20.1 - O outro lado da moeda

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Algumas horas atrás...

Blake

— Então... estamos indo para minha casa?
A sugestão pairou tensa no ar, mas o sorriso que meus olhos enxergaram no rosto de Katrina era despreocupado e... lascivo.
— Ahm, eu... — Não tinha resposta alguma.
Sua palma aberta pousou no meu bíceps, os dedos deslizando lentamente até o pulso. O olhar, que não carregava uma centelha de hesitação, continuou firme no meu, quando lambeu seu lábio inferior.
— A gente se deu tão bem até agora... não sente vontade de prolongar um pouco mais?
Na verdade, não.
Mas o fato era que realmente havíamos nos entendido muito bem até este ponto, conversando sobre a necessidade dela de companhia em uma causa nobre, sobre a exposição magnífica de hoje do meu irmão, sobre a amizade instantânea entre eles e sobre variados outros assuntos que, de alguma forma, eram de comum interesse entre um par de estranhos.
Porque era tudo o que éramos, mesmo com o quão naturalmente a conversa vindo fluindo nas últimas horas. E isso era um tanto quanto raro para mim, mesmo em boas noites. No entanto, Katrina havia brotado na minha frente, falando e me instigando a responder por tanto tempo, que o meu ódio por festas até se anuviou em algum momento, ficando em segundo plano.
Ela é uma pessoa muito interessante, isso é um fato. Desde a família fodida, até o trabalho que havia se tornado seu mundo todo, não tinha como não lhe oferecer toda a atenção que quisesse, já que, por mais turbulenta que fosse sua vida, a simpatia com que divide isso com as pessoas torna qualquer interação mais cativante do que deveria.
E, lógico, eu não sou cego e muito menos um robô, eu posso ver que ela é impressionantemente linda e não sou imune a todas as suas curvas. Tanto as de seus sorrisos charmosos, quanto a...
todas as outras.
Uma mulher tão bonita assim, que só desabrochava ainda mais nesta personalidade de ouro? Eu com certeza iria adorar ir pra casa com ela! Iria adorar fazer tudo com ela, por esta noite, na manhã seguinte e todas as próximas que se seguiriam, formando, talvez, a estabilidade que eu tanto procurava.
Isso, claro, se eu tivesse conseguido parar de pensar em uma outra certa pessoa durante todo este tempo. O que não aconteceu. Nem por um segundo.
A tentação em forma de mulher estava aqui, estagnada comigo na parte mais neutra de uma festa a qual eu não queria estar, dedicando-se somente a mim e ao meu ego pelas últimas horas e minha boca estava lhe respondendo, mas meus olhos apenas não podiam deixar de procurar em volta em toda santa oportunidade que tiveram. Mas ainda assim Katrina continuava aqui, agora com seu belo olhar firmado por excesso de confiança e.... como qualquer um poderia lhe dizer "não"? A sensação era de estar cometendo algum pecado.
Mas o "sim" era um ponto sem retorno e, principalmente por isso, ele também não viria com facilidade. Meu silêncio, então, se estendeu justamente pela falta de respostas.
E foi aí que, sem mover um só músculo facial, de alguma forma, a expressão de Katrina se suavizou para genuíno contentamento.
— Eu sabia que você não iria me decepcionar.
— Ahm...? — comecei novamente, mas tudo se calou, incluindo minha desordem mental, quando seus braços esguios circundaram meus ombros num abraço muito caloroso. Do tipo que você oferece a alguém que sentiu muito a falta ou que... esperou muito para encontrar.
Definitivamente, não a alguém que estava rejeitando seus avanços sexuais.
Katrina se afastou, estudando meu rosto ainda pasmo, com os seus olhos ainda alegres.
— Eu queria tanto ser como você. Tão... transparente! — Uma centelha de desânimo correu por trás de seu sorriso. — Como você faz isso? Como diz tudo sem precisar dizer nada?
Engoli a confusão em seco, antes de finalmente conseguir perguntar:
— O que, exatamente, você acha que estou dizendo?
— Acho que está confirmando o que eu já suspeitava! E isso é ótimo... Alison é ótima. — Meus olhos voaram surpresos até os seus. Katrina apenas assentiu, apontando para o meu rosto. — É disso que estou falando... ela é ótima e precisa exatamente disso: essa certeza gritante! Para que nenhuma dúvida nunca perdure sobre o quanto ela é ótima. E sobre o quanto você gosta dela.
Minha visão caiu para os meus pés, a deprimência me acometendo quando não consegui evitar lembrar do que quase havia acontecido a apenas algumas horas atrás, naquele beco. Se eu fosse tão transparente assim como ela estava dizendo, minha noite definitivamente estaria se desenrolando de maneira bem diferente.
Aliás, já que estamos nesse ponto, desde o primeiro momento... será que fui vago demais sobre minhas intenções? Era este o problema?
— Alison é ótima, mas também teimosa — Katrina pareceu não apenas ouvir, como também responder aos meus pensamentos diretamente. — Vai por mim, eu acabei de confirmar: você não poderia estar sendo mais claro.
Meus ombros caíram, aquele constante aperto no peito novamente mostrando que podia sempre se intensificar ainda mais.
— Bom, acho que isso determina então. — Desviei meu olhar desconfortável até as pessoas embriagadas ao longe, sem realmente enxergá-las. — Se está tão óbvio assim e ela continua a se afastar, eu deveria só... desistir.
A ouvi respirar fundo, escorando-se na árvore novamente ao meu lado, onde esteve antes.
— Na verdade isso só depende da sua paciência. — Suspirou de novo. — Porque, de verdade, você está fazendo tudo certo. Só precisa continuar com isso até que as coisas se ajeitem com ela.
— Eu não tenho tanta certeza disso. Às vezes não parece ser o que ela quer — confessei, depois de alguns segundos. A minha cabeça só não parava de repassar a memória de que eu literalmente disse que ela poderia tudo comigo e Alison ainda escolheu se afastar. Escolheu não me beijar, como eu estava louco para que fizesse.
Mas Katrina tinha uma outra perspectiva a oferecer:
— É mais do que querer, ela sonha com isso e você sempre pode ter certeza disso. — Sorriu de canto, me estudando por inteiro. — Todo este amor aí dentro? Não tem como ela esquecer que isso existe por qualquer outra pessoa. Ela está vendo, mas escolhe ignorar porque, bem... você é o Blake Lowell. "Não tem como isso acontecer". — Fez aspas no ar, mas somente com o seu revirar de olhos já estava mais do que óbvio que estas palavras não eram suas. — Alison não vai conseguir te ignorar para sempre, então, sério, só tenha um pouco de paciência! Vai por mim:
Ela vale todo o tempo, todo o esforço e todos estes seus sentimentos explícitos.
Exalei uma sôfrega respiração. Pode soar estúpido ou desesperado, mas eu estaria mentindo se apenas isso já não tivesse sido o suficiente para me reconfortar pelo menos um pouco. A esta altura, eu estava me apegando a qualquer coisa.
— Obrigado... acho que ouvir isso de você significa muito.
Franziu suas sobrancelhas loiras em confusão.
— Por quê?
Dei de ombros.
— Porque me dá certa esperança, eu acho... Você é a melhor amiga, não é?
— Ah, sim. Verdade. — Piscou, quando a clareza a atingiu. — Isso eu sou mesmo.
— Pensou que eu estava falando sobre o quê?
Expirou uma risada sem graça.
— Sobre a minha capacidade de expressar meus sentimentos, ou algo igualmente específico. — Balançou a cabeça negando os próprios pensamentos. — Por isso disse que queria ser como você, não sou nem um pouco boa nessas partes.
— Sério? — Para ela notar isso ao ponto de enfatizar para as outras pessoas, a coisa realmente deveria ser séria. Agitou a cabeça confirmando.
— Sou péssima! — Lançou um triste olhar para o chão e lá ele permaneceu. — A pessoa em quem eu não paro de pensar provavelmente acha que eu o julgo, ou algo assim... É o que parece.
— Abriu um sorriso triste para mim. — É o que as pessoas sempre esperam que eu faça, por algum motivo: julgar. Você, provavelmente, entende isso.
— Eu entendo — confirmei sem sequer precisar pensar. — Pessoas bonitas, problemas bonitos.¹ — Era o que dizia alguma das músicas que minha mãe vinha ouvindo ultimamente.
Ela assentiu, o último resquício do sorriso genérico, enfim, desvanecendo de vez.
Esta acabou por ser a minha vez de lhe envolver os ombros com um só braço, devolvendo o gesto de compaixão. Pouco tempo depois, decidimos realmente ir embora.
Cada um para sua devida casa, com suas próprias compreensões em relação ao outro e as devidas dores sobre si mesmos.
Pelo excesso de coincidências, e também porque tudo no universo, aparentemente, nos exigia pelos menos isso... talvez hoje eu tenha feito uma amizade.

...

¹. "Beautiful People, Beautiful Problems", música da Lana Del Rey e da Stevie Nicks.

Tudo o que SonheiOnde histórias criam vida. Descubra agora