Caleb
E, para a minha surpresa, uma hora e meia mais tarde, eu estava ouvindo fofocas.
Quando foi a última vez que alguém fofocou comigo?
— Ela está gerenciando a confeitaria com seu recém ex-marido. Preciso dizer mais?
Abaixei minha Canon dsrl¹ e meus olhos, que antes miravam em Katrina através da pequena tela com admiração distraída, agora encontravam-se esbugalhados de espanto.
— Aquele homem, por quem você perguntou... — lembrei aos poucos de suas palavras trocadas com Dawn no início da tarde de hoje e ela assentiu, sem tirar os olhos da vela de ignição que tentava equilibrar no topo de um bolo todo enfeitado com morangos.
— Eles apenas decidiram se divorciar quando aceitaram que não se davam mais tão bem como antes, pelo o que ela me disse. Treze anos de casamento foram para o espaço. — Deu dois passos lentos para trás, como se não confiasse na estabilidade de seu feito e estivesse apenas esperando que tudo desmoronasse.
— E me deixe adivinhar: nenhum dos dois aceitou ceder a confeitaria para o outro? — Isso explicaria a atitude de quem só queria ver o circo pegar fogo da atendente e, pelo o que estava sabendo neste momento, co-fundadora do lugar.
— Exatamente, mas essa é a parte que me intriga...
Seus pés descalços pularam para fora das marcas de captura que estabeleci — que nada mais eram do que o quadrado do tapete da minha sala — e eu quase quis seguir seu movimento com a câmera e, ao invés do bolo disposto na mesa bistrô no centro do cômodo, tomar o seu retrato, ainda dentro daquele vestido de tirar o fôlego, mas agora descalça, livre de suas joias e com as ondas loiras de seus cabelos presas para trás de forma desajeitada, em um rabo de cavalo baixo.
Parte de mim queria muito enxergá-la como uma nova ideia para a "Desarmonia em Consenso" e esquecer toda esta coisa cansativa em que estávamos trabalhando, mas, por mais que não estivesse mais adornada ao nível de uma rainha, como quando chegou aqui, ninguém que possuísse boas vistas e o melhor de seu juízo diria que havia desarmonia na aparência de Katrina.
E não era também como se eu pudesse alterar a descrição da minha proposta vencedora. E, muito menos, que ela fosse concordar com isso.
Mas esta era uma ideia que simplesmente não me fugia da mente. Todo o momento entre minhas inúmeras explicações sobre meu projeto, felicitações da parte dela quando disse que havia conquistado esta grande oportunidade, alguns questionamentos sobre meu bem estar, pelas marcas ainda aparentes que Evan havia deixado em meu rosto, e, agora, fofocas sobre a vida amorosa de sua afiliada rabugenta, eu somente não estava conseguindo encontrar a chance — ou as palavras, a coragem, a cara de pau... — de abordar o assunto de "ei, você gostaria de posar para a minha câmera por nenhum propósito a não ser o da minha própria curiosidade impudica?
Ah, e de preferência, que seja nua. Não, não, você não vai receber para isso!".
Porque era isso que eu fazia quando encontrava alguém tão unicamente atraente: eu registrava sua imagem para mim. Mas isto era em um cenário apropriado por ser inapropriado, por assim dizer. Ambos já estaríamos nus e a câmera só se tornaria um elemento estimulante. E, não apenas por Alison, mas eu também não sentia que a mente de Katrina estava sequer a meio caminho andado deste interesse.
Uma mulher bonita, na minha casa, não era o foco da minha câmera. Ou do meu pau. Era genuinamente estranho!
Então este é o clima que temos para hoje... fofocas! Aceitei, levantando a câmera até minha visão novamente.
— Então... o que é? — questionei, depois que o flash cegante se dissipou tão rápido quanto veio.
— "O que é", o quê? — perguntou de volta, depois de desviar sua atenção das escadas ao seu lado, para onde vinha olhado com muita frequência desde que chegou.
— O que você disse que te intrigou, sobre a... separação de bens mal sucedida de Dawn — completei com esforço disfarçado.
— O fato de que não é nem um pouco mal sucedida! — Abriu um sorrisinho esperto. — Eles escolheram isso, Dawn e Tony. Foi uma decisão mútua de continuarem cuidando juntos de seu negócio, mesmo com o divórcio, exatamente da forma que era antes. Pelo o que fiquei sabendo, o assunto nem entrou muito em questão no meio de toda a papelada. Eles quiseram assim desde o início.
Franzi o cenho, parando para pensar um pouco.
— Ok, é um pouco estranho mesmo. — Levantei os ombros, me voltando para os ajustes na tela em minhas mãos. — Ou é simplesmente o caso mais rígido e respeitado de maturidade profissional que já existiu.
— Não é? Alison disse praticamente a mesma coisa. — Saltitou de volta até o bolo já acostumada com o processo de retirar-limpar-trazer-o-próximo-bolo. Mas não antes de lançar mais uma longa olhada para o escuro do corredor no topo das escadas.
Seu interesse no andar de cima era mais um dos pontos que eu não estava sabendo como questionar. E, sem uma resposta precisa, e com meu quarto estando naquela mesma direção, algo em minha mente — e em minhas calças — se colocava a imaginar todo tipo de explicação para isso por si. Não apenas sobre seus olhares, mas também se conectando ao fato dela estar aqui, neste horário da noite, parecendo totalmente que estava usando esta coisa de "me ocorreu de você pode precisar de ajuda" como desculpa.
A questão era que eu precisava mesmo e, com exceção dos momentos em que fotografava, eu estava bem agradecido de não estar precisando olhar demais para a toda a disposição e dar vazão ao significado fodido por trás dela. E o fato de que era Katrina cuidando de tudo? Eu não poderia pedir por uma distração mais eficiente, com toda certeza.
Mas era um tanto quanto ingênuo pensar que ela havia aparecido aqui justamente para isso.
Quero dizer... se eu estava tão desesperado por este monte de bolos, como ela presenciou hoje cedo, era óbvio que já tinha tudo preparado para eles, mesmo que não fosse exatamente consumi-los da forma esperada. Não havia como ela saber de meus infortúnios do passado que estavam me atrasando em fazer isso e, principalmente, não havia porque logo ela se importar tanto.
Katrina tinha vindo aqui por alguma razão própria. E, percebendo o momento em que se encontrava de costas para mim, com sua atenção focada nas chaves de fenda que apunhalava no novo bolo disposto da forma que eu havia previamente lhe instruído a fazer, aproveitei essa brecha mínima sem que precisasse encarar seus olhos.
— Então... você estava vindo de um casamento, ou algo assim? — decidi, finalmente, começar por aí, para possuir certo contexto quando chegasse em "e o que te levou a vir parar na minha casa?".
Notei, pela minha visão periférica, os movimentos delicados de seus braços congelarem o que trabalhava no bolo e, parecendo não conseguir evitar, ela mais uma vez olhou para as minhas escadas. Só que agora estava fazendo isso abertamente.
— Um leilão para a caridade. Meus pais estavam participando e... precisavam da presença das filhas com eles — respondeu sem entoar nenhuma sugestão.
— Oh... caridade para o quê? — Não era a pergunta que eu queria fazer de início, mas não poderia negar que havia me interessado.
— Para uma organização que está tentando levantar fundos para uma rede de orfanatos do estado. Eles estavam visando conseguir o suficiente para livros didáticos e mais profissionais tanto da educação, quanto da saúde. O voluntariado, aparentemente, não está dando conta, e, dependendo do nível de solidariedade, eles gostariam de arcar com reformas também. — Por algum motivo, isso lhe arrancou uma risada irônica e ela murmurou muito baixo, só entendi porque o cômodo estava no mais completo silêncio: — Como se tivessem chances de conseguir sequer o mínimo...
Acompanhei a costura em formato "V" de seu vestido, começando na base de suas costas e subindo até onde ela desaparecia, formando a frente única que a cobria até a gola alta. Refiz este caminho com meus olhos por alguns segundos, que se tornaram dois ou três minutos de completo silêncio, até me ligar de novo e notar finalmente o gigantesco escárnio que havia deixado no ar.
— Você... não aprova organizações de caridade? — Meio insinuoso, eu sei, mas, vamos lá, como exatamente expressar indignação em um caso desses sem atirar cinquenta pedras em uma pessoa que está demonstrando falta de altruísmo? Você somente tinha que deixar o desgosto aparecer.
E Katrina havia entendido muito bem minha sugestão. Se virou, tomando uma postura imponente digna de um capitão prestes a ladrar ordens rígidas e expressas para seu batalhão e, mais uma vez, um arrepio atemorado desceu pela minha nuca com aquele intenso olhar verde.
— Eu vou explicar uma realidade de maneira bem direta pra você antes de responder a isso. — Lambeu o lábio inferior, mas sem hesitação, continuou: — Grande maioria das pessoas que participam destes eventos, incluindo a minha família, só aceitam fazer isso pelas aparências. Meu pai é candidato a senador estadual, então ele, mais do que ninguém, precisa que sua esposa e par de filhas perfeitas estejam em seu encalço o apoiando nessa imagem narcisista e mentirosa. E, parte de ser "perfeita" — fez aspas no ar, com as unhas compridas e bem feitas —, exige não oferecer lances por conta própria e manter a porcaria da boca fechada. Hoje o candidato a senador Richard Heaven, meu pai, fez seu lance, que ninguém se dignou a tentar abater por sua influência, e já foi o suficiente para que a imprensa ofereça para o público mais tarde a notícia com a foto dele e de sua bela família posando com uma pintura sem graça que não vale mais que míseros mil e quinhentos dólares. — Forçou um sorriso que não chegou a seus olhos e, de repente, suspirou, seus ombros nus e pálidos caindo como se já estivesse em derrota, mas ainda nem um pouco acostumada a ela.
— Foi... apenas o suficiente para o dia de hoje, sabe? Ele apareceu no evento, gastou menos da metade do mínimo que poderia ter gasto, mas já pode se proclamar o humanitário por aí. — Mais uma longa e pesarosa olhada para as escadas. — Então, não, eu não tenho nada contra a ONGs de caridade... mas o que eu tenho a favor também não posso oferecer. Você sabe... não pegaria bem para o meu pai que as pessoas descobrissem que sua princesinha fútil está fazendo mais pelos outros do que ele... enfim, frustrações de família, certo?
Pisquei três vezes, sem ter o que dizer, mas ela também não esperou por um comentário meu e se virou, voltando ao trabalho.
Ok... ela não tinha vindo aqui para nenhum convite sexual inesperado! Na verdade, quanto mais digeria suas palavras, mais a certeza de que sua mente estava numa atmosfera completamente diferente da minha se engrandecia.
Quanto as dúvidas que possuía antes sobre sua presença aqui? Ainda não estavam solucionadas.
Pelo menos não ao meu ver, talvez houvessem pontos que eu ainda não tinha sido capaz de conectar.
Mas, agora que qualquer possibilidade carnal estava mesmo fora da equação, era estranho dizer, mas ela apenas me parecia mais... simples de se lidar. E estar perto. Coisa que jamais aconteceria com qualquer outra pessoa que atiçasse metade sequer da atração curiosa que eu estava sentindo por ela.
Eu precisava entendê-la, de alguma forma.
Então apenas fiz isso: Levantei minha câmera e a poderosa luz cegante tomou conta do cômodo por um segundo, flash! Era isso, eu tinha a imagem daquele decote tentador e de todas suas curvas traseiras, femininas e delicadas eternizadas no meu back-up.
Era um belo de um começo a se apreciar, o pensamento correu por minha mente, enquanto diminuía a intensidade do brilho na câmera.
— Você... tirou uma foto minha?!
Katrina havia se virado de frente novamente, as pontas dos dedos manchadas de laranja, por conta do glacê colorido artificialmente do bolo, levantadas no ar, servindo como uma perfeita moldura para seu lindo rosto congelado numa expressão de descrença.
Não resisti e tirei mais uma foto.
— Duas, agora. — Sorri para o resultado um tanto quanto cômico na pequena tela.
Ela não conseguiu segurar uma risada.
— Por quê?
Porque de repente eu estou me sentindo à vontade com você.
— Porque você teve uma merda de uma noite deprimente com suas mãos atadas, pelo o que entendi. Mas... — mais uma foto, agora sem cegá-la temporariamente — você está um espetáculo para os olhos. — Dei de ombros. — Achei que seria interessante registrar este lado bom. — O que era verdade também.
Katrina hesitou um pouco, mas a suavidade aos poucos foi tomando conta de seu rosto, aumentando seu sorriso.
— Ok... — soprou no ar, apenas.
E, com essas duas mínimas letras, eu entendi duas coisas:
Ela estava à vontade comigo também.
E isso era tudo o que carecia no momento....
¹.dsrl - "Digital Single Lens Reflex". No português, "Reflexo digital de uma única lente";
Câmera profissional.
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Tudo o que Sonhei
RomanceO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...