2.3 - Somos o perfeito casal clichê que sempre sonhei

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Caleb

Ok, este talvez não tenha sido o meu melhor timing.
Somando com a noite na festa da minha casa, eu agora deveria ter uns quinze minutos de presença de volta na vida da garota, mas olhe só toda a confusão que eu já havia causado neste mínimo período de tempo!
Respirei fundo, assistindo-a se despedir de Evan e o breve momento que tomou para observá-lo caminhar até a saída, foi o que tive para me preparar mentalmente para o desconforto.
A "tática despreocupada" de sempre só estava atrapalhando, ao invés de facilitar, então, seria inabitual para mim, mas eu deixaria isso de lado por hora pela minha boa causa.
— Eu sinto muito... mesmo! — empurrei as palavras para fora assim que Alison se virou.
Ah, sim... "infeliz e miserável" era mais apropriado. Até mesmo tinha me atentado em unir as palmas, cruzando os dedos, realmente fazendo uma prece pelo seu perdão. E minha próxima artimanha seria me ajoelhar aqui mesmo, se fosse necessário.
— Sinto de verdade! Eu não teria vindo se soubesse que causaria esse caos todo. — Má escolha de palavras! Em algum momento, depois de chegar ao ponto em que precisava, eu seria obrigado a desmentir isso. Melhor que fosse agora. — Não... teria vindo, sim, por conta de outro assunto. Mas deixa isso pra lá. — Por enquanto.
Alison piscou seus olhos escuros, num misto de confusão e surpresa.
— Que outro assunto? — escolheu questionar primeiro.
— Não é prioridade agora. Me deixa só... fazer uma coisa de cada vez.
Sim, exato, faça isso direito, Caleb!
Olhar fixamente para a bela figura a minha frente estava me fazendo continuar a ponderar a situação, mesmo que no final das contas eu ainda fosse precisar de sua ajuda de qualquer maneira. Mas a questão aqui era que eu teria de lidar com bem mais do que o "me desculpe por ter beijado seu namorado" antes que pudesse sequer sonhar com certa disposição de sua parte para dar ouvidos aos meus problemas.
A verdade era que, para uma pessoa com quem pouco interagi no passado, eu já havia pisado demais na bola com Alison exatamente por este afastamento. Eu havia me lembrado porque nunca tinha a chamado para sair.
Eu não me considero desatento e muito menos pouco perceptivo. E, mesmo que fosse, eu teria de ter sido cego para não notar, na época em que éramos colegas de classe, os longos olhares avoados que Alison dedicava diretamente para mim, enquanto sonhava acordada com sabe-se lá o quê.
Correção: eu tinha, sim, ideias bem vívidas do que se passava por sua cabeça! Os variados títulos românticos que vez ou outra eu a via lendo pelos cantos do campus serviam como perfeitos indicativos e, além disso, não era necessário muito mais do que cumprimentos e olhadelas para enxergar que Alison Cansoli era doce feito o açúcar que senti falta esta manhã.
Tudo isto, somado a seu jeitinho tímido e desastrado, fazia dela aquele estereótipo perfeito, e até excitante, da nerd-linda-que-não-sabe-que-é-linda e que tem uma queda enorme pelo cara-gostoso-que-sabe-até-demais-que-é-irresistível.
Ou seja... eu. Mas isto me divertia apenas até este limite, o da percepção.
Não por falta de interesse, de jeito nenhum! Sempre enxerguei seus lindos e expressivos traços e seus atributos femininos avantajados, não tão inocentes quanto seu rosto redondo de personagem da Disney. Mas, ao que parecia, apenas recentemente ela havia deixado de tentar se esconder naqueles conjuntos de moletom de cores opacas, que pareciam ser sua segunda pele. Não era exatamente um problema, deixava bastante para a imaginação, mas também, mais uma vez, só servia para berrar para os mais atentos certa impressão de "ei, pare de olhar para mim! Eu não tenho toda esta beleza que você acha que está vendo!".
Podem me chamar de babaca em quantas línguas e sinônimos quiserem, mas eu não me sentia nem um pouco inclinado a ser a pessoa que a convenceria a pensar de outra forma. E eu tinha um motivo muito simples para isso:
Isto tudo era a receita infalível para o bolo de "somos o perfeito casal clichê que sempre sonhei". A garota por si só era todos os ingredientes necessários e já estava com o modo de fazer a muito tempo em sua cabecinha linda, ela só procurava pelo primeiro que lhe dissesse algo como "você não sabe que é linda e é isso que te faz linda", ou qualquer outra letra da One Direction, para enfiar toda esta merda romântica goela abaixo do coitado.
E, se hoje este tipo de cenário ainda não me interessava, naquela época em que a curtição inconsequente era rotina para mim, muito menos.
Então, nos finais dos dias, isto era o que havia sobrado para Alison e eu: inúmeros flagras dela babando na minha direção, muitos sorrisos sedutores da minha parte para incentivá-la a sonhar mais e ajeitadas discretas no incômodo dentro das minhas calças quando me pegava "animado demais" com a fantasia de um desenvolvimento bem mais depravado, e muito menos complicado, deste eterno prelúdio que vivíamos. Fim.
Para mim, era um passatempo quente e divertido.
Para ela, no entanto, agora que estava me dedicando mesmo a refletir sobre o seu lado da história, nenhuma palavra abaixo de "frustrante" me vinha à cabeça.
— Caleb? — E... eu estava calado a tempo demais. Precisava dizer alguma coisa!
Mas, o quê? Ainda não estava pronto!
— Caleb, está tudo bem?
Apenas seja sincero, idiota! Eu não seria capaz de manipulá-la de qualquer forma. O que mais me restaria?
Pigarreei, um tanto nervoso.
— Eu só... estou pensando que preciso muito me desculpar com você... mas não sei por onde começar.
— Se desculpar comigo? — Suas sobrancelhas bonitas se entortaram devagar, numa careta pensativa. — Sobre o quê? Eu não consigo pensar em nada.
Foi minha vez de manifestar surpresa.
— Ahm... Alison, eu beijei o seu namorado — lembrei com obviedade, apesar de não entender porque estava me complicando assim.
— Você já disse que não sabia que ele era meu namorado. — Levantou os ombros, utilizando do mesmo tom. — E é ele quem me deve fidelidade, não você.
— Mas eu dei em cima de você na frente dele logo depois disso, isso... não foi muito legal.
— E isso já estava te incomodando tanto assim? Antes mesmo da minha amiga mencionar? — Arqueou uma sobrancelha, duvidando, e me permiti pensar por um segundo, mas... a quem estava querendo enganar? Eu não me importava nem um pouco.
— Não, mas isso não quer dizer que seja correto.
Ombros encolhendo de novo.
— Eu beijei o seu irmão pouco depois daquilo, Evan tem mais com que se preocupar. — Abriu um sorrisinho travesso. — Mais alguma coisa?
Hmm... ok, isso era estranho.
Estava agora mesmo preparado para me humilhar e até levar um tapa, se necessário, mas...
Alison apenas não parecia querer me condenar por nada. Mas, pensando bem, ela nunca se mostrou nada diferente do que amigável, eu era quem não estava acostumado a compreensão, eu acho.
Isto era... confortável.
Chegar a esta conclusão, no entanto, ao mesmo tempo em que pensei sobre sua pergunta, me trouxe um pensamento um tanto quanto decepcionante como resposta:
— Cara... eu perdi uma oportunidade enorme com você.
— Como assim? — Careta confusa novamente.
— Eu só... estou meio que lamentando meu jeito distante de antigamente, eu acho. — A memória de Danny saindo da minha casa hoje de manhã, convenientemente, cruzou minha mente. — Teria sido ótimo se eu tivesse, sei lá... cultivado uma amizade com você no passado.
— Agora, por exemplo, eu não estaria sozinho.
E o sentimento era muito real.
Mesmo que morasse em outra cidade, meu irmão era meu melhor amigo, mas, ironicamente, havíamos nos afastado muito desde que ele veio passar um tempo na minha casa. Blake apenas fechou sua mente, assim como a porta do meu quarto de hóspedes, e, com a ausência dele, vim percebendo que a minha volta só haviam pessoas que "precisavam ir" ou que nunca tinham tempo ou interesse para um sincero "tudo bem?". Não era exatamente uma percepção que eu tenha deixado se concretizar até este momento, mas grande parte minha já havia se perguntado uma vez ou duas o quão diferente certas coisas poderiam ser se, por exemplo, eu tivesse por perto pessoas com mais... "interesses emocionais", por assim dizer.
Alison com certeza os tinha. Até demais, para o meu gosto. Mas, mesmo sendo estranho pensar nisso, aparentemente, eu estava carecendo destas "boas energias", como descreveria minha mãe.
— Oh, Caleb... eu concordo demais com você — iniciou, ruborizando um pouco. — Eu...
sempre te admirei, de verdade. Por... vários motivos. — Sacudiu levemente a cabeça e eu segurei um riso, já bem entendendo de sua admiração. — Olha, eu não teria problemas em fazer isso agora. Sermos amigos, eu quero dizer. Eu... acho que seríamos bons nisso. Se a ideia ainda te agradar — acrescentou rapidamente.
— Me agrada muito! — Não consegui conter a risada desta vez. Tanto de certa alegria, quanto por achar esta conversa meio surreal. — De verdade, eu iria adorar isso, mas... — Franzi o cenho.
— Mas...? — me incentivou e expirei pesadamente, deixando meus ombros caírem.
— Acha mesmo que isso daria certo? Mesmo depois do que aconteceu na minha festa?
Ela hesitou por um segundo.
— Você vai beijar meu namorado de novo?
— Não, claro que não! Eu me desculpei por isso.
— Então, somos amigos! — exclamou, dando risada e, antes que pudesse prever suas intenções, braços delicados estavam em volta da minha cintura, num abraço animado e... contagiante.
Realmente, nada mais do que meio segundo se passou e eu já estava correspondendo.
E, cara... mesmo que desajeitado e estranhando a sensação, isto apenas se sentia bem demais.
Era certo, caloroso, acolhedor... um minuto de amizade e eu já aproveitava de seus frutos.
Quando saí de casa para vir aqui procurá-la — Facebook, como sempre, sendo o melhor amigo dos stalkers — não imaginei que minhas desculpas levariam a este momento. Mas não estava reclamando. De verdade.
Nos afastamos depois de um tempinho e então eu estava um pouco sem graça. E incomodado por estarmos em uma área pública, mesmo que nada demais tivesse ocorrido. Alison, no entanto, depois de me estudar por completo, estava com uma relaxada e divertida expressão, como se visse através de mim e achasse graça.
— Então... amigo... — falou com certa ênfase, cortando o breve silêncio — agora que estamos entendidos, me diga: o que está pegando? — Franzi o cenho, sem entender. — O outro assunto.
O que "não era prioridade agora" — explicou, engrossando a voz como se estivesse copiando a minha. — Do que você precisa? Pode me falar.
Abri um sorriso amarelo. Qualquer idiota sabe que é uma atitude bem cretina lembrar de pedir desculpas apenas quando se precisa de alguma coisa. Baixo, baixo demais...
Mas Alison apenas acenou, fazendo pouco caso como se já imaginasse o que se passava pela minha cabeça.
— Amigos contam uns com os outros.
— De qualquer forma, sinto muito por isso também. Eu realmente preciso de sua ajuda, mas minha consciência têm pesado demais ultimamente por muitas coisas e isso veio com tudo assim que cheguei aqui.
— Ok, ok, eu te perdoo por todas estas coisas desnecessárias que estão te comendo vivo, agora, esquece isso! — riu, me apressando e eu me senti relaxar ainda mais, sorrindo também. — A partir de agora, eu vou te avisar caso você precise se desculpar por alguma coisa. Até lá, me fala qual é o problema e como posso te ajudar. Está tudo bem com você?
Pisquei surpreso, não com seu comportamento, mas com a emoção que de repente fluiu por mim, me aquecendo por dentro. Eu não poderia estragar isso... nunca.
Me sentindo determinado e me apegando ao conforto que me oferecia... puxei uma respiração profunda, aliviado por finalmente poder desabafar.

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