Alison
É engraçado como o psicológico humano funciona.
Menos de quinze palavras trocadas depois dos cumprimentos, e minha percepção já teve o suficiente para me fazer deixar a ansiedade de lado e conseguir raciocinar direito.
O que era muito conveniente, porque, se dependesse de Evan e Noah, essa conversa com certeza não estaria indo a lugar algum tão cedo.
— Hm... ahm, eu... — Assisti meu agora ex-namorado tatear nervosamente os bolsos de seus jeans puídos. — Eu... trouxe isto. Pra você. De volta.
Esticou quase na minha cara a chave do meu Hyundai atrelada ao controle do alarme. Olhei dela para Noah, encostado em seu próprio carro, que desviou seu olhar incomodado do meu quase no mesmo segundo, encarando os próprios Nikes.
Suspirei, decidindo não questionar e apenas ir direto ao ponto. Em absolutamente tudo.
— Fica com ele, Evan. Você vai precisar para viagem e pra te ajudar lá pelo Maine, com o que você precisar.
Sua mão com a chave vacilou no ar.
— Alison, eu não posso aceitar, é o seu...
— Considere como um pagamento pelas milhares de coisas que você melhorou nele de graça, desde que eu comprei. Coisa que só fiz, porque você me convenceu que eu precisava — interrompi, fechando a chave dentro de sua mão com as minhas. — De verdade, eu quero que fique com ele. Já está quitado e é sempre a Kat que me leva pros lugares mesmo. Isso quando eu preciso ir pra algum lugar.
Evan recolheu sua mão, mas ainda estava hesitante, remexendo a chave entre os dedos.
— Evan — chamei sua atenção. — Vai me deixar mais tranquila saber que você poderá confiar nele, caso haja alguma emergência. — Emergência médica, com o seu pai, principalmente. Completei, com uma expressão firme.
— Ok. Obrigado... — Suspirou, ainda parecendo descontente, porém resignado.
Ele guardou a chave dentro dos bolsos novamente, mantendo suas mãos escondidas dentro deles, e pendeu por um momento, trocando o peso dos pés. Um último olhar rápido em direção a seu amigo, que ainda muito se esforçava para permanecer para trás, fingindo estar alheio à interação, e algo pareceu ter simplesmente estalado em sua mente, fazendo-o tomar alguma decisão.
— Sinto muito, Alison. Por... ontem. — Fez menção de se virar para Noah novamente, mas impediu a si mesmo e continuou olhando para mim, parecendo determinado. — Pela forma como reagi. E por ter te deixado sozinha. De novo. Realmente sinto muito.
Eu olhei para Noah desta vez e apreciei de verdade a falta de julgamento ou desagrado em seu rosto, que costumavam gritar mais alto do que sua voz jamais poderia em meras linhas de expressão. Uma de suas características que mais me incomodavam. Mas só o que ele demonstrava, desde o momento em que me aproximei aliás, era nítido embaraço e... certo lamento. Por algum motivo que eu esperava estar prestes a descobrir.
Mas, por hora, tive o suficiente para abrir um mínimo sorriso tranquilizador para Evan, que lhe dizia "não se preocupe, sua reputação ainda está intacta". Ou algo parecido.
— Obrigada por isso. Está perdoado.
Uma sombra de um sorriso tremeu no canto de sua boca, mas ele pigarreou, ainda decidido a manter sua super máscula postura "firme".
— E quero também te agradecer, pelo o que conversamos ontem — falou com um pouco mais de confiança. — Eu ainda não gosto... disso — indicou a nós dois, se referindo a separação — e acredito que não seja necessário. Por isso ainda acredito que devo fazer... algo, sobre isso. Mas entendo o que está fazendo e... obrigado. — Encolheu os ombros. — Por cuidar de mim.
Reprimi um sorriso ainda maior, orgulhoso desta vez, por realmente estar presenciando meu melhor amigo metido a machão agir todo sentimental na frente dos amigos. Do jeito dele, mas era isso que estava fazendo. Seria algo que, no passado, ele iria preferir ficar nu em público do que deixar acontecer, então acho que mostrava que eu continuaria a importar para ele acima de qualquer ressentimento. No entanto, a alegria dessa consciência com certeza me tomaria com mais animação daqui a alguns dias, quando não estivesse me sentindo tão bagunçada por dentro pelo término.
— É o que fazem os amigos — murmurei, resignada.
Evan sorriu rápido e sem jeito e tirou seu boné da cabeça apenas para encaixá-lo de volta, virado para trás, como era de seu costume quando não sabia o que fazer com as mãos. E então ele voltou a escondê-las no bolso.
E eu quis chorar quando me perguntei quando teria a oportunidade de notar seus costumes novamente.
Se ele teria um comportamento diferente deste que sempre achei tão adorável. Se teria muitos novos trejeitos, que... novas pessoas estariam mais perto para notar antes de mim.
Eu tinha escolhido isso e não estava voltando atrás, porque sabia ser a decisão correta. Só não estava conseguindo lidar muito bem com a realidade que viria com a distância antes sequer dela começar a existir.
Bom, paciência, não é? Precisaria disso, algumas caixas de lenços de papel e muitos potes de sorvete, porque, com toda certeza, os meio sorrisos encantadores de Evan não estariam deixando minha mente tão cedo nos próximos dias.
O som de Noah limpando a garganta interrompeu meu suspiro de lástima.
— Eu, ahm... eu também quero pedir desculpas. Por... algumas coisas que rolaram... e tal — anunciou, inseguro como nunca, se desencostando de seu carro para se aproximar.
Apenas continuei o observando, sem nada questionar, mas genuinamente curiosa por dentro.
— Ahm... Evan conversou comigo sobre algumas coisas e... — Ambos trocaram um olhar de desconforto, antes dele forçar sua concentração para o meu lado, expirando pesadamente. —Tinha muito... que eu não sabia. Sobre você. O que não justifica nada. Mas de qualquer forma eu peço desculpas pela forma que... agi com você. Não apenas nas últimas semanas, mas... naqueles... dias também, sabe? Entre nós dois... — Arregalei os olhos e foquei minha atenção nos meus próprios pés, quando entendi ao que ele estava se referindo.
— Está tudo bem. Não tem que se desculpar por isso, foi uma escolha minha também — tentei cortar o assunto, mesmo sem entender porque estava pedindo desculpas por isso, mas ele insistiu:
— Sim, mas eu fui desnecessariamente frio com você. E um super imbecil depois daquilo, dizendo coisas sobre você, te deixando embaraçada de propósito... — Olhei assustada dele para Evan, com medo do que ele poderia ouvir aqui.
Houveram algumas poucas vezes em que Noah, mesmo que de forma extremamente sutil, se insinuou para mim quando eu já estava namorando com Evan e por vezes com ele bem ao nosso lado. Eram coisas simples, como piscadas ao longe e sorrisos de flerte debochados, mas aconteceram e me aterrorizavam, com medo de Evan perceber isso e descobrir as coisas de forma errada. Este foi só mais um motivo pelo qual comecei a evitá-lo feito uma neurótica perturbada e eu realmente não queria que isto entrasse em questão agora, novamente, na frente de Evan.
Sim, nós tínhamos terminado, mas eu bem sabia que pouquíssima coisa, ainda mais quando ele está assim, contrariado, poderia levá-lo de zero à cem com muita facilidade! Aproveitei que era ele agora quem fingia estar em outra atmosfera enquanto seu amigo se desculpava e silenciosamente supliquei a Noah que cortasse este papo agora!
Ele apenas exalou, parecendo frustrado, mas compreendendo a mensagem.
— Eu gostei de você. De verdade. Foi por isso que agi feito um babaca. Eu estava com raiva, mas agora peço desculpas, é isso — pontuou e eu olhei diretamente em seus olhos escuros, não conseguindo enxergar nada que indicasse que isso não era realmente o que queria dizer, que Evan havia o obrigado a isso, ou algo parecido. Não. Apesar de estar visivelmente desconfortável fora de sua pose arrogante e poderosa, Noah estava demonstrando algo que não via nele a meses, desde que nos envolvemos pela primeira vez: boa fé.
Claro, eu ainda não engolia esta coisa de "eu gostava mesmo de você", isto não parecia possível por uma lista de coisas que iam muito além de suas atitudes frias, mas era melhor apenas aceitar este cenário e finalmente deixar esta história para trás.
— Tudo bem, está perdoado. — Assenti, puxando uma inspiração leve.
— E, ahm... — Vi o osso de seu maxilar se ressaltar por sua pele escura, enquanto mais uma onda de tensão parecia acometê-lo. — Queria pedir desculpas em especial por uma última coisa porque, ahm... isso tá fodendo com a minha mente, desde que Evan me contou o que rolou na sua vida, eu... — Sua hesitação me deu tempo para realmente captar o que ele havia acabado de dizer e eu me virei para Evan, com as sobrancelhas franzidas em profunda confusão. Ele desviou o olhar quase no mesmo segundo, mas eu sabia muito bem que a pergunta "o que diabos você falou pra ele sobre mim?!" havia sido transmitida com nitidez. — Na última vez que a gente se viu, aquelas coisas que eu te acusei, sobre impulsos, indiferenças... aquilo foi muito errado da minha parte. Eu não fazia ideia do porque você estava agindo assim, mas agora eu entendo.
— Ahm, tudo bem. Tudo certo... está desculpado. — Apertei meus olhos fechados, tentando digerir todas as palavras que ele estava escolhendo usar e o porquê delas, mas algo não estava se encaixando, então teria de perguntar: — Mas, como assim? De que "porque" você está falando? — Alternei minha visão entre os dois. — O que ele te contou?
Noah congelou, parecendo realmente sentir a gravidade do que estava acontecendo apenas agora. Para ele, provavelmente, era só uma informação inocente, mas, se fosse o que eu estava amargamente começando a desconfiar que era, deveria ter sido muito mais para Evan sair espalhando por aí.
— Sobre seu pai, ele... ele me contou. — Se virou para Evan como se pedisse ajuda e uma sensação tóxica pareceu me tomar por dentro, me deixando quase doente, quando minhas desconfianças se concretizaram.
Me foquei nele também, ainda com o choque me queimando, e apenas despejei as palavras quando as encontrei:
— Eu não acredito que você falou isso pra ele!
Evan se sobressaltou.
— Não era pra falar?! Eu não sabia que era segredo, pensava até que ele já sabia, por isso a gente conversou... — começou a explicar.
— Sobre a minha família?! O que isso tem a ver com as desculpas de vocês?! — exclamei, encarando os dois agora e não deixando de notar o quanto Noah estava estático, enquanto Evan ainda estava com cara de réu culpado que não entendia o porquê estava sendo sentenciado.
— Tem a ver que o que rolou te fragilizou, Ali, te fez agir sem pensar! E ele não fazia ideia, então eu expliquei o que aconteceu! — Evan arregalou os olhos, exclamando, e tentou se aproximar, tocando meu braço, mas eu me afastei, muito indignada para lidar com sua pena agora.
— Você foi um idiota explosivo que reagiu mal, como você sempre faz — apontei para o rosto dele e depois para Noah — e você foi um insensível que achou que eu te devia alguma coisa e por isso me tratou feito lixo. Foi isso o que aconteceu! Se eu tive alguma parcela de culpa, isso é uma coisa minha e eu não vou usar o meu pai assassinado como desculpa! E vocês, muito menos, com suas atitudes de merda! — vociferei, arrancando expressões ainda mais espantadas de ambos.
— Ali, não foi isso que a gente quis dizer, eu...
— Não quero saber, só esquece essa droga! — interrompi Evan com um gesto cortante, de repente me percebendo sufocada demais por este assunto, este dia, este momento... por ele! Eu só queria sumir e assim fiz, me virando para me afastar e ignorando as vozes que me chamaram.
Troquei alguns passos duros em direção a galeria, mas mudei minha rota quando Evan apareceu correndo na minha frente, tentando dizer alguma coisa.
— Alison, por favor, me escuta...
— Eu não quero escutar mais nada! Só esquece isso e me deixa em paz! — lancei as palavras, precisando de todo o meu fôlego para exclamá-las na cara dele, antes de começar a correr até a esquina, a contornando.
Não fui muito mais longe do que este ponto, no entanto, quando notei que o ar simplesmente não estava retornando aos meus pulmões. Tentei ao máximo inspirar e expirar, me esforçando num processo que deveria ser natural, que eu sequer precisaria estar pensando antes de fazer, porém meu corpo simplesmente se recusava a cooperar comigo e o centro do meu peito começou a arder. Queimando como se carregasse lava dentro dele! Nada disso me era estranho, entretanto.
Consegui tropeçar mais alguns poucos metros e logo me vi no escuro. Olhando para os lados, algo no meu cérebro conseguiu discernir que este era o mesmo beco de antes, aquele em que uma das saídas de emergência da galeria estava anexada. Me recostei em algum ponto dos tijolos sujos e, massageando meu peito, tentei colocar em prática o que minha antiga terapeuta ensinara, antes que eu desistisse das consultas, e apenas não tentar forçar a respiração, mas me acalmar o suficiente para que o ar me alcançasse. Não sei quantos segundos ou minutos se passaram, mas, graças aos céus, acabou ajudando, eventualmente.
Fechei os olhos, apertando as pálpebras, não querendo permitir que meu cérebro começasse a piscar alertas indesejados, como "crise" e "pânico". Não novamente.
Não havia motivo para preocupação, não foi tão ruim assim e pelo menos ainda conseguia me controlar sozinha. Eu bem sabia que poderia ser muito, muito pior!
E também não era necessário estranhar isso ter acontecido agora. Foi um gatilho e eu também entendia que teria de lidar com eles pelo resto da vida. Isso com certeza não foi nada.
Em comparação às crises que me tomavam depois daquela tarde, quase cinco anos atrás... depois daquela ligação que recebi de minha mãe aos prantos, quando ela me deu a notícia... alguns eventos de perda de ar nada mais eram do que consequência.
Poderiam se manifestar em lágrimas, depois de uma breve sensação de rejeição, mesmo que irreal... poderiam acontecer depois de presunções ofensivas de uma pessoa que sequer me conhecia direito... e poderiam me fazer sentir que estava morrendo por dentro toda vez que precisava encarar a realidade de que um alguém aleatório tinha arrancado de mim uma das melhores pessoas deste mundo com nada mais do que dois míseros disparos de uma pistola.
Bati na minha própria testa uma, duas, três, dez vezes!
Espalmei minha própria cabeça tentando me trazer para fora das memórias, para longe do que me machucava só de pensar! Não poderia me entregar para isso de novo e assim dar razão a Evan, que me chamou de "frágil"!
Mesmo que eu realmente estivesse, não era algo que ele tinha direito de assumir por mim.
— Alison? — ouvi sua voz resmungar em questionamento e a raiva instantânea me fez esbravejar mais uma vez:
— Eu já te disse pra me deixar em paz, Evan! Vai embora!
Tão rápido quanto estourou, no entanto, a ira sumiu no mesmo segundo em que me permiti olhar para ele.
E então só o que me restou foi o choque.
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Tudo o que Sonhei
RomanceO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...