10.1 - Metáfora angustiante

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Caleb

A enrolação me fez passar o dia, até ele se tornar nove e meia da noite, esterilizando, limpando e cuidando de maneira geral das ferramentas mecânicas e peças de carro pequenas que Evan havia cedido para mim.
Eu tinha que reconhecer: seja lá o que Alison tenha dito para ele, o convenceu a ser muito generoso comigo. Além de chaves de fenda e fixas de variados tamanhos, e uma boa quantidade de peças soltas de um jogo de soquetes, ainda tinha conseguido encontrar uma vela de ignição queimada, uma espécie de parafuso do qual eu não me recordava do nome, mas sabia pertencer a um radiador, maçanetas internas e externas, algumas partes de uma bronzina de mancal... até mesmo uma válvula termostática eu havia reconhecido naquela caixa.
Era impressionante o que uma namorada doce e bonita poderia convencer seu homem a fazer.
Quero dizer, para uma pessoa que sequer me deixou dizer duas frases direito antes de se enfezar por completo? Eu já ficaria surpreso se Danny tivesse aparecido aqui apenas com um alicate enferrujado, a mando de Evan.
E, considerando também o funcionário de Katrina que havia passado aqui cerca de uma hora atrás com os bolos? No final das contas, posso dizer que alguma divindade ou onda de sorte de última hora estavam a meu favor e, sim, eu realmente me tornaria mais responsável e atento com questões profissionais daqui para frente.
A visibilidade que a galeria FANY me daria com esta exposição com certeza me levaria muitos passos mais perto de uma reputação maior e o sonho da fotografia independente, se tornaria ainda mais possível.
Eu já ansiava pelo futuro, onde iria para países distantes, fotografar pessoas e culturas exóticas, poderia me aventurar em florestas e corpos d'água escondidos, descobrir novas formas de arte, capturar eventos e representações com as minhas lentes, e, quem sabe um dia, me arriscar com outras formas de exposição, como documentários, livros fotográficos, filmagens... e eu poderia fazer tudo isso por conta própria, sem que uma agência precisasse me bancar e eu tivesse que atender as suas restrições com as minhas câmeras. E sem precisar que nada fosse cedido a mim de maneira mais fácil também, apenas com a menção do sobrenome do meu irmão.
Os próximos anos seriam lindos e conquistados pelo meu próprio mérito. O único obstáculo ainda remanescente? Lidar com a "desarmonia em consenso" de agora e com as memórias que ela me trazia.
O que era super inconveniente! Eu tinha as ferramentas prontas, eu tinha os bolos já decorados e de tamanho perfeito, eu tinha minha câmera e meu computador recheado de programas que ansiavam pela parte da edição e, melhor ainda, eu tinha tempo para terminar isso tudo. Eu só precisava colocar a mão na massa agora!
Entretanto, parecia impossível. Entendia o conceito do que estava criando aqui e nada mais representaria melhor o tema, na minha visão. Mas a realidade é que, nesta mesma visão, a "desarmonia" nunca havia, de fato, entrado em "consenso".
As "ferramentas" nunca foram... boas com os "bolos". O que havia acontecido, na verdade, era que os "bolos" se tornaram mais bonitos, felizes e completos depois que decidiram deixar as "ferramentas". E houveram, sim, "fotos" da união. Mas as "fotos" foram abandonadas como se tivessem alguma culpa neste desastre todo. Tanto as que já estavam ali, e que eram perfeitas e mereciam o mundo, quanto as que chegaram depois e que sempre foram defeituosas e indesejadas.
Descansei meu queixo nos antebraços, apoiados na mesa de jantar, e observei a bagunça de ferragens por toda a extensão da madeira a minha frente e, em volta, em cima dos armários e do balcão, as caixas de bolo em pequenas pilhas.
Tudo me esperando superar um trauma de infância de repente e tomar logo alguma atitude para fazer o que precisava.
— Absolutamente ridículo. — Esfreguei minha testa quente, bagunçando os fios de cabelo para trás.
Parte de mim queria ligar para alguém. Mais uma vez ser a pessoa que pede ajuda, mas, sinceramente, quem estaria disposto?
De jeito nenhum eu estava envolvendo Blake ou minha mãe nessa metafórica e irônica imagem do passado, eles iriam notar o porquê do meu abatimento na hora e seria crueldade impor isso a eles também. Quanto as outras pessoas — não que eu tivesse tantas —, seria fácil julgar isso tudo como besteira e, além disso, já estava meio tarde para chamar qualquer outra pessoa para vir aqui, então...
O tinido da campainha soou pela casa, pausando meus pensamentos e começando a reproduzir curiosidade na minha mente de imediato. Olhei para o relógio no microondas e vi que já eram quase dez da noite.
Só poderia ser Blake e um breve desespero tomou conta de mim quando mais uma vez lembrei de que não o queria aqui, pelo menos não enquanto não terminasse de costurar a ferida aberta que esse projeto estava sendo. Mas a curiosidade voltou refutando essa possibilidade quando me lembrei de que ele tinha a chave, não precisaria da campainha.
Empurrei a cadeira para trás e me encaminhei para o hall de entrada, pegando e enfiando de qualquer jeito a camisa que tirei e deixei jogada no sofá horas atrás, quando comecei com todo este processo.
Espiei pelo olho mágico e destranquei e abri a porta quase no mesmo instante, precisando da imagem completa para ter certeza de que não estava alucinando de cansaço.
— Olá, Katrina.
— Oi. — Me ofereceu um pequeno sorriso tímido que havia sido o mais incomum que já havia presenciado de seus sorrisos até agora. Mesmo que não tivesse, de fato, visto muitos deles.
Essa percepção momentânea roubou tanto de minha atenção que, puta que pariu, quase que o longo vestido vermelho que usava me passou despercebido.
Não que eu não estivesse acostumado a interagir com mulheres bonitas, mas Katrina, em especial agora, era algo além. Eu não consegui superar logo de cara o quão surreal de linda esta mulher era, tanto que os porquês dela estar aqui, desse jeito, ficaram em segundo plano por um momento.
Assim, com um tom mais casual do que gostaria e deveria, acabei questionando:
— Tudo bem? Posso te ajudar em alguma coisa?
Um vislumbre de surpresa cintilou em seu rosto, como se quisesse ou esperasse um comentário sobre sua aparência, e eu me arrependi de não ter o feito. Apenas senti que deveria, por algum motivo.
Mas... ela sorriu ainda mais.
— Ah, não! Na verdade, me ocorreu se eu poderia ajudá-lo em alguma coisa. Eu só... — Olhou rapidamente para trás, onde estava estacionado seu carro no meio fio, como se a visão dele pudesse ilustrar sua explicação. — Eu estava voltando daquele compromisso que te falei, o de... família — hesitou na palavra — e, como você me passou seu endereço para a entrega dos bolos, e ele acontece de ficar no meio do meu caminho de volta para casa, só pensei em parar aqui e... — deu de ombros, parecendo decidir agora algo que "já havia pensado antes" —... saber se está tudo certo. Se os bolos chegaram todos intactos, se você tem como armazená-los até o uso... se realmente dará conta deles todos até o fim da validade... enfim... — Aprumou os ombros de novo, acabando com seu estoque de deduções.
Ok... o que está acontecendo aqui? E, mais importante: como?
Eu não era o "sem noção"?!
— Na verdade... — Pigarreei, quando minha voz soou muito grave — na verdade, eu ainda não os verifiquei. E... eu preciso deles agora, então não vai ser necessário armazenar. — Rugas leves apareceram em sua testa e ela lançou um olhar furtivo por cima do meu ombro.
— Você... está dando uma festa? — soou cética, provavelmente pelo silêncio.
— Ah, não, eu... — Pensei melhor por um segundo — Olha, por que você não entra? Aí eu te explico tudo certinho, porque, na verdade, eu preciso mesmo de ajuda.
Seus lábios, cobertos pelo brilho de um batom discreto, se entreabriram por um segundo e ela piscou duas vezes, como se precisasse assimilar alguma coisa.
— Sim, sim! Claro! O que eu puder ajudar.
— Ótimo.
Me afastei junto da porta para deixá-la passar e, assim que entrou, olhando tudo em volta, analisando sem nada expressar a bagunça na minha cozinha, de repente me peguei inquieto.
E só fui entender o porquê mais tarde, mas... eu estava me sentindo intimidado. Como se temesse sua reprovação, ou algo parecido. Eu não gostei, mas a sensação, infelizmente, não me era estranha. Antiga, mas definitivamente não estranha.
Alheia a tudo isso, entretanto, Katrina se virou para mim com um sorriso composto.
— E então... do que precisa?
Eu precisava saber o porquê de sua presença.
Eu precisava entender porque estava me sentindo tão pouco à vontade.
Eu precisava descobrir qualquer que fosse seu interesse implícito em me ajudar.
Mas eu também precisava, principalmente, tirar estas malditas fotos, então, quer saber? Não iria questionar.
O importante era que não estava mais sozinho.

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