Alison
No momento em que Kat deu partida em seu carro, eu soube que ela queria dizer alguma coisa.
Ao que me pareceu, depois que saí, deixando Evan e Noah sozinhos com suas desculpas, eles entraram na galeria, a encontraram e dividiram todo o acontecido com ela.
Enquanto dirigia até a festa de Caleb, sua cabeça deveria estar a ponto do colapso interno, sem conseguir decidir sobre o que me questionar primeiro: meu bem estar depois do surto com os garotos, meu paradeiro durante os vinte e poucos minutos em que estive sumida e, claro, sobre meu novo "cubo músico", que agora tocava baixinho uma música romântica do Bon Jovi, enquanto suas luzes piscavam menos ofuscantes, já que havia diminuído a intensidade delas.
Eu havia escolhido me concentrar apenas no cubo. Meus olhos encantados estavam diretamente focados nele desde o momento em que entramos neste carro, porque me distrair com o meu presente era muito melhor do que repassar qualquer um dos eventos desta noite.
E ainda estava irredutível neste pensamento, quando Kat finalmente perguntou:
— Comprou isso enquanto esteve fora?
— Não — respondi sem nada acrescentar, esperta demais com a sua traiçoeira inteligência para cair na teia que tentou tecer.
Suspirou, os olhos ainda na pista.
— Então você já tinha e foi em casa buscar?... Por isso demorou?
— Não.
Houve um sutil estalar de lábios e revivi em minhas memórias este seu costume de fazer uma espécie de bico quando está frustrada, como se beijasse o ar agressivamente. Sua paciência estava limitada hoje.
— Só fala comigo, Alison.
— Sobre? — questionei, genuinamente querendo saber, para poder pensar bem no que conseguiria dividir. Também não gostava de toda esta cerimônia.
Seus olhos queimaram o lado esquerdo do meu rosto, provavelmente não enxergando esta diligência.
— Sobre o que te deixou monossilábica, talvez! Não acha que qualquer um que te conheça bem possa considerar isso, no mínimo, preocupante? — inquiriu, beirando à irritação, mas ainda assim tomei todos os longos segundos que necessitei para inspirar e expirar, sem desviar meu foco do cubo em meu colo.
Eu queria tanto poder conversar abertamente com ela...
— Já me entendi com Evan antes de sairmos da galeria — contei, mesmo já sabendo que ela não estava muito longe e nos viu conversando. — Eu reagi muito mal sobre o que eu tenho certeza que ele já te contou, e ele entendeu, assim como eu sei que você vai entender, pelo mesmo motivo, que não é muito fácil falar sobre isso.
Todo o meu cerne trabalhava para se manter focado no satisfatório e conveniente processo de embaralhar e organizar das cores daquele cubo.
Aquilo no momento era mais importante, onde minha concentração tinha de morar.
Minha antiga terapeuta havia me ensinado uma coisa ou duas sobre o assunto e eu havia as repassado para Kat, que expirou em alívio quando enfim entendeu o que eu estava fazendo.
— Tudo bem... Só... me diz se você ficou bem, naqueles momentos sozinha. Aconteceu algo... fora do esperado?
— Eu consegui me controlar — limitei a minha resposta, torcendo para que fosse o suficiente para amenizar sua preocupação. Eu não poderia oferecer muito mais.
Sequer podia dizer que não estava sozinha. Explicar com quem estava e o que quase fizemos... era algo para se digerir mais tarde. Sozinha. Na minha casa, com o meu sorvete.
Para então, no dia seguinte, nunca mais pensar sobre isso.
Minha amiga pigarreou ao meu lado.
— Uma última coisinha e aí prometo que te deixo em paz: Evan me disse que só queria se desculpar com você, antes de ir embora. Disse que foi imbecil da parte dele ter pensado que... que... — a vi tamborilar os dedos no volante, hesitante e nervosa com sua escolha de palavras — que isso tudo fosse te ajudar. Ele não teve nenhuma intenção além dessa.
O pensamento de que ela parecia tentar se desculpar por ele me ocorreu logo antes do estranhamento sobre a quantidade de palavras que, aparentemente, eles trocaram. O incômodo de considerar que, agora que não estávamos mais namorando, esses dois pudessem começar a se dar bem, tentou me acometer também, mas eu não tive energia para sustentar nada disso.
Para o que isso serviria, de qualquer forma? Ele estava indo embora.
— Eu sei, ele me disse isso também e me pediu desculpas antes de ir — informei, simplesmente. — Foi só o que ele fez a noite toda.
— Ok... Tem certeza que não quer ir para casa? Caleb entenderia se furássemos agora, ele não estava por perto quando os garotos apareceram na galeria, mas tenho certeza que ficou sabendo o suficiente para entender.
E adiar ainda mais o encontro dela com Blake?
E passar outra noite em claro com um milhão de perturbações e sonhos destroçados na minha cabeça?
E correr o risco de atender outra ligação de Blake ou de eu mesma fazer uma para Evan neste horário da noite?
— Vamos para a festa. Vai ser uma boa se distrair.
Kat pareceu querer discutir por um momento, mas por fim apenas murmurou um "tudo bem então" e cumpriu com sua palavra, passando a fazer silêncio.
Depois de um certo momento, já não aguentando mais os suspiros bruscos que ela não estava conseguindo retrair com tanto sucesso, aumentei o volume da música soul antiga que havia começado a tocar e a distração se tornou real quando a cada verso que se passava, sobre um amor que se sentia feito mágica, mais me impressionava o quão linda a música realmente era.
A telinha me dizia que a música era de um grupo chamado The Dubs, o nome era "Could This Be Magic?" e o estilo, o ritmo, a harmonia, absolutamente tudo, soava muito vintage, me fazendo estipular que era algo saído, provavelmente, dos anos sessenta.
Eu já estava apaixonada! E a ideia de que poderia muito bem ter passado o restante da minha vida sem conhecer esta música me pareceu muito desagradável.
Mas este era o ponto com a maioria das músicas antigas que Blake me recomendava, era muito difícil não amar e eu sempre acabava enviando uma mensagem para ele depois para agradecer.
Com a forma que nosso último encontro havia acabado, no entanto? Eu não tinha muita certeza se seria estranho demais se eu fizesse isso agora, como se nada tivesse acontecido. E se ele sequer respondesse? Isso me deixaria pior do que eu poderia admitir.
Por outro lado, havia sempre esta vozinha que vinha falando cada vez mais alto dentro da minha cabeça, me lembrando de que eu estava sendo boba, pensando demais e que Blake era muito mais gentil do que uma pessoa que ignora as outras simplesmente por um momento de estranheza.
Eu gostava de dar atenção a ela, mesmo com certa cautela, e Blake nunca havia me feito arrepender.
Ele mesmo havia me dito hoje, não havia necessidade de tratá-lo diferente. O que eu faria então, mesmo no pior dos casos, era me desculpar...
mesmo incerta sobre o porquê de estar fazendo isso.
A decisão está tomada e Deus me ajude com ela — pensei, alcançando o porta-luvas do carro de Kat para pegar meu celular. Sua atenção se virou mais uma vez para mim, mas se manteve calada, mesmo curiosa.
Responderia depois, se sua curiosidade a torturasse demais, porém foi a minha que cresceu até quase implodir, quando desbloqueei meu celular e vi a quantidade absurda de notificações e menções no ícone do meu Facebook.
Me admirei de verdade com isso, porque em nenhum momento da minha vida eu fui tão popular assim, nem no meu aniversário eu chegava a receber mais de noventa e nove notificações, como agora. E elas continuavam a aparecer diante de meus olhos, quando abri minha linha de tempo!
A ansiedade começou a me corroer quando abri uma das postagens a qual havia sido mencionada, mas, segundos antes de fazer isso, notei que todas elas vinham de páginas e grupos de fãs da Sleep Kickers. Por algum motivo, soube que isso não poderia ser um bom sinal.
O post abriu e... eu simplesmente congelei quando vi do que se tratava.
Era uma foto um pouco tremida, tirada ao longe e no escuro de alguém que obviamente era Blake, abraçando uma garota... uma garota uns trinta centímetros mais baixa do que ele, de cabelos escuros, usando um vestido verde e com alguma coisa brilhante e colorida na mão.
O ângulo não favorecia muito, então consegui respirar por um segundo quando concluí que poderia ser qualquer uma. Mas este alívio não durou muito.
Durante um bom tempo fui muito ativa na internet em alguns destes grupos de fãs e, quem os acompanhasse, saberia o quanto eu amava Blake pelos posts e interações constantes e, tudo bem, isso não era nada que muitas outras pessoas não fizessem também.
Mas, ao que parecia, havia sido o suficiente para este outro fã me reconhecer logo de cara, quando me viu na entrada daquele beco com Blake, tirar esta foto e publicá-la, marcando meu nome na legenda "Então é com você que ele está se escondendo?! Não acredito!".
A publicação havia sido feita quase uma hora e meia atrás, logo quando o momento aconteceu ao que parecia, e, a esta altura, ninguém nos comentários parecia ter dúvidas de que era eu, pois já haviam tido tempo de fuçar as fotos do meu perfil pessoal e comparar cada mínimo detalhe impensável para se certificarem por eles mesmos. Haviam também pessoas que faziam conexões diferentes, dizendo que fazia todo sentido, já que Caleb morava na mesma cidade que eu, e descobriram até mesmo que costumávamos ser colegas de classe.
E isso foi tudo o que algumas outras pessoas precisaram para se enfurecerem comigo, alegando que eu provavelmente trabalhava para Blake e estava me passando por uma fã para "espionar" estes grupos. Outros me acusaram de ser a causa da distância de Blake e Bianca, dizendo que ele a traía comigo e que por isso nenhum dos dois se pronunciou sobre o término. Haviam também pessoas dizendo que eu estava o stalkeando a anos e que a pessoa que tirou a foto deveria ter chamado a polícia, porque eu estava "claramente" o assediando naquele momento...
Até mesmo de falsidade ideológica algumas pessoas ameaçaram me processar por "fingir ser alguém que eu não era" dentro dos grupos.
Tudo. Por uma. Foto!
A ficha do que tudo aquilo significava ainda não havia caído por completo e, quando comecei a digitar um mega texto para publicar, realmente me dando o trabalho de explicar toda a verdade — Sim, fui colega de classe de Caleb, mas nunca conversei com ele... nos reencontramos quando fui buscar meu ex em sua festa... conheci Blake... somos todos amigos hoje... —, alguns outros comentários, com uma estranha falta de risadas, emojis ou pontos gramaticais em excesso, acabaram captando a minha atenção.
Alguns deles eram respostas, na verdade, para as pessoas que estavam assumindo que eu estava envolvida com Blake, dizendo que "isto era impossível".
"Fala sério, vocês já viram as garotas que Blake pegou mesmo antes da Bianca?... Cuidem de suas próprias vidas!... Nada a ver essa menina esquisita com ele, ela parece um troll!... É óbvio que ele só estava sendo legal com uma fã... Parem de jogar hate à toa!... Até parece que ele ia ser trouxa de trocar a gostosa da Bianca por..."
Desliguei meu celular assim como toda e qualquer reação que tentou explodir para fora de mim naquele momento. E deixei para me assustar mais tarde com a facilidade com que fiz isso.
A vigilante curiosidade de Kat caiu em cima de mim novamente, mas quando ela abriu a boca para questionar, exclamei:
— Chegamos! Ótimo!
Utilizei de cada fibra minha para manter minha resistência firme e meus olhos livres das lágrimas de humilhação, apenas forçando um sorriso para fora.
— Ali, você...?
— Mal posso esperar pra você conhecer o Blake! Vá o procurando, eu preciso muito ir ao banheiro. Depois te encontro — despejei as palavras, evitando seu olhar, enquanto guardava meu celular e meu cubo na minha própria bolsa. Abri a porta, pulando para fora antes que ela sequer desligasse o motor.
Apertei meus olhos fechados por um momento, andando em direção a casa e absolutamente nenhum olhar em cima de mim, fosse ele desdenhoso, como na última festa em que apareci por aqui, ou de mais reconhecimento, por seja lá qual fosse o motivo, foi capaz de me parar.
Costurei meu caminho entre as pessoas na fachada da casa, pela sala de estar e, enfim, pelo corredor que ia até o banheiro no primeiro andar.
Graças a Deus ele foi fácil de achar.
Bati a porta fechada, me tranquei ali dentro e acendi a luz. Mas logo tratei de apagá-la de volta quando me virei, encontrando meu próprio reflexo no espelho.
Eu não precisava desta imagem agora. Eu não queria, nunca mais, olhar para mim mesma novamente.
Pelo o que me pareceu a trigésima vez nas últimas semanas, eu desejei sumir da face da Terra!
Me sentando no chão frio do banheiro escuro, as lágrimas desceram finalmente, e foram elas as confirmações necessárias de que era isso mesmo que deveria fazer: desaparecer de vez.
Ir para longe, me afundar no esquecimento, deixar qualquer memória para trás e... começar de novo. Na pele de alguém mais realista, para variar. Deixar de ser a "menina esquisita"!
De uma forma muito mais amarga, novamente a mudança se fez necessária.
E eu me atentaria mais ao que ela queria dizer desta vez.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tudo o que Sonhei
RomansaO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...