Alison
Não é necessário me conhecer tanto assim para perceber que eu faço o tipo romântica.
Para mim mesma, no entanto, essa só se tornou uma certeza concretizada na pré-adolescência, numa viagem em família.
Meus pais, meus três irmãos, minha avó e eu estávamos numa casa de praia alugada de três cômodos, onde tivemos que ficar espremidos por quatro dias direto, primeiro porque papai já havia pagado por tudo, e segundo porque justamente naquela semana o clima externo não estava exatamente favorável. O que é um jeito delicado de dizer que o céu estava caindo em uma tempestade.
Mas mesmo que tudo estivesse indo bem até aí, eu já não estava... no meu melhor humor nesta viagem, para dizer o suficiente.
Apesar de ser nascida e criada no litorâneo Maine e apreciar demais a natureza, a praia simplesmente nunca foi o meu cenário preferido. Eu queria estar em casa, no meu bairro, no meu conforto, não na praia naquele biquíni infantil da Hello Kitty que deixava em exposto todas as minhas gordurinhas de bebê que meus onze aninhos ainda não haviam feito nada para fazer sumir e que vovó Antonia simplesmente não mediu palavras para apontar e criticar o tempo todo, com a desculpa de "estar pegando no meu pé para que o mundo não precisasse fazer isso da pior forma". Como se ainda precisasse nos justificar a própria inconveniência.
A verdade era que as provocações da minha avó não eram nada com que já não estivesse acostumada, mas quando pensava que poderia estar com Evan naquele mesmo momento, fazendo nada juntos como de costume, não conseguia esconder a cara emburrada. Eu não tinha assumido para mim mesma na época que já gostava um pouco demais dele, mas é claro que minha mãe já sabia — elas sempre sabem — e ela não achou justo condenar esta minha frustração vinda da "primeira paixãozinha", então, ao invés disso, decidiu me incentivar a distrair a cabeça com alguma outra coisa. Foi aí que apareceu com esta cópia gasta, velha e empoeirada de "Diário de uma Paixão", dizendo ter a encontrado esquecida em algum canto da casa alugada.
E foi isso. O que nos romantiza melhor do que um livro, não é mesmo? Se tratando de um Nicholas Sparks então...
Provável que mamãe sequer soubesse do que aquele livro se tratava, mas foi ele que me permitiu vivenciar uma história de amor pela primeira vez e o fato da protagonista ter um nome tão parecido com o meu só facilitou ainda mais a experiência.
Com apenas onze anos de idade, parecia que eu era quem havia me apaixonado por Noah Calhoun, eu quem tinha sofrido quando meus pais não aprovaram nosso relacionamento, eu era quem tinha percebido ainda amá-lo depois de anos separados e — alerta de spoiler — eu quem morri já velhinha ao seu lado. Mas senti naquele momento que vivi a melhor vida possível, pois amei intensamente e possuí alguém que me valorizava de verdade, então estava coberta de felicidade plena.
Pelo menos até virar a última página do livro.
Havia devorado a história em pouco mais de três dias, mas passei a desejar que aquilo perdurasse, então tudo o que fiz com a minha vida a partir daí foi lutar para viver a minha própria história de amor, enquanto me dedicava a aprender, sonhar e fantasiar com milhares de outras.
Mas... graças a vovó Antonia, nunca consegui ser muito ingênua quanto a isso.
Sabia que minha única semelhança com Allie Nelson era a pronúncia do meu apelido com o seu nome. Também não fazia o tipo Julieta e nem mesmo Bela, Rapunzel ou, minha favorita, Cinderela.
Eu não possuía esta... "casca" que alguém poderia olhar e sentir que valia a pena aprender a lidar com meus defeitos e manias. As coisas não seriam tão facilmente intensas no meu caso, eu teria que fazer alguém se apaixonar por mim e, mesmo que soubesse desde muito cedo que este alguém era Evan, foi apenas alguns meses atrás que havia obtido sucesso nisso. E nem estava sendo da forma que eu esperava!
Contudo, entendia como as coisas funcionavam. O amor é complicado, eu não poderia culpar o meu príncipe por possuir outras prioridades e, sendo justa comigo mesma, Evan havia se tornado "real demais" para mim a muito tempo para que ainda conseguisse pintá-lo apenas como este príncipe perfeito também. Sentia-se certo lutar e me esforçar pela nossa história de amor porque ela era real.
E também, sob esta mesma realidade minha, o príncipe perfeito acabou assumindo uma imagem onde possui um metro e noventa de altura, moicano relaxado e um par de braços tatuados. Entre outras peculiaridades nada desagradáveis, mas que sabia serem recompensas demais para plebeias como eu.
Acho que estou mais para fada madrinha, na verdade.
Porque o príncipe agora era um amigo com quem eu havia me comprometido a ajudar e, depois de tantas decepções, sabia que ele estava pronto para sua Cinderela e — adivinha só! — eu havia a encontrado também. O felizes para sempre era certo!
E, agora, meu primeiro feito como fada era: Forçar a Cinderela a deixar de ser tão cabeça-dura!
— Pode parar com isso! — O cinto de segurança conteve o pulo de susto que eu dei, para fora dos meus próprios pensamentos.
— Parar com o quê, Kat? Não estou fazendo nada!
Virou para mim com a expressão séria, o verde de seus olhos ainda mais escuro em irritação, mas logo voltou-se para a estrada à frente.
— Você sabe muito bem do que estou falando! Você fica aí... — gesticulou em minha direção, fazendo pouco caso — no seu mundinho, tentando se convencer das besteiras que você mesma inventa e depois vem querer jogar tudo para cima de mim, tentando me convencer também. Não vai funcionar dessa vez, esquece essa ideia ridícula, Alison!
Suspirei, me sentindo exaustivamente derrotada. Minha amiga apenas me conhecia bem demais.
— É só um encontro, Kat. Provavelmente o melhor que você vai ter na sua vida! — exagerei, apesar de saber ser verdade. Vesti minha melhor expressão pidona e ela me devolveu a sua de indignação.
— Você sequer está me escutando?! Não vai ter encontro nenhum, Ali, eu não vou sair com o cara por quem minha melhor amiga está apaixonada! Para de ser maluca!
— Não estou sendo, é uma ótima ideia! Você e Blake são perfeitos um pro outro. E eu estou apaixonada pelo meu namorado, não é porque você não aceita isso que não seja verdade.
— Não é a cara do seu namorado que eu vejo na tela do seu celular toda vez em que você começa a suspirar na frente dele — enfatizou com desdém.
— Se chama "admiração de fã"! Não tem a ver ou afeta o amor que eu sinto por Evan.
Kat então abriu a boca parecendo ter uma resposta na ponta da língua, mas algo a fez colar seus lábios pintados de rosa um no outro. O olhar rápido que me lançou foi mais suave desta vez e alguma emoção cintilou neles que eu não consegui identificar, sabia que tinha algo a ver com preocupação, como sempre, mas... também parecia ir além disso.
— Eu não gosto de discutir com você — declarou simplesmente, já esticando o braço até seu celular conectado ao rádio do carro. Alguns poucos toques e deslizadas na tela depois e uma de suas playlists começou a reproduzir alguma música pop. — Não interrompa minha música!
— Kat, por favor, confie em mim nisso... — tentei mais uma vez e ela aumentou o volume, me interrompendo. — Kat! — chamei mais alto. Seus olhos e postura fechada continuaram vidrados a frente, inabalados.
Ótimo, então agora ela iria me ignorar!
Exalei em desânimo, planejando tentar de novo mais tarde, e eu juro que pretendia me manter de cara emburrada também, de braços cruzados feito uma criança mimada, até que ela se incomodasse com isso e pudéssemos voltar a debater, mas... foi apenas aí que notei que "Piece of Me" era a música que estava estourando de alta pelo sistema de som.
Não era apenas "alguma música pop", era Britney Spears!
Kat me encarou com os olhos arregalados, como se só agora tivesse notado também e nós duas só tivemos tempo de sorrir uma para a outra em animação cúmplice antes do refrão começar a reverberar pelos altos falantes e nós duas o acompanharmos berrando a plenos pulmões dentro daquele carro pequeno demais para a nossa energia!
Tudo morreu ali. A tensão, o tratamento de gelo, a frustração desnecessária... meu humor já era facilmente influenciado por música em geral, mas Britney Spears era a raiz da minha amizade com Kat.
O único escopo do meu fanatismo era Blake, mas eu gostava da cantora o suficiente para, por exemplo, gastar o meu suado dinheirinho num festival de música na cidade de Nova York apenas para assisti-la, como fiz quatro anos atrás.
Foi lá que, tentando me misturar socialmente com as garotas da faculdade com quem havia ido, eu tinha bebido um pouco além da conta. A bebida que me fez esbarrar em Kat em algum momento e eu só me lembro de estarmos abraçadas como se já nos conhecêssemos a anos, passando o resto do show pulando e gritando todas as músicas que sabíamos e inventando letras para as que não conhecíamos tão bem assim. Ela também estava bêbada, então não se importou em ser minha melhor amiga naquele dia.
E nem no próximo, quando acordou em seu carro, me encontrando desmaiada no banco traseiro.
Inicialmente, toda nossa interação se resumiu ao festival, no que conseguíamos lembrar dele e com as duas, deixando claro a cada duas frases que não costumávamos encher a cara assim. Mas, mesmo com tanta impessoalidade, até o final daquele dia, eu já sabia que tinha encontrado uma conexão ali.
Kat somente possui este modo especial de fazer as pessoas se sentirem bem a sua volta, de demonstrar o quanto gosta de alguém e, quatro anos de amizade depois, eu posso dizer com toda a certeza que, se havia alguém neste mundo que seria capaz de levantar a autoestima até de um rockstar que acredita estar no fundo do poço, este alguém era minha melhor amiga que sabia pisar com gosto em qualquer incômodo ou neurose que aparecesse em sua frente.
Era o que ela vinha fazendo comigo desde a primeira vez em que nos permitimos berrar "Perfume" dentro deste mesmo carro e, mesmo se eu estivesse errada e a química não ocorrer no segundo em que ela e Blake se olharem pela primeira vez, eu estava disposta a criar pelo menos um elo amistoso ali também.
No entanto, olhando para a verdadeira Cinderela a meu lado, com aquele sorriso contagiante, tão independente em sua própria euforia que sequer notou que eu já havia parado de acompanhar a coreografia desajeitada para admirar a sua versão graciosa... eu apenas sabia que seria impossível Blake não se sentir atraído por isso tudo.
Era quase meio-dia, hoje ela teria um almoço de negócios com alguns fabricantes aliados da Heaven's e escolheu um de seus vestidos sérios de trabalho para a ocasião. Com seu penteado repuxado para trás e todo o look em tons pastéis, até mesmo nas unhas, minha melhor amiga exalava delicadeza e feminilidade, ainda que incontestavelmente profissional. Toda esta produção calma de sua aparência apenas fazia em destacar os traços marcantes de seu rosto, em especial, o verde escuro dos olhos.
Não importava o quanto Kat fizesse pouco caso, minha amiga era fabulosa de se olhar, ainda mais quando estava assim, sorrindo com espontaneidade, coisa que ela só fazia quando se sentia à vontade. Blake fazia as pessoas se sentirem à vontade, eu era a prova viva disso, pois até minhas tagarelices o homem já havia dito achar adorável. E, com essa mesma tagarelice, durante os últimos dias, eu havia conseguido fazê-lo se interessar pelo encontro, então agora era só questão de tempo, porque ele teria que ser estúpido para não gostar dela e Blake Lowell não era estúpido. Nem de longe. Par perfeito!
Eu só precisava fazê-la pensar um pouco menos em mim, mais em si mesma e no quanto merecia um cara genuinamente legal, interessante e maravilhoso como ele. O príncipe do mundo real! Tinha que relaxá-la o suficiente para se deixar ser seduzida até pelo menos o primeiro beijo, porque, depois daí, tinha certeza que não teria mais volta. Eu era prova viva disso também.
Mas eu tinha Evan e outras prioridades, então ficaria bem. E, mesmo que não tivesse... mesmo que apenas o pensamento machucasse meu coração... faria este amor acontecer ainda assim.
Românticos gostam de "felizes para sempre", o que posso fazer?
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Tudo o que Sonhei
RomanceO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...