11.2 - Amizades despretensiosas

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Caleb

— Ai, meu Deus, Caleb! Elas estão lindas!
E eu tive que concordar. Mas não fiz isso em voz alta, pois Alison estava falando das fotos que via em meu notebook em seu colo, seu polegar passando pelo quadrado do mouse com admiração, às vezes se apoderando dos cliques para o zoom.
Sim, depois de todo o trabalho e estresse dos últimos dias, minhas fotos haviam ficado geniais com tempo de sobra e me faltava modéstia para negar isso. Mas eram os dois pares de pernas nuas a minha frente que no momento tinham minha atenção.
Era perto das oito da noite, Alison e Katrina estavam tendo uma espécie de festa do pijama, pelo o que pude julgar pelos potes de sorvetes vazios na mesa de centro, junto de produtos de beleza, que também se encontravam em demasia infundada nos rostos das duas, o Animal Crossing em stand-by na televisão e também pela voz de Taylor Swift que, em alguma caixinha de som ao fundo, cantava saber que alguém era problema.
Vamos apenas colocar desta maneira: Eu não fazia ideia do porque tinha sido convidado.
No entanto, o apelo visual dessas duas, à vontade em suas roupas curtas, estava causando coisas em minhas calças que não exatamente me deixavam reclamar.
Mas eu precisava parar. Por mais que a discrepância de belezas a minha frente fosse meio que um afrodisíaco para o pervertido descontrolado que posso ser, eu já havia acordado comigo mesmo que ambas estavam fora dos limites e era isso que vinha repetindo para mim mesmo internamente.
Entretanto era simplesmente divertido de analisar, de maneira superficial ou não.
Katrina estava agora, admirando com orgulho superior o trabalho que havia me ajudado a terminar, com um sorriso torto e calmo, enquanto Alison mal podia conter a empolgação, chegando a pular em seu assento no sofá feito uma criança na manhã de Natal. Chegava a ser bonito de se ver! A forma como essas duas se complementavam, ainda que fossem totalmente interessantes por si mesmas, era... realmente admirável.
Como seria ter uma amizade assim? Tão... despretensiosa?
— Os créditos deveriam ir mais para Kat — comentei finalmente, fazendo-as me olharem por um momento. — Ela foi quem montou a coisa toda, eu só apertei um botão na minha câmera.
Ok, ainda havia esta modéstia.
— Eu só fiz o que você me disse para fazer, bobão. Pode parar de charminho! — Cutucou meu joelho com o pé. — Isso aqui vai te dar uma notoriedade excelente.
Uni as mãos como se estivesse rezando por suas palavras, pois meus sonhos para o futuro acabaram sendo divididos em meio as nossas conversas de ontem, e notei quando Alison olhou de sua amiga para mim e depois de volta para Kat.
— Ainda não entendi muito bem como isso aconteceu...
— Não tem "isso"! Nada aconteceu — Katrina se apressou a explicar. — E eu te disse: fui na casa dele ontem para tentar ter uma conversa normal com Blake antes de realmente considerar partir para toda esta estranheza que você queria arranjar.
— É, Alison, eu sou um mero efeito colateral! — brinquei, colocando as mãos atrás da cabeça e reclinando deitado no bean bag atrás de mim.
— Um efeito colateral surpreendentemente amigável, diga-se de passagem. — Kat sorriu para mim. — Admito que te julguei mal no começo, você é bem legal.
— Eu disse que era! — exclamou Alison, com esperteza.
— Não, por favor, eu tenho que manter a reputação de cafajeste. Não me rotulem como um "cara legal"! — discordei somente para provocá-las. E não porque o elogio infrequente me deixou sem graça, de jeito nenhum!
— Não, ninguém suporta estes supostos "caras legais" também. Só não seja um escroto e estaremos bem! — Kat impôs em tom jocoso e eu apenas dei risada, agradecendo à impossibilidade dela ter acesso ao que se passava na minha cabeça. Ela me levaria a sério demais se soubesse.
— Sim, exatamente. Minha casa, expulsão dela. — Alison riu, fechando a tela do computador e estendendo-o de volta para mim. — Ok, isso com certeza vai ser um sucesso! Não sei de onde veio esta ideia exatamente, mas eu entendi sua intenção com ela e os resultados ficaram ótimos.
Parabéns, você vai arrasar!
Mantive meus olhos na mochila onde guardava meu notebook, ignorando o leve calor em meu rosto e me esforçando para não sorrir demais.
— Obrigado... você vai na exposição, não é? Se estiver tudo certo, vai ser no sábado.
— Claro que sim! Eu procuro nunca perder estes eventos, quando eles são abertos ao público. Adoro arte independente! Você provavelmente me veria lá mesmo sem um convite — gesticulou, em desdém fingido. — Além disso, Kat me contou que está planejando encontrar com Blake "casualmente" lá. — Fez aspas com os dedos. — Eu não perderia isso por nada!
— Por quê? — Arqueei uma sobrancelha, curioso ao ponto de decidir, inconscientemente, não acrescentar que, "por questões familiares", era provável que Blake não estivesse por lá.
— Porque é o início de um romance! Eu preciso ver a química nascer! — explicou com entusiasmo e Kat rolou suas pupilas verdes, cruzando os braços.
— Já cansei de discutir sobre isso...
— Então não discuta! — resolveu Alison e eu apenas fiz rir da cara emburrada de Katrina.
Quando as duas me chamaram juntas, literalmente, por chamada de vídeo para aparecer aqui no loft de Alison, preciso confessar que já cheguei com a intenção de ir embora rápido. Não porque houvesse algo de errado com o local ou com as companhias — mais uma vez, a visão não era de se reclamar —, mas a questão era que eu já havia feito minha mente de que utilizaria este final de noite apenas para reparos ou alterações finais na edições das fotos e, principalmente, para me concentrar em acalmar os nervos e não estragar tudo na reunião de amanhã.
Sim, eu já havia vencido, a exposição iria ocorrer e a oportunidade de um avanço na carreira era estável e promissora demais, então era exatamente por isso que eu precisava não vacilar em absolutamente nada! De modo geral, tenho esperado por algo assim desde antes da faculdade. Não havia espaço para mais contratempos.
Mas, Alison pediu pizza. E algum tipo de "dança maluca"¹ começou a acontecer do nada, assim que "Gimme More"² começou a tocar e as duas começaram a pular pelos lados do tapete laranja da sala. Estava satisfeito só em continuar assistindo e observando a agitação hilária, ainda relaxado no bean bag do canto da sala, mas elas continuaram gritando e me puxando para a bagunça e, foda-se, eu estava contagiado!
Meus Nikes se tornaram pesados demais em um momento, então os soltei em algum canto. A mobília foi arrastada para abrir espaço, mas, assim que Katrina lembrou do horário em tempo real em seu jogo, ela puxou uma almofada para frente da TV e se sentou nela, começando a jogar.  Duas músicas depois, Alison e eu descobrimos, com muita alegria e entusiasmo, que ambos sabíamos de cor a letra de "Blinding Lights"³ e foi nisso, e em uma coreografia improvisada surpreendentemente harmônica, que nos concentramos, até a música acabar e os dois cairmos na risada sem nenhum motivo aparente.
Estávamos abraçados um ao outro, recuperando o fôlego e tossindo ainda alegres, até que ela gritou:
— Ah, eu quero jogar! — E me arrastou até o Mario Kart na TV com Kat.
O pensamento não me passou pela cabeça em nenhum momento, mas a sensação de que isto tudo não era aquela coisa de sempre perdurou em mim.  Eu não estava caçando pela "presa da noite", não queria chamar a atenção de ninguém com nenhum flerte ensaiado e não estava procurando ninguém que chamasse a minha. Se não envolvesse trabalho, era apenas por estas casualidades que eu saía de casa, mas desta vez eu só estava ... me divertindo.
E isto era uma primeira vez sem a necessidade da participação de, pelo menos, uma garrafa de cerveja. Sabia disso porque Katrina me disse que poderia roubar algumas do estoque da própria loja no prédio ao lado, mas a ideia não me animou nem um pouco, porque eu não queria que ela saísse. Ou Alison. E eu também não queria ir, a lugar algum.
Quando precisei ir, no entanto, porque, assim que acabamos de assistir Truque de Mestre, notei que a meia-noite já se aproximava, eu fui mais relaxado e contente do que jamais poderia estar se estivesse sozinho.
Estava saindo de uma casa com duas mulheres lindas as quais eu não toquei e... não posso dizer que estava frustrado por isso.
Era isso, aparentemente — refleti comigo mesmo. — Assim eram as amizades despretensiosas.

...

¹. "Dança Maluca" - referência ao seriado de TV infantil "iCarly".
². Música da Britney Spears.
³. Música do The Weeknd.

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