7.1 - Noah

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Alison

Ainda estava com um sorriso animado no rosto quando saí do carro de Kat e o acompanhei até que sumisse da minha visão. Mas, tão breve quanto surgiu, meu bom humor se desfez assim que a tensão no ar, vinda da oficina mecânica a minha frente, me atingiu em cheio.
— Ok... eu mereci isso. — Caleb?
— Bom saber que está satisfeito, seu filho da puta de merda! — Assisti Evan rosnar as palavras para ele assim que coloquei os pés dentro do local.
E lá mesmo permaneci: na entrada. Estática e petrificada demais para fazer qualquer coisa além de tentar processar o que diabos estava acontecendo ali.
Um dos amigos de Evan, Danny, se encontrava bem no meio da confusão, parecendo se esforçar para segurá-lo no lugar. E já que parecia que tanto Caleb quanto meu namorado estavam agora focados demais um com o outro, o ruivo acabou por ser o único que me notou ali.
— Tudo bem, você venceu... — exalou Caleb, parecendo frustrado e alheio ao sangue escorrendo da maçã de seu rosto até a mandíbula tensa. — Eu não vou conseguir nada com você aqui. Estou indo.
— Você vai é engolir os seus dentes depois que eu acabar com você, seu imbecil! — Evan apontou, tentando se livrar de Danny. — Vai aprender da pior maneira a nunca mais falar merda do que você não sabe!
— Eu já estou indo! — Levantou as mãos em rendição. — É óbvio que agora eu tornei ainda mais impossível de conversar com você, minha culpa... — Balançou a cabeça no que me pareceu um gesto de auto desaprovação, mas nem uma centelha de inquietação em relação ao poço de fúria em que agora meu namorado se resumia aparecia em seu rosto ferido.
Evan havia notado essa tranquilidade também. E, óbvio, se enraivecido ainda mais com ela.
— MISERÁVEL DESGRAÇADO! — Pulou tentando alcançar Caleb, mal sendo impedido por um, não-muito-grande-mas-impressionantemente-firme, Danny.
— Evan, já chega! Ele tá indo embora, para com essa merda! — exclamou, fazendo de tudo para empurrá-lo para trás. — Noah! — virou a cabeça para gritar em direção às escadas.
— Olha, vamos fazer o seguinte: eu vou deixar meu número aqui — Caleb disse, como se estivesse concluindo uma pacífica reunião de negócios. Ele até mesmo pousou um cartão azulado na mesa de metal ao lado, encostada na mesma parede que amparava seu peso. — Você me diz seu preço depois que esfriar a cabeça. Pode ser o dobro, triplo, ou o que mais você quiser, contanto que seja o mais cedo possível. Só... me liga quando se acalmar e a gente conversa.
Ele suspirou e cinco segundos inteiros de puro silêncio indignado se passaram, até que:
— Filho da puta! SUJO! — Evan se agitou em cólera me fazendo realmente pular assustada. — Acha que vou me deixar manipular pela porra do seu dinheiro?! Acha que eu sou uma puta que você pode comprar?! Vou te fazer engolir esse cartão, seu mauricinho esnobe! — As palavras saíram cortantes e aceleradas.
— Você não vai fazer merda nenhuma aqui dentro! Meu tio está confiando em você, porra!
Noah! — Danny chamou de novo, mais alto e mais desesperado, e se virou para Caleb. — Só vai embora, caramba!
Mas ele ainda permaneceu parado no mesmo lugar, sério e inalterado, por um momento que me pareceu longo demais. Enfim, anunciou:
— Estou indo.
Começou a se mover com dificuldade para fora da desajeitada posição jogada contra a parede em que estava, e só aí, pela ligeira torção de dor em suas feições, que consegui entender que ele não estava demorando tanto para se mover por ousadia ou despreocupação, como assumi, mas, sim, porque algum ferimento pior do que o corte ainda gotejante na pele abaixo de seu olho o impedia de fazer isso. Pela postura torta que parecia ter dificuldade para endireitar, era algo em suas costelas.
Deus do céu, o que havia acontecido aqui antes de eu chegar para testemunhar? Evan o tinha apunhalado, ou algo assim?! Nervoso como estava, eu não duvidaria!
Meus olhos caíram para seus punhos duramente fechados e ele não parecia ter nada nas mãos, até onde podia ver, mas não procurei por muito tempo.
Quando o impulso de ajudar Caleb a cair fora daqui finalmente me acometeu, e eu já havia até dado o primeiro passo até a comoção, ele, enfim, apareceu, me fazendo travar novamente.
Sim... Noah.
Vigiei cada movimento seu com os olhos ainda mais arregalados do que já estavam; Ele apareceu do corredor dos fundos às pressas, carregando uma expressão espantada e deixando uma trilha molhada por onde passava. Aparentava ter saído do banho e sequer pensado em tocar numa toalha, apenas se enfiando em um par de bermudas de qualquer jeito e correndo até a agitação escadas abaixo.
O choque que percorreu minha pele não era por seu estado, no entanto, e muito menos por sua presença, em geral. Noah fazia parte do "círculo social" de Evan, então ele estar no andar de cima, sentindo-se muito em casa no apartamento que o tio de Danny cedeu para ele, não era novidade alguma. O homem decidiu vivenciar sua própria versão de "As Férias da Minha Vida" e desde então o lugar se tornou um ponto de lazer para o sobrinho e os amigos.
O breve apavoramento que sentia era porque não havia me ocorrido, logo na primeira vez em que ouvi Danny chamar seu nome, que eu precisava me esconder dele!
O touro em que Evan havia se transformado, entretanto, meio que ofuscava qualquer outra coisa ao redor.
— ME SOLTA! EU VOU ACABAR COM ELE, PORRA! ME SOLTA!
— Evan, mas que caralho...?! — Noah se interrompeu tentando contê-lo no lugar e depois chiou para Danny: — O que é isso?! Que merda tá acontecendo?!
— Não dá pra explicar agora! Me ajuda a arrastar ele pro apê!
O que acabou por não parecer uma tarefa tão difícil para eles. Afinal, Danny sozinho já estava formando uma ótima barreira, levando em consideração agora a força adicional de Noah e também o fato de que ele tinha quase o dobro do tamanho de ambos, logo Caleb e eu estávamos ouvindo as vozes alteradas, os ruídos e baques raivosos abafados pelo segundo andar.
E, assim, Noah se tornou apenas mais um que não me notou.
Eu não estava exatamente agradecida pela fúria ainda não justificada do meu namorado, porque sabia que esse comportamento apenas gerava problemas, por vezes, bem sérios para ele e, puxa, eu havia feito um belo de um progresso o ensinando a manter essa besta raivosa interna sob controle, então isso era uma droga de uma recaída. Mas, nossa, como eu estava aliviada pela distração!
Era violenta e, conhecendo Evan, provavelmente desnecessária, mas desde o meu... episódio com Noah, vinha me esforçando ao máximo para me manter "segura" quando se tratava dele.
Geralmente isso se resumia em evitá-lo, ou ao menos me preparar mentalmente para ignorá-lo, não fazendo um contato visual sequer. No entanto, eu teria que estar morta para não ter olhado seu corpo seminu e molhado a minha frente, por mais inoportuna que a visão fosse!
Memórias... memórias bem "corpóreas" me vieram perturbar a mente, somando com a confusão turbulenta que já estava vivendo agora, então, ok... talvez eu estivesse um pouco agradecida pelo meu namorado brigão.
Mas não havia sido ele quem havia causado a briga? E, se não fosse pela briga em si, Noah teria sequer aparecido? Ou se ele tivesse aparecido sem uma briga, seria motivo para iniciarem uma nova por... um outro motivo? Uma que envolvesse nosso episódio mais especificamente?
— Ai, Deus... — resmunguei, esfregando as têmporas como se procurasse ali um botão que pudesse calar todas as vozes da minha inquietação de uma vez só.
— Alison? Você está bem? — Ouvi a voz de Caleb, soando mais distante do que deveria, mas a realidade logo me inferiu, quando o vi mancando, tentando se aproximar.
— Ai, droga... eu estou, mas você, pelo jeito, não. — Meus passos apressados o encontraram no meio do caminho. — O que aconteceu aqui? Ele te machucou muito? Me deixa ver... — Minhas mãos seguiram para a dele que segurava a lateral esquerda das costas, denunciando a raiz de sua dor. Ele me deu o espaço e eu entendi isso como uma confirmação de que, sim, eu podia levantar sua camisa e analisar eu mesma o ferimento.
Porém, surpresa e alívio me bateram quando levantei o tecido e não vi absolutamente nada.
Apenas uma vermelhidão que, graças a Deus, não era de mais sangue, mas, sim, de nada além de um ponto de impacto.
— Acabei batendo na quina daquela mesa quando ele me socou. — Apontou para a mesa de metal onde depositou o cartão. — Está doendo, mas não é nada demais. Vai passar.
Levantei meu rosto para encarar o seu num movimento súbito.
— Não, sem essa de "vai passar"! Isso vai ficar roxo depois e pode ter atingido algum órgão importante. — Eu nunca fui a aluna que melhor entendia de anatomia, mas a preocupação era séria, mesmo sabendo tão pouco. — Você tá de carro? O meu está preso aqui, pro Evan brincar de encontrar o que consertar, mas eu vou te levar ao hospital nem que eu tenha que chamar um carro por aplicativo, ou algo assim.
— O quê? Não, não precisa, Alison, não é nada demais! — Enfiou a mão direita no bolso da calça, puxando de lá a chave de seu carro. — Eu só vou pra casa, preciso pensar em uma solução alternativa. Eu duvido que seu namorado vá esfriar a cabeça... — murmurou mais para si mesmo do que para mim, voltando a mancar em direção à saída.
— Do que você está falando? — estranhei, o abraçando pelo seu lado bom para oferecer apoio.
— De um assunto de trabalho, ai!... — reclamou com o impacto acentuado de seu pé esquerdo no degrau abaixo. — Evan tinha combinado de me vender algumas coisas velhas da oficina para algumas fotos que eu preciso até esta próxima quarta, mas, ai!... — Estremeceu, jogando um pouco mais de seu peso para cima de mim. — Ele não está mais querendo contribuir.
— Era por isso que estava aqui agora? — indaguei com uma pontada de incômodo, me lembrando apenas neste momento que, apesar de agora ser meu amigo, Caleb era uma espécie de "ameaça" para o meu relacionamento, mesmo que meu namorado bissexual não estivesse exatamente contente com isso.
— Sim — respondeu, recostando-se na porta de seu carro, com uma careta de dor que não estava conseguindo reprimir muito bem. — Ele... ele foi o único mecânico que concordou. Pelo menos, inicialmente.
— Quando foi que vocês fizeram este combinado? — a dúvida me surgiu, de repente.
— Na noite em que nos conhecemos. Por isso Daniel nos apresentou, aliás. Só que aí, bem...
todo o resto aconteceu.
Eu bem sabia o que era este "todo o resto" e estava feliz dele ter me poupado destes detalhes que estava pretendendo esquecer, eventualmente. Mas, no momento, o que eu precisava mesmo era parar de ser tão tola e de cozinhar pensamentos ciumentos. Caleb já havia me explicado o porquê de sua presença e o chilique de Evan havia deixado bem claro que ele não era bem vindo independentemente de suas intenções.
Vestindo em minha imaginação as asas de um anjo apaziguador, me senti na obrigação de cumprir bem o papel e resolver toda esta bagunça, já que Caleb estava agora machucado demais para fazer isso e Evan, bom... eu já bem conhecia sua falta de razão.
Suspirei e, antes que ele pudesse entender o que estava acontecendo, tomei a chave do carro de sua mão, logo me pondo a destrancar a porta do passageiro.
— Pode ficar tranquilo que eu me entendo com Evan depois, ele vai cumprir sua parte no trato.
Agora, entra. — Indiquei a passagem. — Eu vou te levar para o hospital.
Caleb abriu a boca uma vez, prestes a ousar me questionar, e eu gostaria muito de ter visto minha própria expressão naquele momento, pois algo nela foi capaz de fazer o cara mais confiante e dono de si que conhecia simplesmente recuar suas palavras e me obedecer.

Tudo o que SonheiOnde histórias criam vida. Descubra agora