13.2 - Desejo Fanático

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Alison

Quase engasguei com o sorvete quando li a tela do meu celular.
"Blake" — Nada mais, nada menos.
Droga, ele havia mencionado ontem que talvez ligaria hoje de novo... e eu disse que o esperaria!
Um rápido vislumbre do meu reflexo na tela desligada da minha TV apenas me relembrou de que eu não estava em condições de interagir com ele agora.
Óbvio, se eu atendesse, ele não conseguiria ver meu rosto inchado de choro, meu cabelo desgrenhado ou minha boca e roupas sujas de sorvete, mas a voz embargada e os soluços remanescentes do meu estado deplorável ele com certeza iria captar. Isso sem contar que eu não estava no humor para sustentar qualquer diálogo amigável, e de jeito nenhum eu iria perturbá-lo com meus problemas!
Noah havia me quebrado pela segunda vez e eu lidaria sozinha com isso, para aprender a deixar de ser tão idiota e permitir que tenha acontecido de novo.
Este era um dos principais motivos pelo qual eu o evitava loucamente e, em algum momento destes últimos meses, minha mente traiçoeira havia distorcido tudo para que me fizesse pensar que era por consciência pesada, por dispensá-lo de uma hora para a outra. Mas, não. Era por isso, por toda essa sobrecarga que ele vinha insistindo em investir contra mim, me fazendo sentir ainda pior comigo mesma.
Noah havia destruído minha fantasia de Diário de uma Paixão — Ali e Noah... fala sério, soava perfeito demais para ser verdade! — e agora eu estava sendo obrigada a deixar Blake Lowell cair na caixa postal por culpa dele. Tudo por culpa dele!
Enfiei uma colher cheia de sorvete de morango na boca, decidida a realmente nunca mais olhar na cara dele. De novo! Mas desta vez seria pra valer. Nunca mais lhe daria uma chance sequer de me dirigir a palavra.
Os três toques em uma das portas do meu loft me fizeram desligar todas as minhas lamúrias por puro medo.
Ai, meu Deus... Blake?!
Será que ele estava me ligando para recebê-lo lá fora e, quando não atendi, ele simplesmente subiu?!
Ok, talvez eu esteja supondo demais, provavelmente era minha obsessão querendo vê-lo mesmo que não esteja em condições.
Mas, mesmo que fosse ele, éramos amigos agora, certo? Ele concordou com isso, então não deveria ser um problema.
A minha parte que extranaturalmente o valorizaria pelo resto da vida, me forçou a correr para trocar de camisa e esfregar a suja no rosto para tirar os resquícios do sorvete.
Abri a porta ainda passando as mãos nos cabelos, tentando domá-los o melhor que podia, e...
alívio me percorreu no segundo em que vi meu namorado ali, parado na porta.
— O que ele fez com você? — Evan me lançou a pergunta, se assustando assim que teve acesso a minha cara miserável.
Ele, entretanto, parecendo só ter se incomodado em colocar uma camisa antes de vir direto da quadra para cá, estava absurdamente lindo, para variar, com aquela aparência de menino que passou o dia todo brincando na rua. Apesar de vir mudando conforme envelhecia, continuava sendo uma das coisas mais adoráveis sobre ele.
Ofeguei dolorosamente. Não tinha palavras...
— Alison, o que o Noah fez com você? Por que está assim?! — Me segurou pelos ombros, esquadrinhando meu rosto com um olhar preocupado. — Ele te ofendeu?
E a represa que segurava minhas lágrimas simplesmente se rompeu mais uma vez.
Ali mesmo, na frente dele e sem mais palavras.
Não sabia se era sua proximidade repentina depois do que pareceram semanas, sua atenção, minhas emoções afloradas, o fato de eu não saber qual situação complicada precisava resolver com ele primeiro... só sei que cheguei ao ponto de cobrir meu rosto com as mãos por vergonha, pois meu choro era audível e dramático feito o de uma criança pequena que perdeu seu bichinho de estimação.
Como havia dito... quebrada.
— Ali... — soou pesaroso e o senti me fechar contra seu corpo quente. — Fala comigo, querida, o que aconteceu?... — Solucei contra o algodão já molhado de sua camisa, incapaz de articular qualquer coisa. — Olha, eu sei que ele te fez alguma coisa... eu vi vocês dois conversando de longe e de repente ele se aproximou de cara fechada, parecendo querer quebrar alguém no meio! E então você sumiu, eu não entendi nada! — Se afastou o suficiente para me olhar. — Ele te feriu, ou tentou fazer alguma outra coisa ruim com você? Pode me falar. Prometo que vou acreditar e, seja o que for, vou fazer ele se arrepender, eu juro! Só... conversa comigo, Ali... por favor.
Apertei os olhos e esfreguei os rastros das lágrimas, negando com a cabeça em resposta.
— Não? Não, o quê? Não quer conversar? Pode falar comigo, Ali... — ofereceu com a voz mansa, mas ainda assim com uma pontada de exigência.
Ele havia presenciado apenas pedaços da história e, agora que tanto Noah quanto eu não havíamos sido capazes de encobrir as consequências alarmantes, ele estava confuso e provavelmente tirando as piores das conclusões em sua cabeça.
Ou seja: não dava mais pra enrolar.
Suspirei, me permitindo apenas admirar o esverdeado de seus olhos por um instante e buscando por sua mão.
— Ele não fez nada — decidi esclarecer, antes de tudo. — Só está... bagunçando comigo, eu acho...
Evan piscou, franzindo o cenho sem entender.
— Eu vou te explicar. Tudo. — Indiquei minha sala de estar com um aceno e ele entrou, me acompanhando.
Se sentou no sofá de frente para mim, sua expressão bonita carregada de expectativas e tensão fez meu coração se apertar dentro do peito. Por esta sensação, e por conta dos espasmos de choro ainda insistentes, foi bem difícil conseguir respirar fundo naturalmente.
O perigo disso nos destruir de vez era exorbitante, eu tinha plena ciência disso e parte de mim estava aterrorizada, apesar de todos os empecilhos que já tínhamos sem o envolvimento de mais ninguém. Mas Evan precisava saber a verdade. E, dado o óbvio ressentimento que, aparentemente, Noah ainda guardava... eu estava tendo sorte de ser quem lhe contaria tudo. Até mesmo para o próprio Noah, já que era com meu namorado esquentadinho que estávamos lidando.
Respirei fundo, tentando recapitular mentalmente o momento em que essa confusão havia se iniciado.
— Lembra daquela convenção grande que Kat sediou aqui? "Desfalque Gamer"? — comecei, hesitante.
— A que eu não pude vir — lembrou de imediato.
— Porque foi quando seu pai ameaçou sair do estado de remissão e era a sua vez de ajudá-lo com a oficina, no Maine — completei e ele assentiu, já parecendo impaciente. — Mas você queria muito ter vindo, lembra? — tentei ressaltar este detalhe também, até chegar onde queria. De repente ele poderia ligar os pontos certos sozinho e eu não precisaria falar exatamente. — Porque sabia que teríamos muitos produtos exclusivos e eu não iria poder parar pra fazer compras pra você. Seria um dia cheio, eu estaria trabalhando o tempo todo e os estandes de vendas não aceitavam os cupons de desconto que te dei, porque sou uma funcionária.
— Sim — concordou com firmeza. — Ali, direto ao ponto, por favor. Sabe que me irrita quando você enrola demais assim, ainda mais agora que a coisa parece ser séria.
Meus ombros caíram e a vontade de deixar mais lágrimas desceram junto quase tomou conta de mim novamente, mas desta vez consegui ser mais forte e apenas deixei as palavras saírem:
— A questão é que, por saber que ele curtia essas coisas também, você acabou mandando Noah comprar o que você queria em troca de dividir os cupons com ele. Enfim... essa acabou sendo a primeira vez em que o vi sem você por perto e, o que você não sabe, e eu sinto muito por nunca ter comentado, é que eu sempre senti... alguma coisa quando se tratava dele... Entende o que quero dizer? — Evan assentiu, parecendo um pouco incerto, mas silenciosamente me incentivou a continuar. Droga, ele ia me fazer dizer as palavras... — Eu me sentia atraída por ele. Tipo...
muito atraída. — Pausei, esperando uma reação que não veio. — E, no final do evento, talvez porque você não estava por perto, ele pediu para conversar comigo a sós, porque "se sentiu confortável o suficiente para vir me dizer que percebia o interesse e que sentia o mesmo".
Seu olhar congelou em mim ainda da maneira que estava, com aquele lampejo de concentração. Mas algo parecia ter mudado. Seus pensamentos pareciam se tecer em silêncio e absolutamente nada me dava uma dica do teor que estavam seguindo.
Simplesmente dei de ombros, sabendo que agora não tinha mais volta.
— Ele me chamou pra sair naquele mesmo dia — continuei, desviando minha atenção para o meu colo. — Eu disse "não", porque... — Eu ficaria extremamente nervosa e estragaria tudo antes mesmo de começar! — seria uma pressão desnecessária, já que eu estava apaixonada por outra pessoa. — Arrisquei um olhar rápido e seu rosto continuava exatamente do mesmo jeito, quase como se ele fosse uma estátua, ou algo assim. — Mas, ao mesmo tempo... eu nunca havia sentido tanto desejo por alguém que demonstrasse corresponder logo de cara, ainda mais como ele fez inicialmente. Então, eu... — Mordi o lábio, deixando as palavras morrerem por um segundo para unir coragem o suficiente.
Essa, com certeza, seria a parte mais complicada... Mas ele resmungou um lamento antes que eu prosseguisse.
— Ah, Deus... — Esfregou o rosto com as duas mãos, me encarando com os olhos arregalados logo depois. — Alison, me fala que você não deu uma de "Desejo Fanático" pra cima do Noah...
por favor, me fala que não...
"Desejo Fanático", como explicar isso sem terminar de cavar de vez minha própria cova na terra da vergonha?...
Bom, era uma fanfic, pra começar.
Eu escrevi quando tinha dezesseis anos, ainda aprendendo a lidar com toda a progesterona e o estrogênio dentro de mim, enquanto utilizava apenas da minha imaginação de adolescente extremamente insegura e solitária, ou seja... o cunho era absurdamente sexual. E adivinhou quem logo se lembrou de Blake! Junto com alguém que eu fingia ser a versão melhorada de mim mesma, ele protagonizava aquele curto relato da garota que o encontrava numa festa de um conhecido em comum e, sem a mínima das intenções, capturava de imediato sua atenção, interesse e, principalmente, sua libido.
Em minha defesa, os eventos da noite em que realmente me encontrei com Blake pela primeira vez provam que minha imaginação não foi a pontos tão surreais assim, porém o constrangimento só começava mesmo com a parte em que "Aline", ao invés de aceitar o convite de Blake para um encontro, alegando que se sentiria nervosa demais — familiar? —, decide lhe propor um acordo, que ela, convenientemente, possuía um contrato por escrito dentro da bolsa, onde concordava em oferecer cada centímetro de seu corpo cem por cento intocado para ele. Para fins sexuais.
As únicas condições eram de que ele respeitasse seus "limites de garota virgem" e fosse... generoso.
Reviver os detalhes gráficos dos cinco próximos capítulos até o epílogo — onde "Aline" se casava com Blake e se descobria grávida de gêmeos —, era embaraçoso demais para o meu eu de agora aguentar, mas posso resumir dizendo que abusei de toda a minha "vasta experiência" adquirida como devoradora de romances literários, ao mesmo tempo em que tentei ultrapassar os limites da insegurança e da pouca idade em cada bendita palavra daquela coisa!
Entretanto, se estar condenada a ter de lidar para o resto vida com isso já não fosse desconfortante o suficiente, era óbvio que, ainda na época, Evan tinha que ter encontrado e lido a coisa toda enquanto eu estava no banho. Demoraram eras para ele parar de rir daquilo toda vez que se lembrava de qualquer mínimo detalhe da minha péssima escrita e eu nem sequer podia gritar com ele por isso.
Eu gostava de longos banhos de banheira.
Eu dei autorização para ele usar meu computador enquanto me esperava.
Eu deixei a porcaria da fanfic aberta!
O que acabava nos arrastando para este ponto, onde agora eu era sua namorada, estava admitindo que um cara lindo e muito gostoso sentiu atração por mim ao mesmo tempo em que eu senti por ele, e Evan imediatamente se lembrou daquele prólogo em que "Aline" revelava que estava pronta para propor aquele contrato para o primeiro que se encaixasse nesta descrição, porque não aguentava mais ser ignorada por "Eric", seu crush do colégio.
"Aline" ainda completava que jamais imaginaria que este cara pudesse ser Blake Lowell. Evan, no entanto, provavelmente estava pensando que jamais imaginaria que pudesse ser um de seus melhores amigos.
Bom, não sei se era um bem feito por todas as zoeiras em que ele me submeteu por conta dessa história, mas o azar com certeza era dele, porque a verdade não ia muito longe disso, não.
— Eu não tinha um contrato — escolhi ressaltar, depois de refletir por um momento. — E também não disse nada tão explícito, só... dei a entender e Noah concordou.
A única resposta de Evan foi esbugalhar ainda mais os olhos e enfiar os dedos nos cabelos, para então cair deitado no espaço do sofá atrás de si.
— Mas a gente não fez tudo, tudo... eu mal tive coragem pra falar com ele direito depois. — Porque eu não possuía a cara de pau de "Aline" pra dizer todas as palavras com convicção. — E todas as outras quatro vezes em que apareci na casa dele, ele já sabia o que fazer, então...
Evan se sentou de repente, me assustando.
— Outras quatro vezes?!
Abri e fechei a boca, hesitando e não sabendo como exatamente parar de fazer isso.
Até me lembrar das palavras de minha melhor amiga sobre este assunto, três dias atrás.
— Evan, eu... eu sei que você queria que nós fizéssemos isso juntos pela primeira vez, e eu também queria... Nossa, eu sonhava com isso!... Mas também não sabia se você iria mudar de ideia sobre mim algum dia. Eu tinha esperanças, porque é só isso que se pode ter, mas também queria, sei lá... não desperdiçar a minha vida, sabe? Não sabia quanto mais teria que esperar. — E, se dependesse de você, eu ainda estaria esperando! Mordi o lábio, nervosamente segurando as palavras lá.
Evan me olhou como se quisesse dizer alguma coisa, mas tirou um segundo para pensar.
— Tudo bem, Ali, eu só... — Balançou a cabeça, refutando algum pensamento. — Eu não imaginava isso. Mesmo que tenha notado que ele sempre te olhou um pouco demais. Enfim, isso explica a birra dele com você, eu acho... — Me olhou com cautela. — Por que não me contou?
Sorri fracamente.
— "Claro que quero ser sua namorada, Evan! Me deixe só avisar seu amigo que não posso continuar dormindo com ele, tá?" — Dei de ombros e ele conseguiu sorrir fraco em compreensão. — E também... sei lá... fiquei com medo disso mudar sua visão de mim, ou algo assim — admiti, receosa.
— Não, nada a ver... quero dizer, me surpreende, mas você tem razão, você tem o direito de fazer o que quiser... — Tomou minha mão na sua, ainda hesitante, e manteve seu olhar colado nas carícias que começou a fazer. — Mas, só por curiosidade, ele... te tratou bem?
Ele pareceu ter um pouco de dificuldade para me perguntar isso.
— Sim, eu acho... — Pensei sobre por um momento. — Na verdade eu diria que ele teve o máximo de gentileza que alguém poderia ter naquelas circunstâncias.
Sua mão parou em cima da minha.
— Que circunstâncias?
— Casuais. — Pigarreei, o desconforto voltando a tomar conta de mim. — Como eu disse, a gente não conversava. E ele nem sequer me beijou direito. Pareceu... tentar no primeiro dia, mas nada profundo. — Depois de Blake, eu tinha certeza disso. — E... logo depois que acabava um dos dois sempre se afastava o mais rápido possível.
— Isso... isso soa frio. Que idiota! — concluiu, de repente, e me surpreendeu o fato de que logo ele fizesse esta distinção, mas resolvi não dizer nada sobre isso.
— Não, por isso ele não é... eu também não me importava. Desde o começo não houve nenhum vínculo emocional e acho que não teria conseguido seguir adiante com aquilo se tivesse sido de outra forma... — Suspirei, franzindo o cenho. — E eu subestimei isso, aparentemente.
— O quê? Subestimou o quê? — Me olhou finalmente, com curiosidade.
— A casualidade em si. — Deixei meus ombros caírem, frustrada novamente com a lembrança da conversa de hoje com Noah. — Eu disse pra ele que nunca havia feito nada daquilo, disse que estava nervosa e até impliquei que preferia que fosse com você, porque era quem eu amava, e ele ainda concordou em ser gentil em absolutamente tudo, inclusive com os meus sentimentos. Mas hoje ele basicamente esfregou na minha cara que eu não fui nada mais do que um desperdício de tempo. Por isso eu estou... — indiquei meu estado deprimente — assim! Eu sei que é besteira, sei que não fiz nada de errado, mas você sabe como eu sou, eu só... olho pra ele agora e me sinto suja, então... eu parei de olhar. Parei de falar com ele. — Pigarreei novamente, quando minha voz ameaçou embargar — Até porque também, nas vezes em que o permiti falar, ele agia como se tivéssemos algum compromisso sério e que eu tinha o decepcionado de alguma forma. É só...
confuso!
— É confuso — concordou, parecendo perdido ele mesmo. — Mas... isso soa muito fora do que ele diria. Noah geralmente não dá a mínima pra quem ele se envolve, não sei porque está agindo assim logo com você.
— Eu lembro que você comentava sobre isso e, realmente, ele mal disse um "ok" quando terminei tudo, sabe? E... e agora eu não sei o que pensar. Não sei porque ele parece tão amargurado com essa situação.
Evan ficou em silêncio por um minuto, parecendo extremamente concentrado em alguma coisa, e, quando abriu a boca, foi para anunciar com determinação:
— Eu vou conversar com ele depois.
— De jeito... nenhum! — neguei de pronto, meu coração se assustando só de imaginar a possibilidade.
— Alison, isso precisa ser resolvido, eu não vou deixá-lo continuar bagunçando com você desse jeito!
— Por isso eu decidi que vou só continuar o ignorando! Ele não pode fazer nada, se eu fingir que ele não existe. — Evan ainda não parecia convencido. — Evan, é sério! Só o que vai acontecer é que ele vai te dizer um monte de coisas sem sentido, igual faz comigo, ou você vai acabar arrumando briga com ele também, ou isso só vai nos afastar ainda mais! Esquece isso, por favor!
Seu rosto formou uma careta de profunda confusão novamente.
— Como assim, "ainda mais"? Você já era minha melhor amiga antes de ser minha namorada, Alison. Nada vai me afastar de você.
A hesitação me acometeu por apenas um segundo, quando olhei naqueles olhos bonitos que tanto amava. Mas foi este mesmo sentimento, o amor, que me fez continuar, de uma forma que não esperava, no entanto:
— Evan, eu... eu entendo que você tenha alguns problemas. — Vi sua sobrancelha arquear com a mudança súbita do meu tom. — Mas você se afastou, sim... não apenas nos últimos dias, mas desde que começamos a namorar. Você não conversa mais comigo direito... não notou isso? — perguntei, não conseguindo evitar me chatear.
O foco de sua atenção se tornou tudo, menos o meu rosto, e eu consegui quase enxergar o momento em que sua consciência começou a realmente pesar em suas costas.
— Ali, é... é mais complicado do que isso, ok? Eu sei que me afastei e sinto muito por continuar sendo esse otário com você, mas tá difícil! — Me olhou rapidamente, com pesar. — E parece que só tá complicando ainda mais, desde...
Deixou a frase morrer, mas eu sabia para onde sua mente tinha ido.
— Desde que você beijou o Caleb. — Cruzei em braços como se me defendesse, evitando o encarar diretamente também. — Está tudo bem... Eu tenho uma queda por ele também.
Forcei um sorrisinho sem humor que, talvez, pudesse ter parecido muito mais convincente, se não fosse pela lágrima que acabou escapando.
Apertei as pálpebras fechadas, determinada a não deixar aquele aperto no meu peito levar a melhor novamente, mas a mão áspera que secou meu rosto acabou me ajudando mais com a distração.
Abri os olhos para encontrar Evan, tão perto como quase nunca se permite estar, com uma rara doçura em seu sorriso triste que fez meu coração dançar dentro do peito.
Foi em um destes momentos que eu lembro que me descobri realmente apaixonada por ele.
Quando se mostrava tão diferente, tão mais próximo a mim...
Era isso que a maioria das pessoas não entendia. Kat, por exemplo, que nasceu e cresceu no que tinha de ser uma imagem imaculada, era uma delas.
Ela não entendia como era ser olhada desta maneira. Não sabia o que era ver alguém sorrir ou gargalhar com sinceridade, ver alguém se sentir tranquilo o suficiente para brincar descontraidamente... Kat nem sequer gostava muito de ser abraçada. Ela só buscava pessoas imaculadas e por isso não se dava bem em seus relacionamentos. Ela não sabia o que era genuíno para realmente tentar com alguém.
Evan era muito real comigo e era reconfortante saber que possuía esse nível de exclusividade, de poder me apaixonar por essa pessoa encantadora que ele demonstrava ser apenas com um olhar por vezes. Por isso doía só de pensar que não daria certo.
Não era apenas pelo amor. Era por tudo o que vinha junto no pacote. E eu só... precisava que um sentimento assim me completasse.
— Sabe que é você que eu amo, não sabe? — perguntou, acariciando meu rosto. As sardinhas leves em seu nariz maravilhosamente visíveis, assim tão de perto.
Apenas consegui assentir.
Sua expressão ganhou um aspecto obscuro, de repente.
— Você é literalmente a única coisa boa na minha vida agora. Todo o resto... eu mesmo, na verdade... Apenas não estou conseguindo dar conta de mais nada. — Seu olhar subiu ao meu e, mesmo que ainda hipnotizada, a interrogação me subiu a mente.
— C-como assim?... Alguma coisa aconteceu?
Me lembrei rapidamente do seu trabalho, de algumas dívidas que ele possuía, do pai dele que já não estava cem por cento bem há algum tempo, da mãe que vivia o aporrinhando por ter decidido se mudar para longe, mesmo depois de quase três anos... pensei em quase todos os infortúnios de sua vida ao mesmo tempo.
Mas todos eles se calaram no segundo em que seus olhos caíram para minha boca.
— Eu tenho você. Isso é tudo o que importa agora.
Sua boca tomou a minha com certa atitude e eu juro que quase desmaiei. Juro!
Este era Evan, meu namorado, mas não era assim que ele agia, pelo menos nunca comigo!
Braços me puxaram para nos colar ainda mais juntos e mãos me seguraram no lugar com firmeza, tanto guiando meu rosto com carinho, quanto explorando minhas costas por baixo da camiseta. Opa, quase que a síncope veio novamente, porque, meu Deus do céu, ele estava me tocando!
Sem perceber como e quando aconteceu, estávamos deitados no sofá, ele por cima, ainda sugando meus lábios com exigência e eu apenas a sua deriva, deixando sua língua invadir a minha boca com uma fome tempestuosa que havia experimentado antes uma única vez na vida.
Mas, por tudo que era mais sagrado neste mundo, este não era o momento pra me lembrar disso!
Perdi a conta dos segundos e minutos em que ficamos desta maneira, mas sei que aproveitei cada um deles, tocando e apalpando absolutamente tudo ao meu alcance. Sentia aquela felicidade eufórica — esperançosa, milagrosa, celestial! —, emanar por cada um dos meus poros e pela terceira vez, e mais algumas outras, eu honestamente acreditei que iria perder a consciência.
Evan soltou minha boca apenas quando a necessidade de oxigênio se tornou insuportável, mas isso não o impediu de continuar a espalhar beijos ofegantes pelo o que pareceu cada centímetro do meu rosto, até se enfiar no meu pescoço e continuar pela pele quente dali.
Meu Deus, era agora... Finalmente a hora havia chegado! Aqui mesmo, neste sofá... Eu não estava nem aí! Só queria que ele...
Abri os olhos, a respiração ainda descompassada quando franzi o cenho para os meus dois pares de lâmpadas fluorescentes no teto.
A primeira coisa que percebi foi a sua completa imobilidade. Se não fosse pelo inflar de seus pulmões e pela temperatura agora fervente de sua pele, eu realmente pensaria que ele tinha congelado em cima de mim.
A segunda coisa que percebi, no entanto... explicou quase tudo.
— Evan...? — sussurrei, começando a acariciar seus cabelos arrepiados por puro instinto. — Amor, você tá chorando?
Ele fungou, choramingando, e enfiou seus braços por trás das minhas costas num abraço forte.
— Eu sinto muito, Ali... — murmurou contra o meu ombro, sua voz completamente alterada pela emoção.
— Sente muito, pelo o quê? O que aconteceu?
— Eu não sou o suficiente pra você. Eu sou um babaca, imbecil! Deveria ter confiado em você!
Não te deixado sozinha... — Tossiu mais lágrimas para fora e um bolo começou a se formar na minha garganta, contagiada pelo seu lamento.
— É por conta disso?! Amor, a gente resolve, está tudo bem! Não precisa ficar assim... Eu fiquei chateada, mas não é o fim do mundo.
Sua cabeça balançou, firmemente negando.
— Não, não é só isso... — Pausou, tentando se controlar. — Não foi por aquela estupidez que eu disse, eu... eu me arrependi logo depois. Me perdoa, Ali... Eu só não queria te preocupar, não tinha intenção de te abandonar...
— Claro que eu perdoo, Evan! Está tudo bem! O que aconteceu? Conversa comigo.
Ele se afastou o suficiente para que seu rosto ficasse de frente para o meu e eu senti.
Literalmente senti aquela energia... aquela disposição sobrenatural, misturada à raiva que ele a vida toda demonstrou sentir todas as vezes em que algum colega de escola infantil insultava minha aparência, por exemplo... era uma vontade extrema de largar tudo e massacrar tudo e todos que fizeram isso com ele.
O deixaram triste daquele jeito! Era simplesmente revoltante!
Infelizmente, alguém tão forte, independente e corajoso como Evan precisaria de muito mais do que um colega de classe sem graça ou de um "ex-casinho" que continuava o importunando para se deixar fragilizar desta forma. E eu deveria imaginar isso. Na verdade, eu tinha, todas as vezes em que me orgulhava de sua imponência.
Mas esta consciência só fez suas palavras doerem ainda mais:
— É meu pai, Ali... o câncer apareceu de novo.
E foi com essa dor que eu entendi. Que tudo fez sentido e a resposta estourou na minha mente feito o mais funesto dos fogos de artifício.
Evan não precisava de uma namorada.
Precisava de uma amiga.

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