Alison
Depois do socorro médico e uma parada na farmácia para alguns analgésicos e anti-inflamatórios, Caleb esteve determinado a me convencer a deixá-lo num parque de ciclistas perto de sua casa, dizendo que "não teria problemas em se virar para voltar para casa sozinho mais tarde".
Não me senti bem com isso, mas ele me explicou que apenas não queria preocupar Blake, que estava neste momento arrumando suas coisas para se mudar para o próprio apartamento que tinha na cidade, e que voltaria para casa quando tivesse certeza de que ele já havia ido. Compreendi, mas não quis deixá-lo por conta própria até lá, então o meio termo que encontramos acabou comigo, duas horas mais tarde, sentada ao seu lado no gramado bem aparado do tal parque, sob a sombra de uma grande ulmeiro americana.
O clima estava fresco, poucos grupos de pessoas ainda passeavam calmamente a alguns metros de distância de onde estávamos e esta poderia estar sendo uma tarde bem agradável, se não fosse pela atmosfera ainda um tanto quanto negativa do confronto de mais cedo, e, claro, também os olhares apreensivos que Caleb não conseguia evitar me lançar a cada cinco minutos.
Eu não iria perguntar. Sabia o suficiente do que havia ocorrido na oficina, questionaria Evan mais tarde sobre sua versão da história, mas não duvidava de que tudo havia acontecido da forma que aconteceu por conta de seu temperamento, quer Caleb tivesse o provocado de alguma maneira ou não. Ele era quem havia acabado ferido no final das contas, então, realmente, eu já sabia mais ou menos o que pensar.
No entanto, mesmo com esta resolução e depois de tantos minutos de silêncio, Caleb conseguiu me surpreender ainda assim quando resolveu dizer:
— Eu te devo desculpas.
Deixei que minha expressão desorientada inquirisse por mim.
— Lá na oficina, quando Evan me bateu... — começou a explicar — ele só fez isso porque eu disse algo muito, muito imbecil sobre você que, ele estava certo, eu não tinha o direito. E mesmo que tivesse, não foi algo legal de se dizer, principalmente sobre uma amiga. Eu... sinto muito — disse, com certo aspecto abatido, e eu me remexi, sentando de frente para ele e considerando o que havia acabado de ouvir.
— Você... vai me dizer... o que disse pra ele? — Me pareceu uma pergunta estranha que, pelo pesar em seus olhos, eu com certeza não iria gostar de ouvir a resposta, mas decidi que precisava, senão não saberia como me sentir exatamente em relação a suas desculpas.
— Foi uma coisa estúpida! Uma presunção que fiz quando comecei a me irritar com ele. E eu não pensei em nada antes de falar, inclusive em você. Eu só quis... atingi-lo de alguma forma. — Fitou-me, parecendo se esforçar para encontrar as palavras certas, e eu o olhei de volta, apenas o incentivando a repetir as de antes.
Se ele não me dissesse, Evan e Danny não teriam porque mentir, então, fosse o que fosse, o estrago já estava feito.
Caleb suspirou, como se tivesse chegado a mesma conclusão em sua cabeça.
— Quando Evan começou a misturar as discussões e me ameaçar por coisas que ele mesmo tinha feito, eu... acabei dando a entender, com ironia, que a irracionalidade dele era o motivo de você se atrair por todo cara que se mostra ser o contrário — disse e eu assenti levemente, refletindo sobre o assunto.
— Eu não diria apenas "cara", mas, sim, absolutamente todo mundo! — Dei de ombros, com um sorriso amarelo. — É muito bom mesmo encontrar pessoas com um temperamento mais calmo pra conversar de vez em quando, quando se está apaixonado por alguém tão explosivo.
É... um alívio mental. — Exalei uma risadinha leve. — Mas, e aí? O que ele disse e o que você respondeu de tão grave?
Caleb somente piscou por um momento, sua expressão claramente perdida direcionada a mim.
— Hm... foi isso, Alison. Ele me deu um soco e eu percebi logo antes a besteira que tinha falado.
— Isso? — me surpreendi. — Não houve mais nada?
— Você não achou o suficiente? — replicou em seu próprio choque.
— Na verdade, não. Isso não foi nem de longe uma provocação, nem mesmo para o Evan. — Ri sem graça, balançando a cabeça em negação. — Eu vou ter uma conversa séria com ele depois, nem na mais inconsequente de suas fases ele feriu alguém sem motivo nenhum. Que absurdo!
— Motivo nenhum?! Alison, ele estava te defendendo! — exclamou com obviedade.
— Da verdade?! — perguntei sem entender e ele me olhou como se eu tivesse três cabeças.
— Da coisa estúpida que eu disse! Você... entendeu o teor das palavras? — Revirei os olhos me frustrando um pouco com esse assunto que não estava chegando a lugar nenhum.
— Você disse para o Evan que eu tenho a tendência de me aproximar de pessoas mais fáceis de conversar por causa dele, e é verdade! Principalmente depois que começamos a namorar, mesmo na menor das intrigas, a comunicação com ele se tornou algo exaustivo! Um passo em falso e ele se chateia com alguma coisa, inclusive quando eu tenho razão. Ainda assim termino me sentindo como se a culpa fosse minha. — Ergui as sobrancelhas, me tornando consciente agora da existência desta sensação. Estranho.
Caleb simplesmente me olhava, não parecendo saber o que dizer.
— Me desculpe pelo desabafo involuntário. — Forcei um sorrisinho. — E está desculpado pela suposta besteira que você disse. Eu não entendo porque, mas se está te consumindo, então está desculpado.
— Você realmente não entendeu. — Dei de ombros, rindo um pouco, e ele hesitou antes de suspirar e dizer: — O que ele entendeu, no caso, e eu não o culpo por isso ou pela consequência... — apontou para o hematoma já um pouco arroxeado abaixo de seu olho direito —, é que eu disse que você era atirada e carente por culpa dele. Entende agora o porquê da defesa?
Um gelo desagradável correu por meu corpo conforme o entendimento finalmente se fez presente. Junto também de uma amargura, que eu não soube identificar com exatidão de onde vinha. Mas resolvi perguntar, antes que qualquer sentimento desagradável resolvesse permanecer:
— É assim que você pensa?
— Não... — Pareceu considerar por um segundo, mas repetiu com mais convicção: — Não, honestamente. Eu na verdade não estava pensando em nada na hora e isso sequer faria sentido.
Somos amigos agora, mas a verdade é que não nos conhecemos tão bem assim para falar com tanta propriedade sobre o outro. De qualquer forma, me desculpe.
Ofereci um sorriso terno tentando lhe passar tranquilidade porque realmente acreditei nele. Mas, dentro da minha cabeça, como sempre, algo venenoso estava querendo me fazer sentir mal, pensando que Evan havia entendido dessa forma com facilidade e o que isso queria dizer sobre como ele me via. E também se ele não estava certo em sentir raiva quando alguém mencionasse a possibilidade. Mas tratei de deixar isso de lado.
Não era verdade, não nesta forma de se ver.
Qualquer um que me conheça o suficiente sabe que eu não tenho a atitude necessária para ser taxada de "atirada", seja da forma que for. Carente, no entanto...
— Está desculpado — reafirmei, tentando sair da minha própria mente e deste assunto. — Como você está? O remédio pra dor já está fazendo algum efeito?
— Hm, sim, mas já não estava tão ruim desde que chegamos ao hospital.
— Caleb, foi um golpe forte numa área desprotegida. Aliás, dois. — Apontei para seu rosto e para suas costelas. — Não precisa tentar amenizar só pra parecer durão — brinquei, arrancando-lhe um bonito sorriso tranquilo.
— Alison, eu me percebi atraído por garotos quando tinha doze anos de idade. Eu estou acostumado a apanhar. — Arrependimento pela piada boba correu por mim no mesmo instante.
— Nossa... sinto muito, Caleb. — Deu de ombros como se não fosse nada demais. — Eu preciso mesmo conversar com Evan. Esse tipo de coisa não pode continuar acontecendo, ninguém deveria ter que se acostumar com isso...
— Não, não esquenta com isso, está tudo bem. Não foi por isso que ele me bateu. — Suas pupilas azul acinzentadas encararam alguns pontos do céu por um momento, demonstrando sua reflexão. — Eu acho.
— Como assim, você acha?
— É que, bom... faria sentido. Ele pode só ter me agredido realmente quando eu disse algo sobre você, mas era óbvio que ele já queria fazer isso. Mesmo que eu não tivesse dito nada. Ele está em fase de revolta, é o que acaba acontecendo — explicou, sereno.
— Fase de revolta? Como assim? — Meu cérebro estava se enrolando cada vez mais.
— Revolta, Alison. Com ele mesmo. — Me estudou por um momento, parecendo compreender finalmente minha confusão. — Não estou querendo presumir mais nada em relação a ninguém, mas Evan me parece o tipo de pessoa "tradicional", sabe? Que iria preferir fortemente não ser como... bem, não ser como eu.
— Oh... — Entoei ainda um pouco perdida, até que a palavra "bissexualidade" dançou pela minha mente. — Oh! Entendi!
— Entendeu. — Ele assentiu, provavelmente satisfeito por não ter que chegar ao ponto de desenhar para mim.
— Mas... — meus ombros caíram — o Evan não é assim. Ele pode, sim, ser bem esquentado, mas só quando alguém o provoca de alguma maneira, o que pode não ser difícil. Mas ele nunca faria nada contra uma pessoa por ela ser como é. Os pais dele o criaram melhor do que isso.
— Hm, sim, realmente. Eu notei isso sobre ele na noite em que o conheci. Mas foi por isso que eu especifiquei, revolta com ele mesmo — Forçou um sorriso torto, arqueando as sobrancelhas.
— Ele não tem problemas comigo ou com a minha sexualidade. Mas eu me tornei uma lembrança ambulante e inegável da dele, e essa, sim, parece ser um problema pra ele.
Isso me surpreendeu grandemente por fazer o mais completo sentido, mas ao mesmo tempo não ter me ocorrido antes.
Era óbvio que Evan estava tendo problemas de aceitação, pelo amor de Deus, seus pais o ensinaram a respeitar os outros e as próprias escolhas, mas ele mesmo foi criado na base da Bíblia!
Isso deveria estar sendo um pesadelo para ele e não só por ser novo, confuso e uma grande descoberta, mas, sim, pelo terror que ele deveria estar sentindo da desaprovação iminente de sua muito religiosa família!
— Ai... meu Deus! — sussurrei, me sentindo um lixo por ter bancado a namorada exigente e infeliz nestes últimos dias quando tudo o que eu deveria estar fazendo era apoiá-lo. — Eu sou uma pessoa horrível...
Caleb me olhou com reprovação.
— Claro que não. Você é hetero, não tinha como você saber.
Balancei a cabeça em negação.
— Eu tinha que saber. Eu o conheço melhor do que ninguém, eu tinha que saber! — Mordi o lábio em aflição, já sentindo algumas lágrimas culpadas se aproximarem feito a fraca emocionada que era.
— Ei, não... espera aí, não precisa ficar chateada. — Caleb hesitou por um segundo, mas pousou a mão no meu braço esquerdo, como se tentasse me confortar. Deslizou pelo antebraço até a minha mão e a tomou dentro das suas. Fosse por sua ternura, ou pela brisa leve que corria a nossa volta, cada pelo do meu corpo se arrepiou de forma intensa. — Olha, você não pode se cobrar tanto assim, mesmo que o conheça. Você é um ser humano. Não tem como saber o que se passa na cabeça dele se ele não te disser. — Pisquei duas vezes tentando desviar meus olhos dos seus, mas me descobrindo impotente demais para fazer isso.
Deus, ele é tão lindo! Isso deveria ser ilegal!
A perda de sentidos básicos que me impedia de trocar mais de duas palavras com ele na época da faculdade correu por mim como a mais recente das lembranças, e, por um segundo, eu quis apenas ficar sentada ali, babando pelo seu charme natural, como nos bons e patéticos velhos tempos.
Mas a verdade era que isso não era mais adequado, porque ele não sorriria ou me lançaria piscadelas sensuais ao longe.
Agora ele estava... perto. Perto demais!
Agora o assunto era sério e totalmente fora de qualquer flerte que achasse divertido lançar no passado, mas, se ele decidisse fazer isso agora, tão perto de mim... Caleb se tornaria outro Noah!
Não, não, não... isso não poderia acontecer... Já era terrível ter de fugir de um deles, agora junto com Evan?! Não tem como. Não iria dar certo!
Eu já não estava tendo o mínimo sucesso em afundar no esquecimento aquele... momento que tive com Blake na noite em que nos conhecemos.
Noah, Blake, Evan — ou a ausência dele... A lista "homens problema" já estava longa demais e Caleb precisava continuar fora dela.
— Alison?... Tudo bem?
Forcei um sorrisinho que provavelmente me deixou com uma impressão maníaca, eu apenas podia imaginar.
— Tudo ótimo. Eu estava só... pensando. Obrigada.
Em um impulso puro, enlacei meus braços em volta de seu pescoço, o abraçando desconfortavelmente como desculpa para não ter que olhar mais para seu rosto ainda belíssimo, mesmo estampado em confusão. Mas, ainda preocupada em não tocar demais, tanto pelos seus ferimentos, quanto pela lista que ele deveria ficar fora.
— Ahm... pelo o quê?
Me afastei tão brusca quanto a aproximação.
— Por estar certo, sobre... absolutamente tudo o que você diz. — E eu não estava exagerando quanto a isso. — E por ser um excelentíssimo amigo.
A ênfase, sim, foi um exagero para o qual Caleb se limitou a apenas sorrir, e estava tudo bem.
O exagero era necessário. Mas não para ele.
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Tudo o que Sonhei
RomanceO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...