22.2 - Desespero real

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Caleb

Aproximadamente vinte fichas de roubo e denúncia e incontáveis minutos de depoimento com um oficial depois e já eram quase oito da noite quando, enfim, eu estava saindo da delegacia instruído apenas em esperar que me ligassem com "futuras atualizações sobre a investigação".
E, para minha surpresa, sentados em cadeiras afastadas na área de recepção, lá estavam Blake e Katrina, a minha espera.
Concretizaria este pensamento apenas mais tarde, mas senti naquele momento que, seja lá o que fosse aquela cisma de atração estranha que tive antes pela mulher, agora deveria estar em hiato ou algo assim.
Eu ainda a achava intrigantemente linda. Saber que ela estava em um relacionamento com o meu irmão, ainda era desconfortável, para dizer o mínimo. Mas duas semanas haviam se passado desde que a vi pela última vez e, definitivamente, não estava esperando encontrá-la agora.
E, ainda assim, tudo o que consegui pensar ao colocar meus olhos nela foi:
— Cadê a Alison?
Como na noite da minha festa, em que se conheceram, ambos pareciam engajados demais na troca de palavras que compartilhavam para notar que eu estava bem ali, mas, assim que fizeram isso, qualquer que fosse o assunto leve havia os deixado para dar espaço a imediata tensão.
— Ela não está com você? — Blay perguntou, se levantando.
— Não, eu pedi pra ela esperar você aparecer na praia. Eu acabei não te dizendo que estaria na delegacia, mandei uma mensagem, mas você não estava visualizando.
— Eu só vi quando já estávamos na praia. E a Alison não estava lá... — Virou-se para Katrina, buscando uma confirmação que ela só ofereceu em forma de apreensão.
— A gente veio para cá pensando que ela estaria com você — ela continuou. — Não nos deixaram te procurar quando chegamos, então só estamos esperando. Caleb, onde ela está?
Eu já estava com o celular na mão.
— Na praia. Eu pedi pra ela esperar lá. Ela não sairia sem o Blake.
Rezava que não, mas a ligação apenas chamou por segundos que facilmente se tornaram tão longos quanto agonizantes.
Encarei Blay com os olhos arregalados e ele não precisou de mais nada. Imediatamente, assumiu a familiar "expressão de xerife" e avisou, sério:
— Vamos até a praia procurá-la.
E saiu praticamente marchando até a porta, com Katrina e eu em seu encalço.
Entramos no carro alugado e, ainda que preocupado com a situação, me peguei olhando para o meu irmão dirigir e pensando nesta coisa de xerife que inventei na época em que assistia The Walking Dead.
O protagonista da série, Rick Grimes, tinha esta coisa de querer salvar e ajudar a tudo e a todos nas primeiras temporadas, o que me irritou por um longo tempo sem que eu soubesse exatamente o porquê. Até que, uns dois ou três anos atrás, um incidente ocorreu numa das vezes em que Blay esteve passando um tempo na minha casa e ele precisou ficar uns quarenta minutos tentando acalmar meu vizinho, que havia acabado de me pegar na cama com a mulher dele. Eu corri para casa, mas o cara me perseguiu até lá, com uma porra de uma arma, literalmente determinado a me matar!
Mas meu irmão conseguiu fazer o cara ver a razão de algum jeito e, depois disso, mais quarenta minutos se passaram, em que ele ficou me dando um sermão extenso, sobre responsabilidade, respeito social e amadurecimento, como se eu fosse a porra de um inconsequente!
Em minha defesa, o cara era das forças armadas e estava fora já haviam meses quando me mudei para lá, então eu não sabia da existência de um marido na vida da minha vizinha milf¹. Ela não pensou em me contar, ele não quis saber quando eu falei e Blake menos ainda.
Mas o problema nunca esteve nas broncas, sermões ou monólogos. Eu nunca tive um pai que se importasse o suficiente, então estava tudo bem que fosse meu irmão fazendo este papel, de verdade. O que me irritava era quando ele assumia esta atitude passiva. Era um tom que não tinha um sinônimo exato, mas soava como eu-sei-que-não-sou-perfeito-mas-sou-mais-experiente-e-por-isso-você-tem-que-me-aceitar-como -o-líder-que-de-tudo-sabe.
Como eu disse, não há um sinônimo. Mas há o xerife Rick Grimes em The Walking Dead que passa a exata mesma vibe.
Gosto desta personalidade que Blake assume? Não, exatamente. Mas só porque tudo o que sempre busquei quando entrei na vida adulta, logo depois de ter enfrentado a adolescência na sombra de um rockstar, era autossuficiência. Eu não o ressentia por isso de maneira alguma, principalmente em momentos como este, que precisava de segurança.
Mas isso não impedia meu ego de sempre acabar saindo ferido.
O que não ia acontecer hoje.
Perdi meu carro, precisava voltar a tempo de uma entrevista importante e isso não teria acontecido se eu tivesse encurtado minhas férias impensadas, ou sequer tivesse as tirado agora, sem planejamento algum. Ok, era um estresse que eu poderia totalmente ter evitado e meu irmão era mais do que bem-vindo para vir me ajudar a resolver esta bagunça.
Mas a Alison estava comigo agora. Eu era quem vinha a encontrando quando nos perdíamos, eu quem estava cuidando dela.
Isto não poderia mudar. Não poderia permitir.
A praia ficava a poucas ruas depois da delegacia e em menos de cinco minutos, eu já estava pulando fora do carro alugado antes que Blake sequer desligasse o motor.
Já estava consideravelmente escuro, mas consegui distinguir com facilidade, mesmo ao longe, que Alison não estava entre as pessoas sentadas nos bancos de pedra. Haviam mais espalhados pela calçada comprida, mas fazia sentido que estivesse nestes, pois eram os mais próximos de onde estávamos quando a deixei para ir até a delegacia.
Ela não havia dito que estaria lá. Eu simplesmente havia presumido.
Ok, talvez eu já estivesse começando a me frustrar comigo mesmo.
Tentei ligar novamente, mas apenas continuava a chamar. Blay e Kat então me disseram para indicar onde a vi pela última vez e eu segui imediatamente até as fileiras de tendas, mas...
— Não está aqui — murmurei. E engoli em seco.
— Tudo bem. Não se precipite, está escuro. — Blay fixou em mim, como se me forçasse a aceitar a calma que tentava emanar. — Vamos circular um pouco por aqui, talvez ela esteja no meio das pessoas.
Ele e Kat seguiram adiante, enquanto ele esfregava as costas dela, provavelmente a confortando...? Era o que parecia, pela falta de proximidade.
Respirei fundo e decidi seguir as ordens do "xerife", mas não dei três passos antes de notar algo em um quiosque de bebidas próximo à entrada.
Havia uma borboleta azul e vermelha perfeitamente retratada num guardanapo, com o que pareciam ser nada mais do que canetas esferográficas comuns.
Puxei o alfinete que prendia o guardanapo em uma das sustentações de madeira do quiosque e estendi o desenho ao lado do meu antebraço direito, onde havia uma outra borboleta um pouco apagada, desenhada esta manhã na minha pele. Desde as cores, até a posição, os desenhos eram praticamente idênticos.
A memória da voz animada de Alison ecoou em minha mente:
É uma prepona praeneste! Meu pai me levou uma vez num museu biológico, eu vi uma dessas lá, voando lindamente, e me apaixonei! É perfeita, não é? Tão única...
— Ei! Nem pense nisso! — o barman bigodudo, de meia idade, que parecia prestes a colocar uma garrafa de gim numa prateleira, parou no meio do caminho para me chamar. — Pode devolver! É meu!
Soltei o guardanapo no balcão e ele imediatamente o resgatou, alisando os amassos nas pontas.
— A garota que te deu isto... onde ela está?
— Pra que quer saber?! — estranhou, logo notando: — Como sabe que foi uma garota?
Virei meu braço para apontar o desenho.
— Ela é minha amiga, o nome dela é Alison. Sabe pra onde ela foi depois daqui?
Ele revirou os olhos, voltando-se para seus afazeres.
— Claro, porque eu vou mesmo dizer para um marmanjo qualquer onde encontrar uma garota bêbada...
Seu comentário irônico me alarmou, me fazendo buscar por meu celular no bolso da bermuda no mesmo segundo.
— Você vai me dizer, principalmente se ela estiver bêbada. Olhe! — Busquei na minha galeria fotos de semanas atrás, uma foto em que estávamos Ali, Kat e eu fazendo caretas deitados lado a lado no tapete laranja de seu loft. Indiquei a data. — Quase um mês atrás! Eu a conheço e ela tá sozinha por aí nesse escuro! — O homem pareceu se convencer um pouco, mas ainda me olhou desconfiado. — Qual é, cara! Eu tô falando a verdade, ela não tá atendendo o celular! Só me diz pra que lado ela foi!
— Eu não sei dizer — admitiu, num tom mais solicito. — Mas não esquente, ela não tá sozinha.
A amiga ruiva dela a ajudou a se levantar e disse que cuidaria dela. Ela virou doses demais de tequila pura, parecia incomodada com alguma coisa e...
— Que amiga ruiva? — questionei, o cortando antes que se desviasse mais.
— Amiga ruiva dela — repetiu como se isso explicasse tudo. — Ela deve ter a levado pra descansar, tente procurar nas redes.
Nas redes?
No início das trilhas?
Onde a tarde as pessoas descansavam, mas a noite servia apenas de ponto de encontro pra gente chapada?!
O bigode do homem se retorceu diante da minha expressão.
— Olha, a amiga dela parecia ser gente boa e estava com o namorado. Eles estavam sóbrios, não acho que deixariam alguém fazer algum mal a sua amiga.
Engoli em seco novamente, mas desta vez parecia que uma rocha era o que estava colocando para dentro. Uma rocha entalhada com as palavras "desespero real".
Assenti, no entanto, somente o agradecendo.
— Mas se eu ficar sabendo que fez alguma coisa com ela ou com qualquer outra, eu decorei bem essa sua cara de playboy, tá me ouvindo?! Vou mandar os tiras atrás do seu traseiro sem pensar duas vezes!
— Bom saber disso. — E realmente era. Os locais pelo menos tinham decência.
Deus, por favor, faça com que a tal ruiva seja um deles...

...

¹. "Milf"/"Mom I'd like to fuck" - "Mãe que eu gostaria de foder"; acrônimo em inglês que refere-se a um fetiche sexual com mulheres mais velhas com idade suficiente para serem mães de determinados parceiros mais jovens.

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