6.1 - Apenas desarmonia mesmo

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"Olá, Caleb!
Parabéns! Temos o prazer em informar que suas ideias foram selecionadas por nossa equipe para uma exposição coletiva e totalmente de graça!
Compareça com seu material completo nesta próxima terça-feira, a partir das cinco horas da tarde até às oito da noite (horário reservado para reuniões), e nós cuidaremos pessoalmente dos preparativos acordados.
A galeria de fotos e artes visuais de Nova York, FANY, mais uma vez te parabeniza pela conquista e aguarda ansiosamente para conhecê-lo!
Miranda Bell - Curadora"

Caleb

— "Compareça com seu material completo", "compareça com seu material completo", "compareça com seu material completo"... — resmunguei algumas vezes para mim mesmo. Os olhos fechados e a testa encostada no volante do meu carro, na minha melhor pose de derrota.
O que eu queria repetindo esta partezinha do e-mail que havia recebido mais cedo era colocar minha mente nos trilhos e unir determinação suficiente para fazer o que precisava fazer agora, mas, a quem estava tentando enganar?
"Comparecer com o material completo" exigia que até o dia marcado todas as trinta fotos das três sessões propostas, representando temas diferentes, estivessem prontas para a exposição. Eu só possuía duas sessões e era lógico que eu tinha que ter vencido o concurso mesmo assim para isso voltar para me morder!
E pensar que, três meses atrás, acreditei que teria mais tempo do que o suficiente para acabar tudo e, realmente, as duas menos complicadas não exigiram mais do que dois ou três dias cada.
Aquela espetacular aspirante a modelo — Emily?... Emilia? — ficou simplesmente perfeita em todos aqueles cliques bem tirados de suas poses e encaradas cruéis, feito uma vilã de novelas mexicanas. E, trajada com aqueles figurinos comportados, formais e de cores frias, eu já tinha o nítido "poder circunspecto", que era o primeiro tema exigido, para capturar com minhas lentes.
O segundo foi mais fácil ainda, que eram os "novos ângulos do habitual". Escolhi paisagens naturais para este, mas capturando a partir deste meu ponto de vista particular, que apenas um fotógrafo que sabe plantar bananeira muito bem desde que se entende por gente conseguiria dominar. Depois foi só uma questão de encontrar os locais e pontos focais corretos, alguns minutos de edição e montagem e eu já tinha mais dez fotos prontas e menos um tema para cumprir.
O problema apareceu quando precisei lidar com o último, que era "desarmonia em consenso" e minha criatividade simplesmente se desligava todas as vezes em que buscava ideias para expressar o contexto.
Foram dias quebrando a cabeça, tentando encontrar uma ideia, em como capturá-la, como representá-la de forma artística e, mais importante, como representá-la com a minha essência.
Apenas quando aceitei que não me dava muito bem com toda essa questão do "consenso" — o que pode ter ajudado a desencadear todas estas questões morais e filosóficas que vinham me aperreando nestes últimos tempos —, que um conceito apareceu e... me apunhalou.
Não literalmente, mas foi assim que me senti... Atacado por minha própria mente.
Mas, hey, uma boa ideia era uma boa ideia! E o pessoal da Galeria FANY, aparentemente, concordava comigo, pois me selecionou dentre todos os talentosos candidatos apenas com as descrições escritas das minhas ideias e representações, como foi solicitado para participação.
E, agora, o problema continuava sendo o último tema já que, além de possuir pouco menos que uma semana para terminá-lo e não ter sequer começado... eu iria precisar que, de todas as pessoas do mundo, logo Evan fosse aquele que cooperasse comigo.
— Não tem outro jeito — concluí para mim mesmo como uma espécie de ponto final e, sem mais reflexões e com um excesso falso de confiança, abri a porta e saí do carro.
Encarei a fachada da oficina mecânica e não me permiti estagnar novamente. Passei pela enorme passagem aberta, exalando uma longa lufada de ar e, menos de um segundo no local depois, uma voz a minha esquerda me chamou:
— Hm... oi!
Me virei encontrando a figura ruiva de Daniel, sentado em uma cadeira logo ao lado da entrada da oficina, mas visível apenas para quem estivesse em seu interior. Ele possuía uma caixa de ferramentas sujas em seu colo, um trapo velho em uma das mãos e aparentava certo abatimento, me dando a impressão de que deveria estar aqui, trabalhando, já a algum tempo. No entanto, seus movimentos agora congelados onde estavam, seu olhar verde, arregalado e atento, e a sobrancelha arqueada evidenciavam que, no momento, nada mais se salientava para ele do que o incômodo da minha presença inesperada em seu local de trabalho junto da possibilidade dele, por algum motivo, ser a causa disso.
Mesmo que eu quisesse, decidi simplesmente que não tinha tempo para prolongar sua agonia.
— E aí, Danny? Evan está? Eu queria, hm... conversar com ele sobre aquelas peças e ferramentas que ele ficou de me vender.
— Ah... sim... — Esboçou um sorriso fraco. — Ele está lá trás. Pode ir lá falar com ele.
Apontou com o trapo sujo em direção ao lado oposto e distante da oficina, onde ficava uma espécie de cabine fechada que, assumi na última vez em que estive por aqui, deveria funcionar como um escritório. Evan estava lá dentro, sentado de costas para nós dois e de frente para uma mesa repleta de papéis, parecendo focado demais no que fazia ali para notar qualquer conversa distinta.
Aproveitei sua distração e baixei meu tom de voz, quando perguntei a Danny:
— Escuta, hm... eu não sei se você ficou sabendo do problema que eu acabei causando entre ele e a namorada...
— Ah, eu fiquei sabendo... Fiquei sabendo demais! — arregalou os olhos, exagerando e rindo.
— Então, por conta disso, eu... não tenho certeza se ele estará muito disposto a falar comigo, mesmo que só pra negociar. Não tem mesmo como você me ajudar com isso? É importante e eu estou meio que correndo contra o tempo agora.
— Cara, desculpa, mas Evan é quem comanda isso tudo quando meu tio Rob, o dono, está fora.
Eu não tenho autoridade pra mexer em nada, sequer trabalho aqui. Só estou quebrando um galho pro meu tio pra ele poder tirar umas férias com os filhos.
— E para onde seu tio foi? Ele vai demorar pra voltar? Não tem algum número em que eu possa falar com ele? — Honestamente, qualquer outra opção me parecia melhor.
— Ele foi acampar lá pelo Niágara, já está fora a quase três semanas e, toda vez que consigo uns três minutos de conversa com ele, ele deixa bem claro que não quer saber de trabalho e que está seriamente considerando se aposentar e nem voltar mais. — Deu de ombros, com um sorriso de covinhas pronunciadas que o desculpava. — Foi mal, Caleb, mas, até que ele se resolva, Evan é o chefe por aqui.
Expirei, aborrecido.
— Tudo bem, então. Valeu, Dan... — Olhei em direção a cabine de novo. — Eu vou enfrentar a fera.
— Boa sorte — se limitou a responder e virou-se de volta para a caixa de ferramentas em seu colo, aparentemente, polindo o conteúdo.
Pescou lá de dentro uma muito engraxada chave de roda média e, antes que ele voltasse a sua tarefa com o trapo, decidi apenas parar de encarar a ferramenta na sua mão como se a coisa fosse um frango assado e eu, um cachorro de rua, e me manter em foco.
Droga, por que todo outro mecânico com quem tentei fechar acordo tinha de ser tão apegado às próprias velharias? Por que eu tinha que ter enfurecido justamente o único deles que era a exceção desta regra estranha?!
Andando devagar até Evan, me peguei abrindo e fechando os dedos involuntariamente, enquanto alternava minha visão para a bagunça de peças, instrumentos de aço e equipamentos facilitadores a minha volta, com todos os seus mínimos e ininteligíveis detalhes, sem realmente me atentar a nada, mas nervoso demais para me focar onde precisava.
Porém, a uns quatro ou cinco passos da cabine, uma fotografia colorida, presa com um imã no canto de uma placa de metal, junto a uma porção de recibos, se destacou o suficiente para me fazer parar por um momento e analisá-la.
Provável que foi meu interesse profissional que atraiu minha atenção para a mistura de cores vivas na imagem, mas, ao me aproximar, logo notei que não havia nenhum efeito ou filtro especial que criava aquela combinação alegre, mas, sim, somente as roupas e aparências distintas das pessoas na foto.
Estavam no que parecia ser uma apertada sala de estar e Danny, bem no centro da imagem, foi o primeiro que reconheci dentre aquele monte de rostos sorridentes. Logo ao seu lado estava Evan, abraçando pelos ombros uma muito encantada Alison, que olhava diretamente para ele. Consegui encontrar aquela sua amiga — que conheci rapidamente e já me odiava —, Katrina, no canto esquerdo da foto, junto de duas outras garotas bonitas e alegres, mas que, assim como os outros dez rostos na imagem, eu não conhecia.
Voltei, então, minha atenção para o meio da foto, onde Daniel aparecia meio agachado, de braços abertos e com a pele sardenta de seu rosto sorridente muito avermelhada. Bêbado, certeza, ri pelo nariz ao constar. Mesmo através da foto, os olhos verdes pareciam anuviados e, de todas as pessoas, ele foi o único que saiu um tanto borrado, provavelmente por não conseguir sustentar aquela pose sem cambalear.
Mas, como fotógrafo profissional, eu estava pensando comigo mesmo que ele definitivamente merecia ser o destaque central da imagem. Ninguém ali parecia tão feliz quanto ele.
Endireitando minhas costas, olhei de relance para ele, que permanecia sentado no canto escurecido, distraído com suas tarefas. Voltei-me para a imagem, comparando.
Acho que nunca o vi sorrir desse jeito vivo. Nem mesmo em nossas noites de farra, sozinhos ou no meio de uma balada.
Ele tinha um sorriso lindo. Eu precisava deixá-lo bêbado qualquer hora para poder ver isso ao vivo.
— Você tem que estar tirando com a minha cara...
Não poderia ter pedido por um prenúncio de tragédia melhor do que este resmungo ao meu lado, que me tirou de minhas reflexões.
Me virei para encarar a infelicidade que Evan, aparentemente, vinha se habituando em encarnar.
Talvez apenas para ou perto de mim, mas este "privilégio" não me incomodava o suficiente para que eu quisesse alterá-lo.
Com minhas prioridades em mente, ignorei toda a animosidade no ar e cumprimentei, usando a minha melhor cara deslavada:
— E aí, Evan, beleza?
O som da pobre caneta dentro de seu punho partindo-se ao meio foi minha única resposta por quinze segundos inteiros. Impacientemente aguardei, enquanto Evan largava o estrago sobre o móvel atrás de si e me encarava com um misto de indignação e fúria, como se eu tivesse ameaçado dar um chute em suas bolas, ou algo assim.
O que, agora, eu estava mesmo considerando fazer. Quem sabe assim ele não extravasaria logo este ódio injustificado e reprimido, nos permitindo conversar como dois seres humanos racionais sobre minha vida profissional depois? O tempo apenas não era meu melhor amigo para esta cerimônia toda.
Mas, para o meu desânimo, eu entendi que só estávamos nos desviando ainda mais do que me importava quando Evan finalmente disse:
— Olha, não é que esperasse muito de alguém que eu sei que não presta... mas aparecer aqui com essa sua cara debochada depois de toda aquela conversa mole de "somos amigos agora" que você jogou pra cima da Alison, é baixo demais até pra você.
Ok...
O contexto da ofensa gratuita? Além da minha compreensão.
A ferida no meu ego? Ínfima demais para que eu desse a mínima, principalmente agora.
A solução para que eu conseguisse, de alguma forma, arrastar isso para os meus interesses?
Inexistente.
Mas meu tempo era curto demais e eu não estava podendo esperar por uma abordagem mais sutil.
— Evan... eu só tô aqui por conta daquele nosso acordo, ok? Por favor... — exaltei cada sílaba destas duas palavrinhas — vamos apenas cuidar disso logo e eu prometo que vou embora depois de te pagar até mais do que o combinado.
Nítida dúvida se entalhou em cada traço forte de sua expressão.
— Me pagar?! Pelo o quê? Que acordo?
— Aquelas coisas aqui da oficina, lembra? A gente conversou sobre você me ceder algumas peças e ferramentas velhas para as minhas fotos. — Piscou, correndo sua visão pelo meu rosto como se eu fosse a garota dos chicletes de A Fantástica Fábrica de Chocolate e minha pele estivesse ficando roxa bem na sua frente. — Foi por isso que Danny nos apresentou, Evan. Eu sei que você não estava exatamente sóbrio, mas nós conversamos sobre isso na minha festa antes de você me beij...
— Eu já entendi! Não precisa... — Esfregou os cabelos com a mesma aspereza de seu tom e acabou deixando a frase no ar. — Olha, eu não tô com cabeça pra isso agora, só some da minha frente.
Irresolução pendeu em minha cabeça, quando o vi se virar como se o assunto estivesse encerrado.
— Eu vou sumir. Só me fala o que eu posso pegar e...
— Nada! Você não pode pegar nada! Eu não sou obrigado a fazer porra nenhuma pra você! — esbravejou e apontou para a porta. — Sai daqui e me deixa trabalhar!
— Evan, eu preciso dessas coisas ainda antes que esse fim de semana acabe, você não pode me ferrar assim! — Ah, sim... o desespero estava saindo para dar o seu "olá", eu mesmo já podia ouvir.
— Você não pensou em porcaria nenhuma antes de me ferrar! Alison quase terminou comigo por culpa sua!
O choque me fez tomar um segundo para tentar compreender e aceitar que, sim, eu tinha acabado de ouvir isso.
— Culpa minha?! Você esquece completamente da sua namorada na hora de beijar outra pessoa e a culpa é minha?! — A zanga em sua face pareceu não ter respostas ou reações para minha indignação. — Ah, Evan, faça-me o favor...
— Não sou obrigado — repetiu as palavras, pontuando-as com uma irritação ainda crescente que o fez soar como uma criança birrenta. — Agora, some da minha frente antes que eu perca a paciência de vez com você!
Seus punhos se apertaram fechados, tremendo com sua força, e perplexidade pura foi só o que senti naquele momento e, muito provavelmente, era o que minha cara demonstrava.
Não por sua atitude grosseira e irracional, isso já deveria ser de se esperar, mas, sim, porque, ao que parecia, este bully tirano, metido a dono da verdade, estava mesmo prestes a estragar uma das melhores oportunidades que já recebi em minha profissão e, principalmente pela falta de tempo, eu teria apenas que aceitar.
Nem mesmo a mais zen das frases feitas que minha mãe hippie e budista adorava tanto repetir poderia diminuir meu infortúnio com esta realidade.
Bom, sendo assim, então o que eu tenho a perder?
— Isso... é ridículo. Você é ridículo! Foi você quem me beijou, isso é uma merda de uma besteira! — Dei um involuntário passo a frente, sem saber exatamente o que estava fazendo.
Aliás, de modo geral, eu já não estava sabendo do mínimo, como o que queria expressar, para onde exatamente olhar, o que estava tentando gesticular... eu estava só... falando: — Eu não te forcei a fazer porcaria nenhuma, e agora você vem atrasar o meu lado por uma merda idiota que você mesmo causou?! Isso é uma puta sacanagem!
— Sai daqui.
— É só isso que você sabe dizer?! É isso que você faz quando as pessoas dizem verdades que você não quer ouvir?! Manda elas saírem? — Forcei um riso sem graça para fora, numa tentativa de calar a vozinha dentro de mim que ousou me perguntar o que eu estava ganhando com esta discussão.
E, confesso que teria sido inteligente dar ouvidos a ela, pois provavelmente isso teria me impedido de cruzar o seguinte limite:
— Uau, a comunicação com você é realmente excelente! Não me admira que sua namorada se encante por todo cara coerente que aparece na frente dela.
O arrependimento por ter escolhido estas palavras imbecis, sobre alguém que agora se considerava minha amiga, me bateu com violência assim que elas deixaram minha boca.
Só não foi mais violento, no entanto, do que o punho de Evan, bem abaixo do meu olho.

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