Caleb
Havia uma razão simples para eu ter decidido me mudar para Nova York depois que me tornei adulto: a cidade atende a todas as necessidades.
Aqui mesmo estudei, me formei, consegui várias oportunidades de trabalho ainda como iniciante, e todas bem perto da minha casa. Espaços sociais e de lazer também sempre estiveram bem acessíveis, como exigia a agitação da cidade e, claro, haviam muitos parques também, os quais eu vinha frequentando cada vez mais em busca de certa calmaria. Era uma destas coisas que não sabemos que precisamos, mas que, quando conhecemos, não conseguimos mais viver sem.
Eu aparecia pelo menos uma vez a cada semana, corria, tomava um ar fresco e, quando o interesse batia, conhecia e conversava com pessoas diferentes que correspondiam até certo ponto, pois elas também respeitavam este limite de socializar, mas deixando cada um seguir com suas vidas sem muitas interferências.
Toda essa atmosfera estava sendo algo em especial para se apreciar no dia de hoje, porque, de todas as vezes nas últimas semanas em que convidei meu irmão super estrela do rock para se juntar a mim em algumas corridas, foi apenas esta manhã, quando ele finalmente aceitou, que me bateu a preocupação de que as coisas talvez pudessem não ser tão tranquilas em público com ele, como costumava ser antes de nossas próprias vidas atrapalharem essa rotina que dividíamos.
A vida de Blake não era mais apenas dele a muito tempo, os ocasionais olhares alongados e os celulares e cliques apontados para a nossa direção não me deixavam mentir. Mas, ainda dentro do meu amado bairro, com seus limites silenciosos, as interferências não passavam disso.
Quando o venci numa corrida amistosa até certo ponto no meio do parque onde estávamos, admito que parte de mim quis alguém por perto para me aplaudir, porque a sensação de vencer seu irmão em alguma coisa sempre será triunfante. O único problema era que meu irmão mais velho era do tipo que não apenas me deixava vencer, como também me aplaudia ele mesmo em sua própria derrota.
Me apoiei em meus joelhos, reclinado e respirando ofegante, mas logo me endireitei, fazendo um sinal para que parasse.
— Mais uma vez! — Apontei para ele, como se o repreendesse. — Direito, agora!
Ele olhou para a árvore enorme que indiquei, num canto isolado do parque, e riu, dando de ombros como se não fosse nada demais.
— Ok, vamos lá.
Três, dois, um... E estávamos correndo de novo, passada atrás de passada feito touros em fúria, as ondas quentes do verão esfriando em contato com o suor de tão rápidos, parecendo quase enlouquecidos.
Sempre começávamos com a melhor das intenções, de queimar energia, manter a disposição, passar um tempo ao ar livre e um com o outro, e era assim também no passado, ainda em Ravenna, mas acho que a competição estava apenas enraizada na dinâmica entre irmãos em geral. Ou apenas em mim, já que Blake só agia pelo seu espírito esportivo.
Ainda assim, adivinha só?
— Yes, toma essa! — Comemorei com um "uhuu!" exagerado e os punhos no ar. — Ganhei de novo!
— Eu é quem entreguei. De novo — provocou risonho, se sentando e então jogando-se na sombra na grama.
— Eu sou melhor do que você em alguma coisa, só admite — impus, sem pensar.
Blake não parou de sorrir, mas sua testa estava franzida quando olhou do céu, para mim.
— Você é melhor do que eu em um monte de coisas. Que papo é esse agora? — ele questionou num tom mais sério e eu quis socar minha própria cara.
Sim, idiota, que papo era esse agora? O que aconteceu com o "amistoso"?
Esfreguei o rosto, me recriminando mentalmente.
— Só estou zoando com você. — Me sentei ao seu lado, evitando o olhar.
Isso era tão patético...
Eu adorava Blake. Era desnecessário ter de esclarecer isso para quem quer que fosse e não só porque não era da conta de ninguém, mas também porque não haviam motivos para não se adorar alguém como Blake. Ele era incrível em absolutamente tudo, inclusive em ser um ótimo irmão mais velho.
Se não fosse por sua presença, proteção e companheirismo, eu teria tido uma infância muito mais triste, carregando o fardo de ovelha negra da família.
Nossa mãe, por mais maravilhosa que hoje fosse, esteve ocupada demais nos meus primeiros anos lamentando suas próprias dores para me compreender. Nosso pai havia me abandonado muito antes de ter saído pela porta da frente para nunca mais voltar.
Meu prestativo e sempre presente irmão, cujo coração era tão gigante quanto sua estrutura, sempre foi a única parte minha que nunca falhou ou me deixou na mão. Ele passou a vida "me deixando vencer", minha felicidade sempre importou muito para ele, esta era uma realidade antes das coisas explodirem de vez alguns anos atrás.
Então, sim... ressenti-lo era um sentimento azedo e tóxico e eu estava envergonhado.
Principalmente por algo em que eu havia decidido deixá-lo vencer, mesmo que ele sequer fizesse ideia, tampouco tendo alguma palavra de decisão. Ele era bom de verdade, saberia como tratar alguém como Katrina e também merecia essa oportunidade.
E eu bem sei, se ele tivesse alguma palavra nisso, mesmo que somente desconfiasse de toda a situação, seria algo como "a garota é toda sua" e, não, eu não poderia tirar isso dele, principalmente por uma atração birrenta que sequer deveria ser novidade para mim.
Se havia alguém neste mundo que devia a Blake alguma vitória, era mais do que óbvio que este alguém era eu.
Quero dizer... era só considerar nosso passado novamente, mas sob sua perspectiva, e realmente me perguntar: eu já não havia lhe roubado o suficiente?
Fechei a cara ao perceber o que ele havia levantado entre os dedos, estragando a paz do silêncio em que estávamos.
— Acho que você não pode fumar em um parque público.
— Não vou... — respondeu, parecendo distante.
— Pensei que tinha parado quase um ano atrás. Quando voltou?
— Não voltei. Só senti a necessidade. Várias vezes nas últimas semanas. — Ele girava o cigarro entre os dedos, distraidamente, quando se virou para me olhar. — Eu contei isso para a terapeuta que estou vendo e ela me deu esta dica de sempre manter um por perto, quando estivesse me sentindo seguro e realmente determinado a não recair, para "fortalecer a resistência". — Fez aspas com o cigarro entre os dedos.
— Seu terapeuta por acaso se chama John Green? — Arqueei uma sobrancelha, achando graça, mas Blay não pareceu entender a referência. Moderna demais para ele, provavelmente.
— Amelia Craison — ele corrigiu, sem a necessidade de questionar. — Seja como for, pode ficar tranquilo: não estou mais indo por esse caminho, principalmente agora. — Ele esmagou o cigarro dentro de seu punho e o guardou de volta no bolso da sua bermuda, relaxando deitado de novo.
Tomei alguns segundos pensando, para depois perguntar:
— E o que o agora tem de tão especial? Quero dizer... eu já te vi voltar a fumar várias vezes, o que está te deixando assim tão seguro agora?
— Oportunidades, eu acho. Muita coisa na minha vida está mudando e eu só... quero melhorar em alguns aspectos. Sei lá. — Seus olhos, tão azuis quanto os meus, mas com aquele brilho mais amigável de sempre, me intimidaram quando foram direcionados para mim, mesmo sem a intenção de fazer isso. — Toda aquela merda de virar a página, sabe? Eu ando bem focado nisso aí. Em... explorar as positividades, sem me preocupar com nada ou ninguém. Ninguém com quem eu não queira me preocupar, no caso...
E aí estava, afinal, sua palavra de decisão.
Abri um sorriso tão acolhedor quanto os que ele sempre me ofereceu, querendo legitimamente expressar meu apoio.
— Essa deve ser a coisa mais inteligente que já disse em toda sua vida. Mas isso não é dizer muito, quando se trata de você.
Meu irmão expirou uma risada, me dando uma cotovelada no braço.
— Cala a boca, idiota...
O empurrei de volta, rindo e me deitando na grama macia sob a sombra fresca com ele.
O azul que me encarava de volta agora, que era o do céu, me cedeu um espaço de toda a sua imensidão para me deixar refletir mais um pouco e, foi isso, estava decidido: desligaria qualquer estupidez tarada de vez neste segundo, nada mais valia a pena.
Depois de todo aquele tempo em que Blake ficou pela minha casa, parecendo destruído pelos cantos? Isso era mais do que "a merda de virar a página", como ele colocou. Era uma dádiva!
E eu morreria antes de deixar que qualquer complicação minha estragasse seus ânimos, como aconteceu quando contei para ele que Alison tinha namorado. E isso logo depois dele obviamente ter se interessado de verdade por ela. Eu deveria ter o incentivado a roubar aquela garota para si e que se danasse o resto.
Não iria falhar de novo.
Katrina era uma ótima aposta para ele e eu precisava colocá-lo nestes trilhos o quanto antes.
— Então... caridade está em seus planos futuros? — Blake se virou para mim, parecendo perdido no assunto repentino. — Lembra de... Katrina? A amiga da Alison que eu te disse que conheci? Então, ela tocou no assunto um dia desses, mencionou como a fama poderia ser um artifício útil nestas coisas e... acho que você deveria conversar com ela sobre isso. Vocês dois formariam uma boa parceria.
— Parceria? Para a caridade? Como assim? — Torceu o rosto em confusão.
— Só conversa com ela. Ela é bem ligada em filantropia, mas meio que está de mãos atadas por uns problemas familiares. — Dei de ombros, não querendo me aprofundar mais. — Só achei que caridade seria um bom início pra essa positividade que você busca.
Blake pensou, aparentemente considerando, e assentiu em aprovação.
— É, é verdade. Eu preciso mesmo ser mais empático... e já estava pra encontrá-la de qualquer forma, então...
— Predestinados — murmurei, convencido, mas Blake só fez rir.
— Não... quero dizer... — ficou sério de repente, sua cabeça provavelmente indo a outro lugar — sei lá.
Quis lhe dizer para ficar em paz com o que quer fosse, mas guardei para mim mesmo. Em minha cabeça, a promessa era certa:
Dessa vez, ele conseguiria a garota.
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Tudo o que Sonhei
RomanceO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...