu gostava de saber que tinha chegado até aquele ponto, mas sabia que o resultado poderia ser melhor, então não ficava cem por cento satisfeita. Era o que acontecia com os quadros de praias, eles apenas nunca eram bons o suficiente para mim.
Olhando para o rascunho da vez, no entanto, eu sabia que este padrão estava prestes a mudar.
Os traços feitos as pressas em minhas mãos representavam dois coqueiros altos e de aparência antiga, a quantidade inconveniente de pessoas e seus lixos urbanos espalhados pela areia ao longe, o céu, que não estava muito ensolarado esta tarde, e, claro, o mar, preguiçoso demais para formar ondas realmente dignas de me inspirar a camuflar com tinta mais tarde, a falta de alegria no cenário em geral.
Olhei para acima do caderno, vendo o cenário quase que idêntico e realmente confirmando que esta era a praia mais feia que eu já vi. O que era perfeito!
Caleb, cochilando entre os dois coqueiros numa rede de tarrafa, equilibrava absolutamente tudo.
Mesmo no esboço, ele era o ápice necessário da beleza e, meu Deus, eu estava mesmo apaixonada por ele...
Eu nunca tinha certeza se estava, até colocar meus olhos nele novamente e no quanto ele era encantador, e assim me certificar.
O mero esboço dele me fazia suspirar e não há nada que obtenha sobre mim um impacto maior do que el...
"Ordinary World" começou a tocar abafado e, num só impulso, eu larguei o caderno ao meu lado para procurar meu celular dentro da bolsa.
Algumas remexidas desesperadas entre pedaços de papel, lápis, canetas, peças de biquíni e tubos de protetor solar e logo o alcancei a tempo.
Olhei para a tela, esperançosa e...
— Ah, oi, mãe.
— Olá, querida! Eu estou ótima, e você?! — seu tom deixou claro que captou muito bem o desânimo no meu.
— Desculpa, eu pensei... — fechei os olhos, desistindo. — Eu estou bem, mãe, obrigada.
Senti sua hesitação do outro lado da linha.
— Evan? — ...Não. Precisava admitir pelo menos para mim mesma que não era para Evan que minha mente ia quando ouvia "Ordinary World". Mas nunca vocalizaria este fato, seja para quem fosse.
Entretanto, a simples menção de Evan fez meu coração doer, então havia, sim, o seu efeito.
— Falei com ele ontem de manhã. Ele estava ocupado com o trabalho, então conversei mais com tio Gerry. — comentei, ao invés de elaborar minhas dores por saber que ele só não estava querendo trocar mais do que cinco palavras comigo.
— Oh, e como ele está? Preciso visitá-lo de novo, já faz mais de uma semana. Ele parecia tão fraco... fisicamente apenas, porque sua personalidade ainda era a de um leão!
— É, isso com certeza não enfraquece. — Abri um sorriso triste. — Estava o leão de sempre.
Mas admitiu pra mim que está nervoso com a cirurgia e fazendo o máximo para não passar isso pra família. Mas foi tudo o que disse sobre isso.
— Ele não quis conversar mais com você? — estranhou.
— Ah, quis até demais! Foram vinte e cinco minutos de conversa para se preocupar comigo e falar mal de Evan, dizendo que era dele a culpa, e da aliança que ele ainda não me deu, eu estar hoje precisando "jogar dinheiro pelo mundo, só para me manter afastada" — repeti as palavras autoritárias.
— Ah... ele ainda não sabe do "gatinho dos sonhos digno de confiança" que está com você? — foi como mamãe decidiu se referir a Caleb, já que eu estava evitando lhe dizer o nome dele.
— Não, não tive coragem de contar pra ele e acho que Evan também não — reconheci, encarando os banhistas a distância com certo pesar. — É um dos sonhos de vida dele nos ver casados e felizes. Vamos esperar até que se cure bem para tocar no assunto.
Mamãe liberou um longo suspiro.
— Então vai mesmo ser necessário tocar no assunto... uau! Confesso que eu também esperava que esse casamento acontecesse — disse mais para si mesma, o que me deixou um tanto quanto aliviada. Independente de como se sentisse com a novidade, ela não estava me repreendendo por isso. Não que eu estivesse esperando que fosse.
— Ah, mãe... — Percebi, de repente, que Caleb não estava mais na rede. — Tanto Evan quanto eu estamos diferentes. Nossas prioridades também mudaram... não sei mais o que te dizer. — Olhei em volta, tentando localizá-lo.
— Não precisa dizer nada, meu bem. Só quero sua felicidade, onde e com quem estiver.
— Obrigada, mãe.
Olhei para mais alguns lados e lá estava ele!... Muito empenhado numa conversa bem próxima com um surfista. Mas é claro...
— E como estão indo as coisas com... as suas novas prioridades? Estão se cuidando?... Alguma chance de, de repente, vocês fazerem uma parada nas praias daqui antes de voltarem pra Nova York?
— Não sei se posso apresentá-lo tão cedo — determinei, sabendo que era isso que estava perguntando, na verdade. — Não até passarmos um tempo sozinhos, em casa. Uma coisa de cada vez.
Até porque, não era como se eu pudesse me aproximar de Caleb agora, interromper o flerte descarado dele com o tal surfista e apenas anunciar "Ei, adivinha só? Minha mãe quer te conhecer!".
Os olhos dele se encontraram com os meus ao longe e seu sorriso diminuiu para sem graça por um instante, mas logo voltou ao que fazia.
Tudo bem. Novamente, éramos casuais! Assim que funcionávamos... por enquanto.
— Eu entendo. Mas, e quanto a você, sozinha? Quando vai aparecer por aqui? Seus irmãos vivem falando sobre isso, combinar um almoço com a família toda reunida... Eu até cozinharia, se você fizesse o milagre de aparecer.
Sim, mamãe cozinharia e, fosse o que fosse, seria uma iguaria de outro mundo, porque, mesmo que não tivesse o costume, este era simplesmente um talento natural dela. Mas eu não conseguiria dar mais do que três garfadas sob os comentários venenosos de vovó Antonia sobre minhas "gorduras localizadas".
Agora solteira, sem a presença de Evan ainda por cima?! Nossa, ela me derreteria viva com sua acidez!
— Depois que eu voltar, mãe — decidi, no entanto. — Vou ter alguns projetos para atualizar pra Kat, vou ajudá-la com a festa do Preto e Branco, e aí tentar tirar mais alguns dias de folga, mas não prometo nada.
— Ok, meu amor, vou fingir que acredito. Até porque nós duas sabemos que esta não é a primeira ou última vez que toco no assunto. — Revirei os olhos, rindo um pouco com ela. — Sabe quem também está sempre perguntando de você? Você não vai acreditar...
— Quem? — Não diga "a vovó", não diga "a vovó", não diga "a vovó"...
— Meus alunos da segunda série. Quero dizer, agora eles já estão na quarta, mas ainda assim...
— Caramba, eles ainda se lembram de mim? — Franzi as sobrancelhas, tanto estranhando a novidade, quanto Caleb, que havia deixado o surfista de lado e agora estava se afastando para a estrada enquanto olhava para todos os lados. O que ele estava procurando?
— Todos eles, inclusive os mais preguiçosos. Ninguém nunca os ensinou com tanta facilidade como desenhar aqueles papagaios e borboletas realistas. Até hoje ainda os pego rabiscando versões menores nos cantos dos cadernos.
— Legal... que bom que eles ainda se lembram... — Me levantei quando Caleb acenou para mim, com uma expressão preocupada. — Quando as aulas retornarem, vou tirar um dia para visitá-los na escola também, se for possível.
— Ótimo, eles vão ficar muito felizes!
— Sim... escuta, mãe, a gente pode continuar esta conversa mais tarde? Acho que meu companheiro de viagem está precisando de ajuda com algo.
— Ah... algum problema?
— Acho que nada sério... vou descobrir.
— Ok. Se precisar de alguma coisa, me avise. E tome cuidado, meu amor. Por favor. E me ligue, independentemente — soou apreensiva.
— Vou ligar, mãe. Não se preocupe. Até mais, beijo.
— Um beijo, querida. Até.
Agachei rapidamente para coletar minha bolsa e meu caderno de rascunhos, largado na areia, e logo já estava andando até Caleb, estapeando a mim e as minhas coisas freneticamente, tentando me limpar.
Ele acabou me encontrando no meio do caminho, estampando um leve sorriso no rosto, porém os vincos em sua testa estavam profundos demais para que eu acreditasse que estava conseguindo achar graça em alguma coisa.
Eu ofereci uma expressão otimista, no entanto, torcendo pelo melhor.
Caleb mordiscou o lábio inferior, parecendo refletir profundamente por poucos segundos, até que apenas revelou:
— Meu carro sumiu.
Pisquei três vezes, fixada nele.
— Como assim?
— Eu estacionei lá — apontou para a calçada —, bem próximo a guia e dos banheiros químicos, lembra?... Agora já não está mais lá. — Forçou um sorriso preocupado e eu olhei para onde apontou, realmente não encontrando o seu Dodge esportivo ou qualquer outro carro por lá.
No entanto, o feriado de quatro de julho já havia passado e o fim de semana estava acabando, então não era incomum que a maioria das pessoas já estivessem de partida.
Mas nós ainda estávamos aqui.
— Você foi guinchado... Será? — Negou com a cabeça, seus cabelos, sem nenhum tipo de produto fixador, balançando livremente na brisa quente da praia.
— O espaço é reservado para estacionar, Ali... não teria porquê.
— Ai, não, então...
— Sim... roubado. — Mais um show de fios sedosos se agitando, desta vez em concordância.
Não deixava de ser adorável, mesmo nestas circunstâncias.
— Ok... seu celular está com você...? — Ele assentiu. — O meu está comigo, assim como nossas carteiras e documentos, então menos este problema. — Alisei minha bolsa pendurada no ombro, me certificando também do paradeiro do meu cubo-músico-mágico. As duas mochilas com nossas poucas roupas estavam nas tendas de guarda-volumes, então... essencialmente, tudo o que tinham levado junto com o carro era nossa barraca desarmada. Respirei aliviada.
— O roubo não deve ter ocorrido a tanto tempo, nós estamos aqui a poucas horas. Acho que se você for na delegacia mais próxima e reportar, eles podem recuperá-lo.
— É, eu... acho que sim. Talvez. Vou fazer isso... — Caleb coçou a cabeça, não parecendo lá muito seguro. — O problema é que isso pode levar horas... isso se conseguirem encontrá-lo. Nós precisamos do carro pra voltar.
— Sim, mas essas coisas acontecem. É um imprevisto, mas acho que podemos passar mais uma noite em um hotel, se necessário.
— Sim, mas, Ali, é que... acho que você não se lembra... — murmurou entredentes. — A nova proposta, lembra? A que nos impediu de viajar para Ibiza agora.
— Ai, meu Deus, é mesmo! — Esfreguei minha testa.
— Sim... por isso disse que precisávamos voltar hoje à noite. A entrevista oficial é amanhã, no almoço e... hoje também tem aquela outra coisa...
— Sem problemas. A gente explica a situação para a polícia, ajuda com o que pode, você vai embora para a sua entrevista e eu fico para acompanhar a procura do seu carro. Amanhã, se necessário, você volta. Pode ser exaustivo, mas...
— Não, não, tudo bem, era mais ou menos nisso que eu estava pensando também. Eu só... — Fechou os olhos, suspirando. — Eu adoro aquele carro, você sabe... É besteira pensar assim, mas...
— Não é besteira. — Busquei por sua mão, o confortando. — É sua propriedade, ninguém pode te culpar por se importar.
— Foi a primeira coisa que eu comprei com meu próprio dinheiro... ainda na faculdade — lamentou sem mais disfarces e eu acariciei o dorso de sua mão.
— Eu entendo, querido... vamos fazer de tudo para recuperá-lo. — Ofereci um sorriso solidário, o qual ele respondeu com um aceno desanimado. — Qual o primeiro passo? Ir à polícia, certo?
— Ahm, sim, mas... eu já mandei mensagem pro Blake primeiro, ele está vindo nos buscar. — Minha mão congelou os movimentos na dele.
— Blake está vindo pra cá? — a pergunta que já tinha resposta saiu baixa, quase que em um sopro.
— Ele já está aqui em Atlantic, na verdade. Ele me avisou que teria de vir ontem, para resolver uma pendência com um estúdio televisivo e, enfim... Vou falar com a polícia agora, mas tô ansioso para que chegue logo, ele sempre sabe como agir melhor neste tipo de situação.
— Oh... — Era até onde minha capacidade de fala alcançava. Ainda estava tentando processar toda a possibilidade de ver Blake de novo, duas semanas e mais alguns dias depois daquele nosso último "momento desconfortável".
Parecia ter acontecido anos atrás... tudo o que soube dele desde então eram comentários ocasionais vindos de Caleb, que, de propósito ou não, nunca se aprofundava, e, claro, notícias em sites de fofoca, que vinham publicando incansavelmente fotos deslumbrantes dele ao lado da "nova namorada".
Ou seja, Katrina.
Ela eu tenho certeza que não comentava absolutamente nada sobre o assunto de propósito, nas vezes em que nos falamos. E eu não perguntava.
Até onde ela sabia, eu estava completamente fora da internet, em geral, porque queria aproveitar minhas férias ao máximo.
Nunca disse isso para ela, mas foi o que assumiu e eu permiti. Não estava pronta para conversar com ela sobre aquela foto minha agarrando seu novo namorado que viralizou no Facebook e, a esta altura, sabe-se lá onde mais.
Fora toda esta idealização inconvencional de romance com Caleb, não estava pronta para encarar absolutamente nada da vida real.
— Eu falei pra ele vir pra cá, mas vou ter que ir até a polícia agora. Tudo bem você ficar aqui o esperando aparecer? — Não, não, não! Não está tudo bem! Você não estava me ouvindo pensar?!
— Ahm, claro. Eu espero. — Forcei um sorrisinho amarelo.
— Ele já estava praticamente dentro do carro quando desligamos, então não deve demorar tanto.
Talvez eu já esteja de volta até ele aparecer.
— Sim... tudo bem.
Caleb abriu um pequeno e doce sorriso, me segurando brevemente pelo queixo.
— Você é a melhor. Obrigado. — Plantou um beijo terno no canto da minha boca, mas infelizmente eu ainda estava um pouco afetada pela situação para sentir o friozinho gostoso na barriga de sempre. — Qualquer coisa me ligue ou mande mensagem, vou estar de olho no celular o tempo todo. Até depois.
— Até... — sussurrei tarde demais, para as costas da camisa florida que usava, voando aberta com o vento.
Uns bons cinco minutos se passaram depois que Caleb sumiu da minha vista e eu decidi que precisava sair do transe.
Estava acontecendo, não adianta. Uma hora ou outra teria de acontecer, eu teria de ver Blake de novo.
O que não era necessariamente ruim... nunca havia sido, fala sério, era o Blake Lowell!
Yes, sim... era ele...!
Bom, pelo menos hoje era dia cinco de julho, o que era um quebra-gelos perfeito para encarar Blake. E eu estava mesmo me perguntando o que faria nesta data, porque algo tinha que ser feito.
Engoli em seco e caminhei até os bancos na calçada da praia.
Abri novamente meu caderno, que ainda precisava ser sacudido, e era isto: ia desenhar. Era o que eu fazia de melhor.
Isso e não demonstrar que minha mente estava espiralando em colapso.
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Tudo o que Sonhei
RomanceO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...