Duas semanas depois...
Alison
Por um segundo, Caleb e eu estivemos juntos. No próximo, não mais.
O sentido era literal, mas a música — alta, ininteligível, alucinante! — sequer me deixava considerar o lado figurativo deste pensamento.
A aglomeração colorida de pessoas bêbadas e sorridentes me engolfou em segundos e, assim que senti os dedos dele escaparem dos meus, o desespero chegou para colaborar com a festa.
Tentei me situar, olhar em volta, estabelecer uma linha de raciocínio para começar a procurá-lo — as caixas de som, ele disse para irmos direto para as caixas de som enormes perto da entrada sempre que nos perdermos um do outro —, mas era provável que ele estivesse muito contagiado na loucura iluminada apenas por glowsticks para sequer sentir minha falta de imediato, como eu senti a dele. E, mesmo se este não fosse o caso, a cada segundo algum corpo suado esbarrava no meu, me empurrando cada vez mais para dentro da agitação.
E, ainda que não houvessem estas interferências, eu mesma quase não tinha mais a capacidade de me manter em pé sozinha, alguma "força não identificada" apenas continuava a me puxar para trás incessantemente. Eu me sentia quase assombrada!
Mas mais tarde meu lado racional somente me diria para pegar mais leve com a bebida na próxima vez.
Fosse o que fosse, esta era minha situação: vulnerável e perdida de Caleb. Mais uma vez.
Era interessante como meu cérebro sempre fazia esta distinção: se eu estava com ele, estava dançando, alegre, me divertindo muito... o mesmo que absolutamente todo mundo nesta rave de deep house¹ fazia. Sem ele, no entanto, não importava que todos continuassem os mesmos — grande maioria, inclusive, enfiada em merdas bem piores do que o álcool — minha ansiedade escrevia "vítima em potencial" na minha testa e era tudo o que eu me tornava a partir daí.
E não havia motivo especial para isso. Se houvesse algum perigo real neste festival a céu aberto, na nossa barraca de camping, no carro dele, ou em qualquer outro lugar que temi ficar sozinha nestas últimas duas semanas, verdade seja dita: Caleb não seria capaz de me proteger dele! Ele estava, ou tão desprotegido pela bebida quanto eu, ou completamente apagado pelo cansaço da curtição.
Mas tudo bem, não havia nada que o obrigasse a se tornar o "super-herói das raves", assim como não havia motivos para logo eu ser o chamariz ambulante de predadores. Como sempre, era apenas minha insegurança aproveitando suas oportunidades de se pronunciar. Ela vinha tendo muitas dessas nestas últimas semanas, mas estava com um novo modus operandi, já que Caleb fazia questão de flertar abertamente comigo todos os dias.
Seu ego inflado não importa agora, Alison! Você está, como sempre, largada com a própria sorte no meio de um monte de gente! Parece o ensino médio de novo, não é?
Ai, Deus...
Parecendo atender a minha prece silenciosa, senti uma mão me tocar a cintura, me fazendo virar no mesmo segundo. O sorriso que Caleb abriu para mim, tão brilhante quanto a lua cheia desta madrugada, me passava a impressão de que ele não apenas entendia o tamanho do meu alívio, como também se divertia com ele. Ainda no meio do empurra-empurra sufocante, acabamos de encontro um ao outro.
Mas tudo bem. Eu queria abraçá-lo e ele já estava de braços abertos.
Fácil assim, éramos só nós dois: eu, a vulnerável, bêbada e paranoica, e ele tão embriagado quanto eu, suado como todos os outros e sem camisa como sempre acabava nestas noites. Meu herói.
— Como conseguiu me encontrar? — gritei ainda o abraçando, tentando me fazer ser ouvida acima da confusão sonora.
— Sim, eu também quero! — Ele se afastou um pouco para me olhar e quando balancei a cabeça, tentando me aproximar para repetir a pergunta, ele se afastou de novo, a expressão confusa.
Começou a dizer alguma coisa, mas neguei novamente sem entender uma só palavra e logo estávamos sendo separados de novo. Seu braço agiu rápido, me recuperando em outro abraço, e então ele sorria mais uma vez, dizendo mais palavras que eu não podia ouvir.
— Não dá! — Chacoalhei minha cabeça negando, porque, apesar de isso me deixar ainda mais tonta, era o único sinal que ele entendia, aparentemente.
Ele então apontou para um canto menos aglomerado, perto da saída, e eu assenti sorrindo, feliz com algum progresso de comunicação.
Ficando em minhas costas, com um braço me cobrindo os ombros e o outro fazendo o possível para abrir caminho entre as pessoas, Caleb nos guiou juntos para fora da multidão e, mesmo que aos tropeços, conseguimos chegar ao ponto que queríamos.
Suspirei, agradecida por sentir somente o mormaço quente da praia na minha pele, ao invés do calor humano excessivo, mas isso não durou muito, pois no segundo em que me virei para Caleb, o corpo dele pareceu se estender sobre o meu.
Achei por um momento que ele estivesse caindo, mas sequer tive tempo de me desesperar com o fato de que não seria capaz de suportá-lo e ambos estaríamos no chão em segundos. Minha boca sendo engolida pela dele do nada acabou servindo como um excelente suporte.
Dentro do que pareceram no máximo três segundos, seus lábios confortaram os meus numa carícia deliciosa que me fez tontear por dentro, simplesmente me arrebatando naquele efeito poderoso que ele tinha sobre mim sem precisar de nada além. Foi tão intenso quanto rápido demais, as mãos deles seguravam minha cabeça, o peso de seu corpo me fez dar alguns passos para trás e, de novo, "a força" que me repuxava pelas costas me fez quase cair, separando nossas bocas de forma abrupta e muito involuntária.
Aquela sua destreza impressionante novamente salvou o momento, seu braço circulando minha cintura num só movimento, e, por mais sexy que isso fosse, não pude deixar de questionar, quando recuperei minha respiração:
— O que... foi isso? — Seu sorriso não diminuiu, mas suas sobrancelhas se uniram, como se ele não notasse que havia me pegado de surpresa. Coisa que, por mais alterado que estivesse, ele não fazia.
Na verdade o que eu já notei que acontecia era que, sempre antes de me beijar de fato, Caleb parecia refletir para si mesmo sobre todos os prós e contras em prosseguir com isso. Não chegava a ser como Evan, tipo "sou ou não sou gay", "quero ou não quero te beijar"... não. Caleb sabia exatamente quem ele era e o que queria e isso era uma das coisas que mais me atraía nele.
As dúvidas dele se sentiam mais como cautela. Como se eu fosse desmoronar na frente de sua boca se se intensificasse um pouco mais, ou algo assim.
Quero dizer, eu iria. Este ainda era o Caleb Lowell e as borboletas no meu estômago ainda faziam um belíssimo show de vôo sincronizado só de ter a palidez intensa de seus olhos me encarando tão de perto, mas ele não sabia disso. Não com tanto detalhismo. Mas se um beijo mais profundo dele acelerasse meu coração ao ponto de fazê-lo implodir, Deus seria testemunha de que eu morreria feliz, então eu não entendia exatamente qual era o problema.
Porém, ou ele estava se fazendo de sonso, ou a bebida também era capaz de distorcer sentidos, ou ele realmente não notava diferença alguma em suas próprias atitudes, porque perguntou na maior sinceridade:
— Como assim?
— Isso! — indiquei nós dois, pousando minhas mãos em seus ombros.
— Você não queria? — Seu sorriso diminuiu, mas ele parecia mais confuso do que encabulado.
— Não, eu queria... quero, sempre! Só... não esperava.
— Ah... — Suas pupilas azuis pularam em direção a multidão, mas logo voltaram para mim, cheias de dúvidas novamente. — Como assim?
Não consegui segurar a risada.
— "Como assim", o quê, Caleb?!
— Você! — Ele estava rindo junto.
— O que tem eu, seu maluco?
Me mirou com uma suavidade repentina e logo senti os nós de seus dedos me acariciarem o rosto.
— Você é linda. — Como algum ego resistiria ser inflado por um ser desses?
Meu sorriso se suavizou junto com o dele e eu quis desviar meu olhar envergonhado, mas logo percebi que a vergonha não era tanta assim a ponto de me obrigar a parar de olhar para ele.
— Você tá bêbado — brinquei, por não saber mais o que dizer.
— Sempre — respondeu ele e eu ri de novo.
— O quê?!
Ele deu de ombros, como se desistisse.
— Linda. — E me beijou de novo.
Me surpreendi mais uma vez por ter feito isso repentinamente, mas longe de mim reclamar.
Mesmo incerta do que toda esta interação significava, eu estava feliz.
Era sempre assim com Caleb e eu vinha tentando me acostumar: incerteza, beijo, felicidade, e depois do sono, na sobriedade, tudo se apagava. E então estávamos de volta à incerteza.
Mas, Deus, como eu o amava. Não havia mais questões em relação a isso.
Sim, era casual. Perdi a conta das vezes em que ambos beijamos outras pessoas na frente um do outro, mas no fim do dia sempre queríamos estar desmaiados juntinhos, onde quer que fosse.
Vinha sendo assim desde a noite na festa dele e, não era perfeito, com certeza nada do que eu esperava ou algum dia quis, mas eu entendia também que este era um período de férias, não nossa rotina normal. Era esperado que houvesse tanta instabilidade, tantas outras pessoas no nosso caminho, tantas comunicações falhas, tanta embriaguez... estávamos fazendo o que dava na telha.
Em algum momento — daqui a dois dias, para ser mais exata — teríamos de voltar a realidade e voltaríamos juntos, porque era esta união que Caleb e eu tínhamos agora. Faremos funcionar no mundo sóbrio também.
E, eu tenho certeza, aí, sim, será como sempre sonhei....
¹. Deep house - Subgênero de música eletrônica.
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Tudo o que Sonhei
RomanceO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...