3.1 - Métodos paliativos

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Alison

Deveria ter me comprometido apenas com o desabafo.
Prometi a Caleb, uma hora atrás, que o ajudaria com esta ideia maluca que me ocorreu no momento, e isto foi uma atitude muito mal pensada.
"Eu acho que meu irmão pode estar entrando em depressão."
Ainda sentia o baque pesado de suas palavras no meu peito e, mesmo que não considerasse a mim mesma a pessoa mais apta para lidar com esta situação, eu quis ajudar no momento em que tomei conhecimento dela.
Mas claro que só agora milhares de soluções muito melhores apareciam para me dar um "oi", o que não me adiantava mais, pois eu já estava na frente da casa de Caleb, onde, aparentemente, Blake vinha se escondendo já a algum tempo, com "material" apenas para a minha primeira ideia.
— Isso é loucura... — sussurrei para mim mesma, tocando a campainha.
Caleb precisou ir para a agência fotográfica onde trabalhava depois de nossa conversa na Heaven's, mas havia deixado uma cópia da chave de sua casa comigo. Contudo, se Blake não atendesse, eu não a usaria e muito menos insistiria com o plano.
Olhei para o conteúdo da caixa de madeira na minha mão uma última vez antes de fechá-la, com a tampa repleta de furinhos. Onde eu estava com a cabeça?...
Agora, parando para pensar de verdade, percebia que provavelmente a razão para não ter percebido na hora que esta era só mais uma das minhas ideias absurdas que eu deveria imediatamente desconsiderar, foi a animação excessiva de Caleb quando a sugeri. Ele havia a adorado um pouco demais e, por mais que Blake fosse seu irmão e ele o conhecesse melhor do que eu, era explícito para qualquer um que ambos eram diferentes demais em questão de personalidade. Tenho certeza, não foram poucas as vezes em que discordaram completamente um do outro, em variados assuntos.
Quando ouvi o barulho da porta sendo destrancada, fiz uma reza interna para que esta fosse a exceção da regra, porque agora já era tarde demais.
Os ombros grandes de Blake caíram quando me viu e ele piscou, atônito.
— Alison! Oi! — Arrepios. Em. Meu corpo. Todo.
Sua satisfação contente foi... surpreendente pra mim!
Parte da minha ansiedade me fez considerar que ele talvez não tivesse gastado um pensamento sequer sobre mim desde aquela noite, mas Caleb havia me pedido para tentar animá-lo porque, aparentemente, Blake havia contado a ele que conheceu uma "fã muito divertida" e que só o que ele fez por um longo tempo foi sorrir. Até que a felicidade apenas sumiu em certo ponto e ele se trancou em seu quarto novamente, parecendo ainda pior do que estava antes.
E por isso Caleb acreditou que, dentre todas as formas de ajuda mais capacitadas no mundo, meu eu nervoso era quem precisava estar aqui agora.
— Oi... — soprei, tentando expulsar a timidez. — Caleb me disse que estaria aqui. Posso...
conversar com você por um minuto?
Seu sorriso enfraqueceu um pouco e Blake pareceu se contrair, por algum motivo.
— Claro, entre. — Puxou a porta um pouco mais aberta, dando-me espaço para passar.
Foi apenas quando ele se virou para fechar a porta, que me dei conta da imagem que tinha acabado de presenciar: seus olhos estavam avermelhados e fundos, os lados de seu rosto, encovados, por trás de uma barba mal feita. Até mesmo sua postura, que sempre reparei ser forte, orgulhosa e imponente, agora estava... caída. Como se seu corpo o castigasse por estar de pé.
Blake parecia sofrer com um abatimento que estava presente a algum tempo e parte de mim se perguntou se ele já não estava assim cinco noites atrás, quando me beijou, e eu não percebi porque automaticamente me apeguei à versão irreal e "perfeita", a qual estava acostumada.
Ou... porque era noite...? — tentei consolar a mim mesma.
Não importava mais. Fosse o que fosse, isso serviu para me arrastar até a realidade.
Independente de toda a paixão platônica que eu sentia por ele, não havia mais espaço para fanatismos; Blake é um ser humano, ele estava com problemas e eu não apenas fiz uma promessa a seu irmão, como também queria ajudar.
Assim que coloquei os pés dentro da sala de estar para onde Blake nos encaminhou, onde a decoração parecia se basear apenas em consoles e caixas de videogames empilhadas pelos cantos, percebi o quanto essa casa parecia mais receptiva e tranquila, agora que não havia nenhuma alma arrogante por aqui, e isso era bom. Não precisava de nada aplacando meus objetivos agora.
Indicou o sofá e nos sentamos lado a lado, a uma distância considerável.
— Acho que sei do que se trata, essa conversa — ele quebrou o silêncio momentâneo.
— Sabe? — Assentiu.
— Eu... sinto muito. — Coçou a barba rala, parecendo... nervoso? — Não deveria ter te beijado, não foi uma atitude muito correta. Havíamos acabado de nos conhecer e eu já estava te induzindo a isso com dez minutos de conversa.
Arqueei uma sobrancelha.
— Não, mas eu deixei! — Mesmo sem acreditar exatamente que estas eram suas intenções até elas se concretizarem.
— Sim, mas foi errado da minha parte ter iniciado. Eu estava de cabeça cheia na hora, você apareceu mudando completamente o meu humor, e acabei só agindo por impulso. Depois ainda fiquei sabendo que você tem namorado. Não que fosse menos errado se não tivesse, mas, enfim... só adiciona mais peso a meu erro. — Suspirou e me olhou, culpado. — Não vou mais fazer isso e sinto muito mesmo por ter te assustado.
Um, dois, três, quatro...
— Tudo bem, mas... você não me assustou. — Engoli o nervosismo em seco. — Eu quis te beijar, Blake. Aquilo pode não ter sido cem por cento correto, mas naquele momento, eu quis muito. E, depois isso me ajudou de tantas formas, você... não faz ideia!
— Mas você correu de mim — estranhou. — Logo depois que eu te beijei pela segunda vez, você fugiu.
Fugi? Pois é, Alison, o homem entendeu a sua pressa e desespero em sair de perto dele como uma fuga. Você pode culpá-lo?
Minha boca abriu um pouco e não consegui responder absolutamente nada naquele momento.
Mesmo depois de mais dez segundos.
Me tratando como se eu tivesse alguma deficiência cognitiva — coisa que eu também não o culparia se talvez pensasse —, Blake relatou:
— Você até mesmo me jogou uma desculpa sobre uma prova que precisava fazer no outro dia. E aí disse alguma coisa, que eu acredito que tenha sido mais um "eu te amo", e correu para o seu carro sem olhar para trás. — Tentou disfarçar sua expressão risonha enquanto contava a última parte e eu apertei meus olhos fechados.
Meu Deus... obrigada por não fazer da vergonha uma sensação letal...
— Eu fiquei nervosa, me desculpe. — Equilibrei a caixa leve no meu colo e passei as mãos nos cabelos, jogando-os para trás com a franja e tudo. — Mas eu realmente tinha uma prova pra fazer.
Como se isso tornasse a desculpa menos ordinária! Eu havia passado aquela noite em claro, sonhando acordada com o que havia acontecido naquela rua deserta, tentando me convencer de que era realmente verdade, e mesmo assim arrasei na prova de conclusão do curso de francês.
Mas, ok, eu precisava voltar aos trilhos e consertar essa má impressão.
— Eu não fugi. Sinto muito se te fiz sentir mal por conta disso, mas a verdade é que o fato de eu ter um namorado era a última coisa na minha cabeça naquela noite. E mesmo se você tivesse tirado um minuto para me avisar que iria me beijar, eu teria deixado. Na verdade, o beijo provavelmente nem teria acontecido, porque eu teria gritado um "sim" na sua cara e você é quem teria se assustado comigo. — Deixou escapar uma risada nasalada e eu sorri, numa tentativa de esconder minha luta interna contra a vergonha.
— Mas, realmente, não pode mais acontecer. Eu tenho namorado e foi só aquele momento. — A ficha sobre o que tinha acabado de falar demorou meio segundo para cair. — Mas eu não estou justificando o porquê de não acontecer de novo agora! E nem dizendo que viria atrás de você, mesmo se não tivesse namorado. Eu não tivesse, no caso — acrescentei, rapidamente. Meus olhos arregalados, as pontas das unhas comendo as palmas das minhas mãos... Meu Deus, Alison, cala a boca! — E também não estou presumindo que você iria querer. Com ou sem namorado. Porque seria estranho, fazer isso, não acha? Simplesmente assumir que você iria querer, sendo que você estava aqui o tempo todo pensando que me assustou, mas aí de repente eu chegaria aqui pronta para o terceiro beijo e você provavelmente pensaria que estou louca, e eu...
As risadas irromperam pelo cômodo e eu consegui fechar minha maldita boca, vendo-o cobrir a dele como se tentasse segurar as gargalhadas roucas lá dentro. Mas seu corpo continuava convulsionando com os risos e, mais uma vez, quem diabos poderia culpá-lo?
— Vale a pena, eu acho... — sussurrei para mim mesma, sorrindo um pouco.
— Desculpa, Alison... Eu não queria interromper. — Buscou por ar, os olhos apertados nos cantos pelo tamanho de seu sorriso. — Queria ver até onde você chegaria.
— Não, isso é maldade! Não pode me deixar falar sem controle. Me interromper é um ato de misericórdia! — brinquei, fazendo-o rir mais um pouco.
— Eu gosto de te ouvir falar sem parar. É adorável, quer você goste ou não. — Secou os olhos com a manga longa de sua camisa. Aos poucos, conseguiu se acalmar. — Bom... mas você não está aqui para falar demais. Nem pelas minhas desculpas, ou também para me beijar, como deixou bem claro. — Seu olhar divertido foi de encontro ao meu e, apesar de ainda não saber onde enfiar a cara, a vontade de rir com ele ainda estava presente. — O que posso fazer por você então, gatinha?
Lá estava o "gatinha" novamente. Era tão... simples. E popularmente usado demais, se parasse para perceber. Mas Blake fazia soar de uma forma tão carinhosa... Apenas me agradava, de certa forma.
— Eu fiz uma coisa pra você, na verdade. — Segurei a caixa novamente e seu olhar desceu, acompanhando quando a estendi para ele. — É um... presente. — Ele abriu um outro sorriso, este mais suave, mas, quando fez menção de aceitá-lo, eu repuxei de leve. — Só deixando claro que você não tem obrigação nenhuma de aceitar... ou de gostar... ou de querer! E eu vou entender qualquer justificativa. Ou também a falta de justificativas. A questão é que você não é obrigado a nada.
Sua mão pousou em cima da minha, o kraken tatuado no dorso dela capturando minha atenção.
— Vou cometer um ato de misericórdia aqui e apenas adorar, ok?
— Você não precisa. Não é um presente muito convencional... — argumentei, nervosa, olhando em seus olhos que, mesmo cansados, ainda me encantavam.
— Você fez. Meu irmão me contou sobre o quanto você é talentosa. Eu vou adorar, tenho certeza — disse, simplesmente, e eu soltei a caixa, olhando de relance para todos os furinhos na tampa e nas laterais.
— Eu não fiz isto. Acho que me expressei mal antes... é só algo que pensei que fosse gostar.
— Sem problemas. Mas agora você fica me devendo uma arte como segundo presente. — Piscou um olho para mim, sorridente, apoiando a caixa em uma de suas coxas. — Vamos ver o primeiro.
Blake removeu a tampa e... encarou o interior por segundos que pareceram infinitos.
Sem nada demonstrar.
Mordi uma pelinha do meu lábio inferior, agoniada.
— Mais uma vez, zero obrigação — me apressei em repetir. — Se você não quiser, eu não terei problema nenhum em levar de volta.
— A ideia deste presente... foi sua? — perguntou apenas, calmo, e eu concordei sem nada a acrescentar. Não envolveria o nome de Caleb neste incômodo, por mais que ele tivesse me apoiado.
Blake enfiou a mão direita dentro da caixa e retirou de lá a bolinha de pelos brancos e pretos com cuidado.
Encarou, segurando-a apenas com uma mão na frente do próprio rosto.
Um miado fino e baixo ressoou pelo cômodo preenchido em antecipação.
Até que ele finalmente disse:
— Como você pode olhar pra isso... — a virou para mim — e achar que alguém não gostaria de receber um presente desses?
Uma expressão alegre surgiu em seu rosto e eu me senti aquecer por dentro quando notei a falta de encenação ali.
— Gostou mesmo dela?! — perguntei, descrente.
— É fêmea? — Seu sorriso aumentou e eu assenti, contagiada. — Porra, eu adorei! Ah, merda, desculpa! Eu só... tô muito surpreso agora. Caramba! — Gargalhou, parecendo não conseguir se conter olhando para a filhotinha que parecia ainda menor em suas mãos enormes.
— Isso é ótimo! Ai, meu Deus... que alívio! — Me recostei no sofá, com a mão no peito, sentindo meus nervos relaxarem.
Ainda estava conversando com Caleb quando lembrei que li em algum lugar na internet, muito tempo atrás, que Blake adorava felinos — e animais marinhos, mas não vinha ao caso. Isto era uma curiosidade que estava na ponta da língua dos fãs, assim como também era a existência de uma tatuagem de tigre em suas costas. O posicionamento das listras, a tinta bem preta que foi utilizada para marcar sua pele alva, a única menção discreta de cor sendo o amarelo nos olhos do tigre... tudo isso me lembrou um pouco a filhote, só que bem menos agressivo, como era o desenho.
Na hora, pareceu destino! Mas só o que eu conseguia pensar enquanto vinha encontrá-lo era na responsabilidade que estava jogando para cima dele do nada quando, obviamente, ele tinha muito mais com que se preocupar.
Contudo, a expressão cansada de Blake havia se transformado completamente em uma de pura felicidade animada, então me permiti presumir que ele estava aceitando este trabalho todo de bom grado.
O observei esticar o braço para pousar a caixa em cima da mesa de centro e se arrastar para perto de mim, logo depois. E, antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, um dos seus braços estava em volta dos meus ombros, puxando-me para um abraço um pouco desajeitado, já que estávamos lado a lado, e sua nova bebê remexia-se desesperada em sua outra mão. Porém, ainda foi um abraço daqueles que te levam às nuvens, e você só quer fechar os olhos e ficar ali, para sempre.
Quase cedi ao impulso de enfiar meu nariz no tecido macio de sua camisa, mas, novamente, minha mente tinha que permanecer sã, então tratei de me segurar. Inebriar-me com seu perfume natural, dentro do conforto deste abraço, não ajudaria em nada.
Mas logo ele beijou o topo da minha cabeça, se afastando e deixando claro para mim que eu era a única carente por toques que se deixou afetar aqui. E, tudo bem. Eu estava aqui para animá-lo e parecia que estava obtendo algum sucesso.
— Acho que nunca ganhei um presente tão especial assim. Muito obrigado. — Sorriu para mim e meu coração amoleceu. — Eu era louco pra ter um animal de estimação quando mais novo, mas... eram tempos diferentes. E depois que fiquei mais velho e ocupado, acabei esquecendo dessa vontade — comentou, pensativo e colocou a gatinha entre nós dois, deixando-a cambalear desajeitada pelo espaço pequeno, apenas para voltar para seu colo, onde a espertinha já tinha percebido que era seu lugar. — Enfim, só estou tentando te agradecer de novo. Mas vou precisar de ajuda — lembrou, lançando-me uma olhadela. — Você... tem alguma ideia de como cuidar de gatos?
— Tenho, sim! O shopping onde trabalho recentemente abriu um espaço para um abrigo temporário de cães e gatos, nós cuidamos deles e depois colocamos para a adoção, então tenho aprendido muito sobre bichinhos. E, por falar nisso, preciso te avisar de algumas coisas, já que você vai ficar mesmo com ela.
Pigarreei, me concentrando na lista de informações que Barb havia me passado e comecei a lhe explicar todas as questões de saúde, exames que foram feitos, o banho que a filhote já havia tomado, o tipo de ração que ela deveria comer, com ainda apenas dois meses de idade, sobre contatos caso houvesse alguma preocupação ou dúvida, incluindo o meu, e também lhe entreguei um voucher de compras na sessão de animais que a Heaven's vinha oferecendo para influenciar ainda mais a adoção.
Blake ouviu atentamente a cada informação — enquanto fazia a filhote praticamente desmaiar de satisfação em seu colo de tanto carinho — e me fez algumas perguntas pertinentes ao assunto.
Recusou quando eu disse que já havia trazido alguns utensílios para ela que estavam agora no meu carro — pote de água e comida, cama, caixa de areia... —, mas acabou aceitando quando disse que não houve gasto algum, já que minha melhor amiga era dona do lugar e eu só havia pegado o básico.
Em algum momento, durante todo este diálogo, eu havia lembrado do outro motivo que me convenceu antes sobre esta ser ou não uma boa ideia: era um método paliativo disfarçado de ocupação.
Algo que já parecia estar distraindo sua mente do que quer que estivesse o perturbando, inclusive se isto fosse ele mesmo. Além de que será extremamente terapêutico ter uma companhia fofinha ao seu lado, que dependesse dele para tudo e que fosse o amar da forma mais inocente possível, como só os animais conseguem fazer por toda a vida, se bem tratados.
Pelo o pouco que Caleb havia me contado sobre como suas perturbações vinham o afetando, eu apenas senti que este tipo de sentimento poderia fazer toda a diferença para Blake agora.
Era estranho admitir isso para mim mesma, mas talvez eu fosse, sim, mais apta do que pensava.

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